Na vida
tudo gira em torno da harmonia. Um bom exemplo disso é a coreografia
dos ciclos naturais, primavera, verão, inverno e outono mostrando
como a vida coexiste e improvisa com o meio ambiente e como padrões
simétricos tendem a se repetir. Basta ver a bifurcação dos troncos
das árvores e dos leitos dos rios, as espirais das galáxias, e das
conchas, a simetria das asas de uma borboleta e dos flocos de neve.
No
universo não há só harmonia e simetria. Se só houvesse equilíbrio
jamais haveria transformação. Todas as coisas fundamentais que
existem dependem de um desequilíbrio. O próprio Universo se
originou do desequilíbrio. Quando o sistema está equilibrado, não
se transforma. Sem transformação não há criação, nada acontece.
Portanto, tudo o que ocorre e que se transforma no mundo o faz devido
a imperfeições, ao desequilíbrio. É a tensão entre harmonia e
imperfeição que gera a criatividade do mundo natural, das formas
mais simples àquelas mais complexas. Como pode existir harmonia em
um Universo que tende à desorganização. Esse é um dos grandes
desafios da Ciência.
As
imagens vindas dos mais distantes recônditos cósmicos mostram as
profusões de cores e formas de uma beleza espetacular que alguns
defendem como harmonia universal. Puro mito. O que existe se olharmos
mais atentamente no espaço cósmico são fenômenos catastróficos
como galáxias em colisões gerando devastadoras explosões e até
buracos negros engolindo tudo ao seu alcance. Um verdadeiro caos
absoluto. A imperfeição e falta de harmonia também se encontra em
nosso planeta. Um bom exemplo são os dinossauros que, de tão
imperfeitos, já nem existe há mais de milhões de anos porque não
alcançaram a harmonia e perfeição exigidas naquele momento. Se
houvesse de fato harmonia universal não teríamos o velho confronto
entre o bem e mal (e tantos outros opostos).
Toda a
história contemporânea gira em torno do problema da desigualdade ou
da igualdade dos direitos humanos. E neste século a história
registra um movimento igualitário cada vez mais acelerado. Velhos
querem parecer jovens. Professores se dizem iguais aos alunos.
Governantes procuram igualar-se aos governados, padres querem
nivelar-se aos fiéis.
Assim, a
desigualdade permite a ordem e harmonia do Universo. A beleza do arco
íris só é possível pela desigualdade harmoniosa das cores. É a
desigualdade das notas musicais que permite a música. No reino
vegetal, a desigualdade cresce de valor diante da variedade: cedros
majestosos no Líbano, orquídeas delicadas nas selvas brasileiras e
repolhos em qualquer horta. E nos animais? O rei das selvas é o leão
mas ele tem defeito na vista, só vê coisas grandes; o morcego
somente pousa de cabeça para baixo, tendo uma visão invertida. Nos
seres humanos todos são iguais em tudo, nos acidentes é que são
diferentes (altos, baixos, gordos, magros, loiros, morenos, negros
etc).
Sem
encontrar paz na Terra, o astrônomo Johannes Kepler (1571-1630)
buscou a harmonia do mundo nos céus. Durante toda a vida, os homens
se destroçaram em conflitos religiosos. Com imaginação e
observação, a base da investigação científica, Kepler tornou-se
o primeiro a compreender o movimento planetário. Ao constatar que
uma força física movia os planetas, ele ajudou a fundar a Ciência
moderna. Mas Kepler só conseguiu mudar a maneira de pensar de sua
época porque não temia o que descobria. Sua curiosidade sobre seu
Deus, dizia Carl Sagan, era maior que seu temor.
Assim, ao
final, Kepler encontrou harmonia do mundo. Já o cientista Marcelo
Gleiser, a imperfeição. Harmonia e imperfeição são pensamentos
científicos de duas épocas distintas. Imperfect Creation, o livro
de Marcelo Gleiser. "Vou escrever sobre a importância da
imperfeição no universo. Todas as coisas fundamentais que existem
dependem de um desequilíbrio, o próprio universo se originou de um
desequilíbrio. Quando o sistema está equilibrado, ele não se
transforma. Sem transformação não há criação, nada acontece",
diz. "Mas o que vemos é a organização, a simetria. Um dos
grandes desafios da Ciência é explicar como pode existir harmonia
em um universo que tende à desorganização. A ideia que eu quero
trazer é explicar como imperfeição e harmonia caminham juntas.".
Pela primeira vez, Gleiser vai mesclar - deliberadamente - a Ciência
com a própria biografia. Ele quer mostrar qual foi o papel da
imperfeição, do desequilíbrio e da morte na criação da sua vida.
Como ele alcançou à sua pró-cura.
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