14 janeiro 2013

Sociedade humorística (01)

Alternadamente agressivo, sarcástico, escarnecedor, amigável, sardônico, angélico, tomando as formas da ironia, do humor, do burlesco, do grotesco, ele é multiforme, ambivalente, ambíguo. Pode expressar tanto a alegria pura quanto o triunfo maldoso, o orgulho ou a simpatia. Serve ao mesmo tempo para afirmar e para subverter. Na encruzilhada do físico e do psíquico, do individual e do social, do divino e do diabólico, ele flutua no equívoco, na indeterminação. Portanto, tem tudo para seduzir o espírito moderno.

Fenômeno universal, ele pode variar muito de uma sociedade para outra, no tempo e no espaço.

O riso, nos mitos gregos, só é verdadeiramente alegre para os deuses. Nos homens, nunca é alegria pura; a morte sempre está por perto, e essa intuição do nada, sobre o qual estamos suspensos, contamina o riso. Aliás, pode-se, literalmente, “morrer de rir”.

O trocista e sarcástico Momo, do panteão grego, zomba, caçoa, escarnece e faz graça. Já Dionísio, deus da vinha, do vinho, da embriaguez, é ambíguo, perturbador – deus da ilusão, associado ao teatro misturando comédia e tragédia.

O humor está em toda parte

A primeira qualidade do humor é precisamente escapar a todas as definições, ser inacessível, como um espírito que passa. O conteúdo pode ser variável: há uma multiplicidade de humor, em todos os tempos e em todos os lugares, desde o movimento em que, na mais remota pré história, o homem tomou consciência dele mesmo, de ser aquele e ao mesmo tempo de não o ser e achou isso muito estranho e divertido. O humor surge quando o homem se dá conta de que é estranho perante si mesmo.

Diabolização do riso na Idade Media

O riso não é natural no cristianismo, religião séria por excelência. Suas origens, dogmas, história o provam. O monoteísmo estrito exclui o riso do mundo divino. Para os cristãos, quando o pecado original é cometido, tudo se desequilibra, e o riso aparece: o diabo é responsável por isso. Essa paternidade tem sérias consequências: o riso é ligado à imperfeição, à corrupção, ao fato de que as criaturas sejam decaídas, que não coincidam com seu modelo, com sua essência ideal. É esse hiato entre a existência e a essência que provoca o riso, essa defasagem permanente entre o que somos e o que deveríamos ser. O riso vai se insinuar por todas as imperfeições humanas.

Os pais da Igreja viram no riso um fenômeno diabólico, ligado à decadência humana. Eles tinham uma concepção muito negativa do riso, e isso marcará o cristianismo durante século.

Na Idade Média, a visão cômica foi excluída do domínio sagrado e tornou-se a característica essencial da cultura popular, que evoluiu fora da esfera oficial. O riso medieval explode de forma espetacular na festa – Carnaval e peças cômicas.

A Renascença foi a rejeição da cultura oficial da Idade Média pelo riso popular, por uma “carnavalização direta da consciência, da concepção de mundo e da literatura” (BAKHTINE, M. L'Ceuvre de François Rabelais. Paris. 1970, p.273). Os humanistas utilizaram a cultura popular cômica medieval como alavanca para reverter os valores da sociedade feudal. Pelo riso, eles liberaram a cultura de sendeiro escolástico estático e introduziram uma visão de mundo dinâmica, otimista e materialista. O revelador dessa revolução pelo riso foi Rabelais, o Marx da hilaridade, o fundador da internacional do riso. Rabelais realizou a síntese entre o cômico popular medieval, de base corporal, e o cômico humanista, de base intelectual. Com Boccacio, Rabelais, Cervantes e Shakespeare o riso ascende ao estatuto filosófico. O riso não é só divertimento, pode ser uma filosofia: eis uma das grandes descobertas da Renascença, que dá ao riso direito de cidadania na grande literatura.

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