Há 70
anos, no dia 19 de janeiro de 1943, nascia na pequena e provinciana
Port Arthur, Janis Joplin, a garota que viveu as cores de seu
pesadelo. Insegura, insatisfeita e suicida. Desarmada, depressiva e
eufórica. Janis simboliza o protótipo perfeito da cantora de blues,
que ela unia ao rock para fazer as plateias passarem da emoção ao
fogo, em canções como Piece of my heart, Turtle blues, My and Bob
Mcgee, Mercedes Bens, Summertime.
Toda sua
insegurança, moldada pela crueldade com que sua aparência e seu
gênio provocavam na mentalidade estreita vigente em Port Arthur
nunca mais a abandonou. O racismo texano também criava conflitos
para Janis, que era considerada uma nigger love (amante de negros) só
porque não conseguia hostilizá-los como os colegas faziam. Pearl é
como gostava de ser chamada, e como se escondia das adversidades.
Fazendo
sua cabeça com a leitura dos escritores beats, como Jack Kerouac e
Allen Ginsberg aos 15 anos, Janis se voltava para a cultura negra,
desencantada com os valores da classe média branca dos EUA. Daí
para a música negra foi um passo.
Foi no
Festival Monterey Pop, no verão de 1967 que Janis surgiu como uma
jovem branca de longos e despenteados cabelos louros. Mas no instante
em que o Big Brothers começou a tocar, aquela figura anteriormente
de menina assustada passou a se transformar. A banda tocava Piece of
My Heart e a cada nota do contrabaixo, ela dava uma pancada com a mão
na perna. Ao final do número, o público entrou em delírio.
Apesar do
apocalipse do Who, do fogo de Hendrix, Janis agarrou o microfone,
gemeu, bateu os pés, sacudiu a cabeça, gritou e incendiou o ar. O
canto de Joplin conseguia expressar toda a revolta, as dúvidas e
perplexidades que os jovens tinham com o mundo em que viviam. Com
seus cabelos longos e despenteados, sua voz áspera, seus gritos
roucos, Joplin fez renascer o blues.
Carente,
angustiada, quando cantava Joplin jogava todos os seus conflitos
internos. “Minha musica é sobre o sofrimento, sua urgência. Sua
presença” Também no palco se entregava completamente. Acariciava
o microfone, gemia, implorava e batia os pés. “Eu canto com a
minha voz, meu corpo, meu sexo. Nenhum cara nunca me fez sentir tão
bem quanto uma plateia me faz”.
A
branquela, sardenta e gorducha mocinha texana depois de desestruturar
todo o arcabouço do clássico e pretensamente negroide Summertime,
pergunta diretamente a Deus por que Ele não lhe compra um Mercedes
Benz, uma televisão a cores. A branca cantora de blues que se fez
negra pela cor de sua voz interroga e cobra do grande deus consumista
as promessas que a sociedade lhe fizera desde o berço. Por quê?.
Foi
inovadora no vocal e em atuação no palco. Na época, ninguém fazia
o que Janis estava fazendo. No final de 1969 ela já estava tensa,
cansada, acabada. Bebe desesperadamente, está viciada em heroína e
continua só. Transa com vários garotos, mas continua só. Em
janeiro de 1970 pede ajuda médica e decide abandonar o vício,
começa um tratamento e vem para o Brasil em fevereiro, procurando um
lugar onde pudesse descansar e tomar sol. Chegou no Rio de Janeiro,
depois para a Bahia onde descansou em Arembepe. Mas, na volta à
rotina dos shows, excursões e gravações, os mesmos problemas a
encontraram. Assim, do conflito entre duas personalidades (Pearl a
garota que surgiu como uma espécie de autopunição e Joplin
cantora), nascia o canto animal da única mulher branca a cantar
blues com a sexualidade e o desespero que só (raras) intérpretes
negras a possuem.
No dia 03
de outubro de 1970, aos 27 anos ela foi encontrada morta, depois de
injetar acidentalmente uma superdose de heroína. Seu legado é dos
mais reduzidos: Cheap Thrills, (I Got Dem'01) Kozmic Blues, Pearl,
Big Brother & The Holding Company, Janis Joplin in Concert, Janis
(trilha sonora do filme).
Assim foi
Janis numa carreira fulminante, incendiária. Ela só tinha uma
limitação: era basicamente intérprete. E intérprete irreverente a
uma escola específica, o blues. Sua luminosidade é ter expressado
publicamente uma sensualidade feminina triunfante e positiva, embora
– ainda – sofrida. Agora, 43 anos do desaparecimento da estrela,
vale essa recordação, um réquiem.
Janis
canta com a voz rouca e sofrida, típica das grandes intérpretes de
blues
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