No dia
04 de janeiro de 1988 – há 25 anos - morria o cartunista Henfil
(1944-1988). Ele teve uma atuação marcante nos movimentos políticos
e sociais do país, lutando contra a ditadura, pela democratização
do país, pela anistia aos presos políticos e pelas Diretas Já. Com
humor mordaz e desenho caligráfico, Henfil destaca-se como um dos
militantes mais ativos na resistência ao regime militar. De suas
mãos saem personagens antológicos como os fradinhos Baixim e
Cumprido, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino e Ubaldo,
o paranoico, que provocam mudanças na história dos quadrinhos
brasileiros não tanto pela inovação formal - apesar de ser
marcante o seu traço nervoso e espontâneo -, mas pelo uso dessa
linguagem gráfica específica como o melhor suporte para crítica e
comprometimento social.
Num
congresso de fisioterapia, realizado em 1981 em Salvador, Henfil
compareceu para falar de suas experiências com a hemofilia ao longo
de sua vida e para cá também levou as lições de autoconfiança
que assimilou, conjugadas com a fisioterapia. “A determinação de
um hemofílico pode permitir um tratamento com a fisioterapia
dispensando o plasma e os remédios químicos. Se o hemofílico sair
da redoma em que normalmente é colocado pela mãe, pode levar uma
vida normal. A metade dos hemofílicos permanece nessa redoma,
superprotegidos. Esses são os corruptos da classe. A outra metade
entre a qual me coloco são os marginais”, brincava ele, citando os
exemplos do ator Richard Burton que não aceitava extras em cenas
perigosas, e do próprio irmão Herbert de Souza, o Betinho, o
exilado político da música “O Bêbado e a Equilibrista”.
Henfil: o
Humor Subversivo é o título do livro de Márcio Malta, formado em
Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF),
doutorando em Ciência Política (PGCP/UFF) e cartunista
profissional, assinando seus desenhos com o pseudônimo de Nico. A
obra aborda a contribuição política do cartunista Henfil, percorre
seu trabalho artístico e a luta contra os desmandos do regime
militar. Publicado pela editora Expressão Popular, o livro faz parte
da coleção Viva o Povo Brasileiro, que visa resgatar a memória de
personalidades que lutaram para transformar o Brasil.
“Em seu
campo de atuação profissional, Henfil foi ímpar. Dono de um traço
leve, ágil e despojado de preocupações estéticas, acadêmicas e
tradicionais, seu estilo se caracterizava pela síntese. Seu estilo
era tão pessoal, que é impossível imitá-lo. Em certa feita,
Jaguar comparou Henfil com Garrincha, ou seja, único” (p.37). “Por
meio de seu traço limpo e ágil, conseguia dar vazão a tudo aquilo
que não poderia ser verbalizado nos tempos sombrios da ditadura”
(p. 39)
“Nas
histórias em quadrinhos de Henfil pode-se afirmar que o ciclo não
se encerra no momento da reflexão do receptor. O humorista compunha
uma espécie de parceria com o leitor. Os personagens chegam a
dialogar com o público, estimulando a tomada de consciência.
Charges como as que figuram os quadrinhos eram recortadas e
mostradas, contadas e recontadas, construídas e reconstruídas no
imaginário popular, conscientizando e dando asas as formas de
resistência. Exemplo clássico da interação com o público é o
quadrinho em que o trio de personagem da caatinga tenta localizar a
esperança olhando para os lados. A proposta por si já é
fantástica, se constituindo como um convite para a imaginação,
posta que o sentimento não é algo visível” (p. 40/41)
A lista
de criações de Henfil constam a feminista Zilda-Lib, a onça
Glorinha, anarquista, líder do comando de Libertação do Quadrinho
Nacional. A missão da Onça Glorinha era caçar o “agente
imperialista” Mickey. Certa vez ela comeu a Graúna, achando se
tratar do camundongo de Walt Disney. Henfil admite que fez uma
provocação ao tipo de intervenção que grupos da luta armada
faziam. A importância conferida por Henfil ao elemento feminino das
personagens, como a onça Glorinha e a Graúna, que se comportam como
as mais valentes e combativas. Era essa a percepção que Henfil
detinha do poder feminino. Trabalhando com a reversão de
expectativas fazia ainda o riso rolar solto.
Henfil
criou outros personagens. Continuava apontando as desgraças do homem
médio brasileiro, mas de maneira mais simples. Havia fome, falta de
liberdades civis, desemprego, e injustiças sociais, e era preciso
denunciar isso. Graúna, Zeferino, Bode Orelana, Ubaldo, Orelhão,
cada tipo sublinhava, com humor amargo, aquilo que se lia nos jornais
e se via nas ruas. Era um trabalho mais direto, mas nenhum personagem
mostrava as vísceras do povo como o Fradim. O personagem mostrou de
maneira completa os horrores da condição humana e, ao que se sabe,
o país de Sarney (presidente na época) tem quase nenhuma diferença
daquele governado por militares.
No final
dos anos 70, ele lançou uma revista com histórias mensais dos
monges loucos. Não durou muito, a revista era cara e o País
começava a enfrentar mais uma de suas crises econômicas. Henfil
colaborou com diversos jornais revistas: Status, Isto É, Pasquim,
Jornal dos Sports, Jornal do Brasil, O Globo, O Estado de S.Paulo.
Escreveu vários livros: Henfil na China, Cartas da Mãe, Fradim da
Libertação, Diário de um Cucaracha. Fez um filme, Tanga, Deu no
New York Times.
A obra do
cineasta baiano Glauber Rocha foi um dos fatores que influenciou a
criação de Henfil. Desde a realização de cenários que
assimilavam a técnica do Cinema Novo e suas tomadas; assim como a
influência na escolha de temas ao criar seus personagens. Em
paralelo ao cinema novo, outra grande influência de Henfil ao
rabiscar a caatinga foi o livro “Os Sertões”, de Euclides da
Cunha. A inspiração veio a partir do momento em que ganhou o livro
de Betinho. O cartunista soube traduzir para os quadrinhos duas
contribuições essenciais para compreender o Brasil.
Henfil
foi um homem de denúncias. Foi ele quem calibrou a expressão
Diretas Já e sofreu depois por ser contra o Colégio Eleitoral e,
consequentemente, contra o governo de Tancredo Neves e seu vice,
eleitos indiretamente. Um guerrilheiro do cartum, assim Henfil foi
definido pelo cartunista Miguel Paiva. “A produção de Henfil, em
sua quase totalidade (conta Nico em seu Henfil, o humor subversivo),
foi pautada em termos críticos. Adotou o lápis como arma para
denunciar e questionar tradições e comportamentos sociais. Tocava
em pontos-chave, desenvolvendo um inconformismo contagiante. Valores,
que até então eram vistos como naturais, eram espezinhados na mão
do cartunista”. Segundo o caricaturista Cássio Loredano: “Henfil
tirou de debaixo do tapete o que para lá tinham varrido zelosamente
a nossa História inteira”.
As tiras,
o texto e os cartuns de Henfil, significaram, em quase todo o período
militar, um sopro de esperança. Em 1970, com a ida de grande parte
dos militantes para a guerrilha, Henfil criou o Zeferino. Sua
intenção era chamar as pessoas a enfrentar a ditadura. “Quem era
ele? Um cangaceiro... Você tem de ser o cangaceiro! Tem de se
transformar no cangaceiro!”, explicou Henfil em entrevista ao
jornalista e amigo Tárik de Souza. A história se passava no sertão,
usando a fome e a seca para se contrapor à propaganda do “milagre
econômico” e dialogar com a classe média do “Sul Maravilha”.
Zeferino foi criado como personagem principal. Discutia com o bode
Francisco Orelana (uma crítica ao intelectual de esquerda, que
``comia” livros e pouco agia), e formava um casal com a Graúna.
Esta ganhou vida própria (como a maioria de seus personagens) e
tornou-se a protagonista. Hemofílico, acabou numa das muitas
transfusões de sangue contaminado pelo vírus HIV. Henfil estava com
Aids quando pouco se sabia dessa doença; Morreu em 1988, debilitado
mentalmente. Henfil é sempre atual. E profundo em seu humor
cáustico.
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