27 janeiro 2021

Bahia de todos os cantos

 

O mapeamento cultural interno da Bahia começou com os estudos de Nelson de Araújo, pioneiro na preocupação de entender a cultura popular numa perspectiva antropológica. Entre 1986 a 1988 lançou Pequenos Mundos. Um panorama da cultura popular da Bahia em três volumes. Entre os anos de 1997 e 2003 a TV Educativa da Bahia produziu e lançou 18 vídeos-documentários e 8 CDs da série Singular e Plural. Registrou e mostrou a diversidade do interior da Bahia do Recôncavo, do sertão, do litoral. 

 

A série televisiva revela um conjunto de expressões culturais como folguedos, festas e rituais religiosos populares. Desde o folguedo Nego Fugido de Santo Amaro da Purificação, o toré dos índios Kiriri de Mirandela, dos Tuxá de Rodelas, as comemorações distintas em louvor a São Roque: a dos índios Pankararé que organizam uma romaria acompanhada de uma banda de pífanos; a das prostitutas de Riachão de Jacuípe, que realizam um cortejo acompanhado de uma banda de sopro; e as festas organizadas pelos fiéis católicos e adeptos do candomblé de Salvador. E o folguedo também conhecido como Chegança de Marujos.

 


Também nesse período, trabalhando como coordenador de comunicação da UPB, viajei pelos municípios baianos para publicar reportagens no Diário Oficial dos Municípios e do impresso da instituição. Registrei a cultura e a identidade de cada localidade. Alguns desses registros estão no livro Bahia, um estado  d´alma, de 2009. No passeio pela Bahia, mostro a identidade visual de muitos municípios como Porto Seguro, a cidade monumento, Caravelas e o Arquipélago de Abrolhos, Ilhéus a terra dos romances de Amado, Itacaré ótima para o surf, Canavieiras a capital do caranguejo, Valença terra do camarão, Mucugê e o cemitério bizantino, Abaíra e sua boa cachaça, Iraquara cidade das grutas, Lençóis a capital do diamante, Paulo Afonso a terra dos esportes radicais, Juazeiro a capital da irrigação, Tucano e suas águas minerais, Monte Santo a terra dos peregrinos, Barreiras a capital da soja e Bom Jesus da Lapa a cidade santuário, da fé.

 

Também em 2009 o Governo do Estado, através das secretarias do Planejamento e de Cultura (Secult), Fundação Pedro Calmon (FPC) e da Empresa Gráfica da Bahia (Egba), lançaram a revista Bahia de Todos os Cantos com objetivo a divulgação da riqueza e diversidade sociocultural que caracterizam as diferentes regiões do nosso estado, garantindo maior visibilidade à Bahia em todos os seus cantos, recantos e encantos. Depois virou um programa da TVE.

 


Mais de 20 anos depois o antropólogo e poeta Antonio Risério e o sociólogo e jornalista Gustavo Falcón lançam o livro Bahia de Todos os Cantos - Uma Introdução à Cultura Baiana (Editora Solisluna). O livro apresenta uma reflexão sobre as diversas regiões culturais da Bahia, examinando sua formação, seu desenvolvimento e suas especificidades a partir de capítulos como pluralidade e sincretismo, recôncavo afrobarroco, do açúcar ao cacau e “a face hegemônica da Bahia”. A intenção é revelar essa Bahia, muito pouco conhecida, visitando textos didáticos e instrutivos, para que os leitores conheçam mais o Recôncavo, o Sertão, a Chapada Diamantina, o Oeste, o Sul da Bahia.

 


São múltiplas realidades culturais baianas. “Bahia da barca e do aboio, das grutas do sertão e das praias cheias de sol, da seca interiorana e dos aguaceiros litorais, da araponga e do beijupirá, da caatinga e dos manguezais, da marujada e da chula, do saveiro e do carro de boi...” (pag.25). Segundo os autores existe a terra mestiça e unida do litoral mulato e a terra mestiça e seca do sertão mameluco, com os seus vaqueiros e os seus jagunços. Uma Bahia sertaneja, que teria, no umbuzeiro, sua arvore sagrada.

 

O passeio vai da forte presença africana no Recôncavo  (complexo cultural jeje-nagô0 da formação étnica do Vale do São Francisco, basicamente lusitana e ameríndia, passando pela base luso-africana da Chapada Diamantina, da cultura grapiuna, nucleada no eixo Ilheus-Itabuna, da Bahia da pecuária e do pastoreio com sua cultura do couro em Feira de Santana, do planalto de clima temperado de Vitoria da Conquista, do vale sanfranciscano, do litoral norte (cujo isolamento foi rompido com a abertura da Estrada do Coco e da Linha Verde), do Rio Real e o céu do sertão até o oeste. A pluralidade cultural do Estado da Bahia é um fato.

 


Uma pesquisa de fôlego fortalecida por uma rica bibliografia. Mas como consta na capa, é apenas “uma introdução à cultura baiana”. Os dados históricos de muitos municípios estão bem aprofundados, mas faltou identificar as expressões populares das localidades. Como se sabe, cada cidade tem sua marca. As Burrinhas da Bahia vão para as ruas em diferentes épocas do ano e podem ser vistas no Recôncavo, Sertão e Litoral do baixo sul. Já o Nego Fugido é exclusivo do povoado de Acupe, distrito de Santo Amaro. O Mastro Sagrado e Profano tem em Olivença (Ilheus) seu ponto alto. O trança-fitas ou pau de fitas está em Rio de Contas, Utinga e Andarai. Zabiapunga no litoral baixo sul e Recôncavo. Já o Macatum Zê-zê em Mucugê. Tem ainda a lamentação das almas, a festa de Nossa Senhora da Boa Morte, entre muitas outras. Mas a obra de Antonio Risério e Gustavo Falcón é leitura obrigatória para quem deseja conhecer a Bahia.  

 

Nenhum comentário: