Ao longo dos séculos, a preguiça
foi carregada de significações contraditórias e impressionantes
variações. Foi
tema de obras de arte, poesia, romance, pinturas, reflexões filosóficas. O
preguiçoso é indolente, improdutivo, nostálgico, melancólico, indiferente,
distraído, voluptuoso, incompetente, ineficaz, lento, sonolento, silencioso.
Para o preguiçoso, “é preciso ser
distraído para viver” (Paul Valéry), afastar-se do mundo sem se perder dele.
Exatamente por isso, o preguiçoso é acusado de não contribuir para o progresso.
Além de praticar crime contra a sociedade do trabalho, a preguiça comete pecado
capital. Pela lógica do mundo do trabalho e da Igreja, ele deve sentir-se
culpado. Pagar pelo que não faz.
Mas o trabalho sequestrou o tempo.
Se no século XIX, o controle do tempo, ou seja, integração da vida operária ao
processo de produção, hoje o controle é aceito naturalmente. O tempo passou e a
reivindicação do tempo livre tornou-se quase que palavra de ordem subversiva:
“Preciso tanto de nada fazer que não me resta tempo de trabalho”, conclama
Pierre Reverdy no livro “A Difícil Arte de Quase Nada Fazer”.
Lançado em 1928, o Macunaíma, o
herói sem nenhum caráter, de Mário de Andrade (1893-1045) só começou a ser
discutido e lido nos anos 1960, e mais tarde sua obra foi montada no teatro e
transportada para o cinema. Mário apresentou a preguiça com um outro
significado, a síndrome da preguiça, de boa vida, da boemia.
Se o
nosso Macunaíma murmurou “ai,
que preguiça…” ao nascer,
o filósofo Albert Camus
comentou que “são
os ociosos que transformam
o mundo, porque os
outros não têm tempo”.
Outras milhares de citações
seriam possíveis porque a
indolência frequentou
a imaginação humana desde
tempos imemoriais – e nem
sempre com a conotação
negativa que hoje
a acompanha. Houve um manifesto do socialista francês
Paul Lafargue, O Direito à Preguiça, e outro clássico do tema, O Direito ao
Ócio, de Bertrand Russel.
O herói nacional sem caráter,
Macunaíma, retratado pelo modernista Mario de Andrade, vivia a falar de sua
própria preguiça. São também parte desse patrimônio simbólico a ideia da
indolência e a crença na inferioridade da mestiçagem e nos efeitos negativos da
clima tropical sobre o trabalho. Teorias foram escritas a esse respeito e, por
mais que tenham sido repelidas, sobrevivem num substrato ideológico que ajuda a
moldar a imagem do brasileiro. Afinal, a
preguiça é dos
pecados capitais.
E, como estigma, abre
a porta para uma
série de preconceitos:
o nordestino tido como
preguiçoso, a criança
de rua vadia, e
o desempregado como
pária social.
Os portugueses, no final do século passado e nas primeiras décadas do século XX, tinha uma imagem da preguiça
da ex-colônia. Afinal, o Brasil figurava
no imaginário português como um lugar de oportunidades, um país imenso, com
muitas riquezas naturais e fantástico potencial. Como essa terra mítica na
cabeça de muitos vieram para cá e acabaram prosperando. Disso derivaria a ideia
de que os brasileiros não seriam capazes de explorar as potencialidades de seu
próprio país. De que tinham, ao contrário dos portugueses, tudo para
enriquecer, mas não o faziam por pouca dedicação ao trabalho.
TECNOLOGIA - Um
dos grandes impasses contemporâneos,
na era da técnica,
se dá na questão
douso do tempo,
daí o tema da
preguiça, do ócio
criativo, da pausa
para pensar e refletir.
A técnica é uma
criação humana que,
por paradoxo, volta-se contra
o seu criador. Havia
a crença de que
com as novas tecnologias,
teríamos mais tempo
livre para nos dedicarmos
ao nosso aprimoramento
não só como profissionais,
mas como seres humanos.
Deu-se o contrário:
nunca se trabalhou
tanto como hoje.
O trabalho
na era da informática
tende a ser full
time, sem interrupções,
sequer nos fins de
semana. As corporações
dão aos seus executivos
celulares, IPhones ou
laptops, verdadeiros
presentes de grego,
pois essa parafernália
permite que os
funcionários sejam contatados
a qualquer hora do
dia, inclusive nos momentos
de lazer.
O que
houve foi uma apropriação
total do tempo dos
indivíduos pelo capitalismo
contemporâneo. Fato de muitas
consequências, como o
sentimento de urgência
permanente, o estresse,
a desconstrução de
si. Mais grave ainda:
esse novo ethos capitalista
se opõe frontalmente
à experiência do
pensamento e da
reflexão.
As estratégias
para administração do
tempo alheio são uma
forma de dominação.
Em um texto de
Michel Foucault, ele estuda
como o tempo é
disciplinado pela Igreja,
pelo capitalismo e
pelos presídios. Trata-se de
não deixar qualquer tempo
livre aos indivíduos,
pois seria por ele
que as tentações,
desordens e queda
de produtividade poderiam
vir a perturbar
o bom andamento
das coisas.
Por outro
lado, uma das formas
de controle seria estigmatizar
a palavra. O preguiçoso
torna-se um pária.
Mas, essa
noção é historicamente
construída. Na Grécia
e Roma antigas, o
ócio era nobre e
o trabalho, vil. Transformar
a ociosidade em pecado,
ou estigma social, é
uma forma de culpabilizar
os que ousam dispor
do seu tempo livre.
Ou seja, não passa
de uma estratégia
de dominação.
Essa desapropriação
do tempo individual
pode ter se exacerbado
neste estágio do capitalismo,
mas é algo que
já preocupava pensadores
do passado. Paul Lafargue,
genro de Marx, escreveu
um panfleto famoso, O
Direito à Preguiça,
no século 19. Mais
recentemente, Paulo Valéry,
no prefácio às Cartas
Persas, de Montesquieu,
lembrava que nenhuma
civilização podia se
organizar sem atenção
“às coisas vagas”.
Ou seja, ao pensamento
reflexivo, crítico, à
produção de obras
de arte e inteligência,
que dependem do tempo
livre e da falta
de necessidade de
um objetivo ou prazo
a cumprir. Hoje ninguém
mais se detém para
pensar.
HUMOR
GRÁFICO NA BAHIA
Uma
exposição com as obras dos precursores do grafismo baiano (cartum, caricatura,
charge e quadrinhos) até os dias atuais é de grande necessidade para o grande
público (jovem e adulto).
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invisíveis e são importantes no registro dos acontecimentos históricos e
sociais.
Por
esse motivo, vamos apresentar em 2015 uma grande exposição de humor gráfico na
Bahia e queremos a participação de todos os artistas.
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K-Lunga, Tischenko, Sinézio Alves, Fernando Diniz, Theo, Lage, Setubal, Nildão,
Ruy Carvalho, Cedraz, Cau Gomez, Bfruno Aziz, Valterio, Flavio Luis, Luis
Augusto, Valmar Oliveira, Andre Leal, Angelo Roberto, Eduardo Barbosa, Gentil,
Jorge Silva, Carlos Ferraz, Helson Ramos, Hector Salas, Tulio Carapiá, Sidney
Falcão são alguns dos artistas cujas obras estarão na mostra.
Participe,
colabore. Contato: gutecruz@bol.com.br
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Deus, 22, Pelourinho). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra
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