“Homo videns. Televisão e
pós-pensamento”, obra do professor Giovanni Sartori é de 1997 e lançado
pela
Editora da Universidade do Sagrado Coração (Edusc) em 2001. Um livro
interessante sobre a geração televisiva. Vou analisar apenas o primeiro
capítulo sobre a primazia da imagem. Os dois outros, a opinião teledirigida
(sobre desinformação e que a imagem também mente) e a democracia (videoeleições
e demo-cracia enfraquecida) vou deixar para o leitor se interessar. Vamos
discutir a relação tevê e espectador.
A palavra vem sendo destronada
pela imagem. Agora tudo se torna visualizado. E o que vai acontecer com as
coisas que não são visíveis. A televisão está mudando a natureza do ser humano.
Antes mesmo de saber ler e escrever, o mundo em que vivemos já está se apoiando
nos ombros da “geração televisiva”.
Até o fim do século XV, o fato de
ler, e ter algo para ler, foi um privilégio de pouquíssimos eruditos.
A cultura
da sociedade ficou amplamente baseada na transmissão oral. E é com a Bíblia
impressa por Gutenberg entre 1452 e 1455 que a transmissão escrita da cultura
se torna potencialmente acessível a todos. A partir daí o progresso da
reprodução mediante a imprensa foi lento mas constante até alcançar seu ponto
alto com o advento do jornal impresso todos os dias. E começa os avanços
tecnológicos com a invenção do telégrafo, seguido do telefone (desaparece a
distância e começa a era das comunicações diretas). Surge o rádio e a voz
passou a ser divulgada em todas as casas.
Com a descoberta da televisão,
ocorreu uma ruptura neste sistema de comunicação. A televisão – como diz o
próprio nome – “ver de longe” – levou à presença de um público de espectadores
coisas para ver. E na tevê o fato de ver predomina sobre o falar, no sentido
que a voz ao vivo, ou de um locutor, é secundária, pois está em função da
imagem e comenta a imagem.
E se o homem se diferencia do
animal porque possui uma linguagem capaz de raciocinar a respeito de si
próprio, refletir sobre o que diz (não apenas a comunicação, mas também o
pensamento e o conhecimento que caracterizam como animal simbólico). O
predomínio da visão o aproxima de novo às suas capacidades ancestrais, isto é,
ao gênero do qual o homo sapiens é a espécie.
Com a chegada da televisão começa
a virada. A natureza da comunicação é deslocada do contexto da
palavra (seja
impressa ou transmitida pelo rádio) para o contexto da imagem. A TV derruba a
relação entre o ver e o entender. Antes nós tomávamos conhecimento tanto do
mundo como também dos seus acontecimentos mediante a narração oral ou escrita.
Hoje podemos vê-los com os nossos olhos e a narração (ou a sua explicação) é
quase apenas em função das imagens que aparecem no vídeo.
A outra realidade é que nossas
crianças ficam olhando a televisão, horas a fio, antes mesmo de aprenderem a
ler e a escrever. O resultado disso é que a tevê está criando ser humano que
não lê, que revela um alarmante entorpecimento mental. Trancados no próprio
quarto olhando os programas da tevê, continua surdo, durante a vida, aos
estímulos da leitura e do saber transmitidos pela cultura escrita. O resultado
é um adulto caracterizado pela atrofia cultural pelo resto da vida. É bom
lembrar que a TV pode fazer bem ou mal, pode ajudar ou também prejudicar, mas é
incontestável que ela oferece entretenimento e diversão em demasia. Muitas
horas em frente da tevê causa o empobrecimento da capacidade de entender.
Porque?
Todo o saber do ser humano, o seu
progresso no conhecimento está na sua capacidade de abstração. As palavras que
articulam a linguagem humana são símbolos que evocam representações, isto é,
evocam na mente configurações, imagens de coisas visíveis. E nosso pensar vem
mediante conceitos. Todo o saber do homo sapiens se desenvolve na dimensão de
um mundus intelligibilis (de conceitos e de concepções mentais) que não é de
modo algum o mundus sensibilis, o mundo percebido pelos nossos sentidos. Assim
a televisão investe o progredir do sensível para o inteligível, virando-o em um
piscar de olhos para um retorno ao puro e simples ver. Assim, atrofia a nossa
capacidade de abstração e com ela toda a nossa capacidade de compreender.
O ser humano que lê está em
rápida queda, quer se trate do leitor de livros como também do leitor de
jornais, em todo o mundo. Enquanto isso a escrita televisiva dos núcleos
familiares aumentou consideravelmente, então fora do trabalho não sobra mais nenhum
tempo para qualquer outra coisa. A imagem, por si, não oferece quase nenhuma
inteligibilidade. A imagem deve ser explicada, e a explicação da imagem que é
dada no vídeo é constitutivamente insuficiente. Se no futuro passou a existir
uma televisão capaz de explicar melhor, então a discussão a respeito de uma
interpretação positiva entre o homo sapiens e homo videns poderá ser reaberta.
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