Orfeu é um dos heróis gregos mais
conhecidos entre nós, talvez pela consagrada versão de Vinicius de Moraes, que
transplantou o mito ao Carnaval e aos morros cariocas da década de 1950. O
inventor da poesia é presenteado pelos deuses com uma lira, instrumento do qual
tira os mais melodiosos sons, que o tornam célebre em todo o mundo antigo. Tão
célebre que é convidado a participar da expedição dos argonautas, que reuniu os
principais heróis gregos da época. Com seu canto, ele os ajuda a resistir às
sereias. Mas é na volta da expedição que Orfeu enfrenta a mais dura prova de
sua vida. Encanta-se com a ninfa Eurídice, e os dois se casam. No dia do
noivado, porém, Eurídice é picada por uma serpente e morre. Desesperado, Orfeu
desce aos Infernos - reino do temido deus Hades, de onde ninguém nunca retorna
- para trazer Eurídice de volta à vida. Com sua arte, Orfeu consegue comover
até mesmo Hades, que permite ao jovem levar sua amada de volta, com a condição
de que no caminho ele não olhe para ela. O final da história, como muitos
sabem, é dos mais trágicos.
A história é
milenar. O mito de Orfeu foi recriado em diversas eras. O mais antigo texto a
respeito de Orfeu é de VI a.C., e é de autoria do poeta Íbico de Regió, mas
nesse tempo o mito já havia alcançado notoriedade no mundo helênico. Marcou
filósofos gregos como Tales de Mileto, Anaximandro, Xenofonte. Contaminou
Parmênides, Heráclito, Empédocles, e Platão, entre outros.
Igualmente, poetas
como Eurípedes, Ésquilo e Píndaro sofreram influências do Orfismo. O mesmo se
deu com Virgílio e, inegavelmente, Dante. Nos tempos modernos, Orfeu interessou
poetas como Victor Hugo, Nerval, Leconte de Lisle, Banville, Apollinaire,
Valéry e Gide.
Calderon de la
Barca, Rainer Maria Rilke, Jean Cocteau, Jorge de Lima, Marcel Camus... muitos
escreveram sobre Orfeu. Orfeu da Conceição é uma adaptação em forma de peça
musical do mito grego de Orfeu transposto à realidade das favelas cariocas. A
obra marca o encontro artístico do autor Vinicius de Moraes com Antonio Carlos
Jobim que musicou todo espetáculo. O diretor de cinema e escritor francês
Marcel Camus filmou no Rio de Janeiro Orfeu Negro (1959), uma adaptação da peça
de Vinícius. Até hoje diversas obras
(livros, poesias, filmes, peças teatrais, pinturas e esculturas) são recriadas
para lembrar o mito.
Era uma vez um jovem chamado
Orfeu. Ele era filho de umas das nove musas, Calíope com o deus olimpiano
Apolo. Grande herói da cidade de Trácia, Orfeu era conhecido não pelas suas
qualidades de guerreiro, mas pelas suas qualidades musicais. Recebeu do pai uma
lira como presente e aprendeu a tocar com tanta dedicação e beleza, que ninguém
conseguia ficar indiferente ao encanto da sua música. Tanto os seres humanos
como os animais, e diz-se que até as árvores e os rochedos, se rendiam ao seu
fascínio.
O jovem filho da musa foi um dos
cinquenta homens que atenderam ao chamado de Jasão, ou seja, foi um Argonauta.
Era Orfeu quem apaziguava as brigas do navio com a sua música, e foi ele também
quem livrou os outros Argonautas e o próprio Jasão do canto das sereias, porque
tamanha eram as propriedades de sua música que as próprias sereias silenciaram
seu canto para ouvirem o músico. De certo modo matou as Sereias, já que ninguém
poderia passar por elas.
Considerado como o maior músico
da antiguidade, Orfeu era o melhor também no canto. Todos os poetas antigos
celebraram sua lira e sua cítara, pois, até mesmo esta, teria sido inventada ou
aperfeiçoada por ele. Como excelente instrumentista, aumentou o número de
cordas, de sete para nove, numa homenagem às Nove Musas. Seus acordes eram tão
melodiosos que os homens e os animais quedavam paralisados para escutar.
Os animais ferozes deitavam a
seus pés como cordeiros; as árvores vergavam para melhor escutá-lo;
os homens
mais coléricos sentiam-se penetrados de ternura e bondade. Educador da
humanidade, conduziu os trácios da selvageria para a civilização. Iniciado nos
‘mistérios’, completou sua formação religiosa e filosófica viajando pelo mundo.
Ao retornar do Egito, divulgou na Hélade a ideia da expiação das faltas e dos
crimes, bem como os cultos de Dioniso e os mistérios órficos, prometendo, desde
logo, a imortalidade a quem neles se iniciasse.
Juntou-se à expedição dos
Argonautas, assim chamados por causa do navio Argos no qual embarcaram para a
Cólquida em busca do Tosão de Ouro. Este célebre navio transportou a fina flor
da mocidade grega, cerca de 55 heróis, dos quais cita-se: Jasão, promotor e
chefe da empresa, Héracles (que participou só no começo da missão), Argos,
Castor e Pólux, Deucalião, Glauco, Laertes, pai de Ulisses, Oileu, pai de Ajax, Peleu, pai de Aquiles, o nosso
poeta Orfeu e muitos outros.
Teve participação expressiva,
pois salvou-lhes a vida em diversas oportunidades: seja acalmando o mar
encapelado; seja dando cadência, com a sua música, aos remadores; seja
entorpecendo o dragão da Cólquida, o guardião do Tosão de Ouro, ao som de sua
cítara; seja recobrindo a música maléfica das Sereias com o som de seu
instrumento. Passaram pelo Helesponto, pelo Ponto Euxino, pelas Ciâneas
(recifes móveis) também chamadas de Simplégades, por Cila e Caribdes etc.
Tão bom homem não poderia ficar
sozinho por tanto tempo. Ao regressar da expedição dos Argonautas, casou-se com
a ninfa Eurídice a quem amava perdidamente. Os dois se casaram. Porém, a ninfa
era de tal beleza que mesmo depois de casada atraiu também os olhares de um
apicultor (criador de abelhas). Eurídice recusou ao homem e pôs-se a fugir
dele, que a perseguia, e durante tal fuga Eurídice acabou sendo picada por uma
cobra, desse jeito, vindo a morrer. As ninfas companheiras de Eurídice fizeram
com que toda a criação de abelhas do homem morressem, em vingança pela morte da
amiga.
Possuído por um desgosto
inconsolável, o poeta deixa de cantar e tocar e permanece em silêncio soturno
pela morte da esposa. Resolveu, então, descer às profundezas do Hades, para
trazê-la de volta ao mundo dos vivos. Orfeu desce aos infernos, nos versos
imortais de Virgílio e, com sua cítara e sua voz divina, encantou de tal modo o
mundo plutônico que a roda de Exíon parou de girar; o rochedo de Sísifo deixou
de oscilar; Tântalo esqueceu a fome e a sede e as Danaides descansaram de sua
faina eterna de encher os tonéis sem fundo. Às margens do Styx, tange de tal modo
sua cítara que Caronte e Cérbero deixam-no atravessar o rio.
Comovidos com tamanha prova de
amor, Plutão e Perséfone concordaram em devolver-lhe a esposa. Impuseram-lhe,
contudo, uma condição penosa: ele seguiria à frente e ela lhe acompanharia os passos.
Enquanto caminhassem pelas trevas infernais, Orfeu não poderia olhar para trás,
até que o casal transpusesse os limites do império das sombras. Orfeu aceita a
imposição e inicia a sua peregrinação. Estava quase alcançando a Luz quando uma
dúvida lhe assalta o cérebro: e se tudo não fosse uma enganação dos deuses? E
se sua amada não estivesse atrás dele? Acutilado pela incerteza, olhou para
trás, transgredindo a ordem dos deuses. Ao voltar-se, viu Eurídice, esvaindo-se
para sempre, “morrendo pela segunda vez...” Tentou ainda retornar, mas o
barqueiro Caronte foi implacável na sua recusa.
Profundamente triste, Orfeu ficou
na margem do rio, durante sete dias, sem comer nem dormir, suplicando a volta
de Eurídice. Depois, vagueou triste e solitário pelo mundo, sem nunca mais
querer saber de mulher alguma e repelindo todas aquelas que o tentavam seduzir,
até que um dia, as mulheres da Trácia, enfurecidas pelo seu desprezo, o
mataram. O seu corpo foi atirado ao rio Ebro e levado até à ilha de Lesbos,
onde, durante muito tempo, a cabeça de Orfeu, presa numa rocha, proferia
oráculos. A sua lira foi colocada num templo de Lesbos.
As Musas, apiedadas do fato,
reuniram o corpo de Orfeu e enterraram-no no Monte Olimpo. Quanto às Mênades,
foram punidas pelos deuses: Assim que saíram do rio, seus pés começaram a
tornarem-se parte da terra, e quanto mais elas tentavam tirá-los, mais eles se
enroscavam… Até que, elas tornaram-se árvores. E ficaram sendo açoitadas pelos
ventos, furiosos pela morte de Orfeu.
No fim, Orfeu uniu-se à sua amada
novamente, nos Campos Elíseos. E as Mênades, dado o tempo de morte de uma
árvore os galhos delas caíram secos e sem vida ao chão. Conta-se que após a
morte de Orfeu, os pássaros cantaram mais felizes, pois o músico estava feliz
outra vez com a sua amada.
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