No dia
04 de janeiro de 1988 – há 25 anos - morria o cartunista Henfil
(1944-1988). Ele teve uma atuação marcante nos movimentos políticos
e sociais do país, lutando contra a ditadura, pela democratização
do país, pela anistia aos presos políticos e pelas Diretas Já. Com
humor mordaz e desenho caligráfico, Henfil destaca-se como um dos
militantes mais ativos na resistência ao regime militar. De suas
mãos saem personagens antológicos como os fradinhos Baixim e
Cumprido, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino e Ubaldo,
o paranoico, que provocam mudanças na história dos quadrinhos
brasileiros não tanto pela inovação formal - apesar de ser
marcante o seu traço nervoso e espontâneo -, mas pelo uso dessa
linguagem gráfica específica como o melhor suporte para crítica e
comprometimento social.
Seus
personagens, habitantes da caatinga seca e árida, passaram a
apresentar a contradição do sul maravilha e o mundo bravo do
sertão, principalmente mostrando nos personagens Zeferino e Graúna,
sendo que esta última ganhou cada vez mais espaço dentro do
contexto das tiras inicialmente dedicadas a Zeferino. Além destes há
ainda o bode e a onça que são resultado de histórias que ouviu do
cantador que também cria bodes, Elomar, conforme contou Henfil:
“Ele me falava da sua afeição por alguns deles, principalmente o
Francisco de Orelana e enquanto ele falava, fui me lembrando do meu
pai, todo o meu passado foi voltando. Quando tive de criar a história
eu não sabia bem o que fazer, sabia apenas que os meus símbolos
deveriam ser bem brasileiros. Surgiu assim, tudo de repente, e
depois eu pesquisei, li Os Sertões, literatura de cordel...”.
Na
galeria de personagens criados pela genialidade de Henfil, os Fradins
têm um lugar especial. Eles nasceram por imposição de Roberto
Drummond, editor da Alterosa, e foram inspirados em dois freis
dominicanos mineiros. O Cumprido é o religioso carola e careta,
covarde, mas também lírico, romântico e sonhador. Já Baixim é o
Henfil pós-freis dominicanos, com uma nova visão de Igreja, que
conhece a hipocrisia do mundo e a combate através da ironia e da
agressão. Os Fradins têm ainda o mérito de introduzir em páginas
impressas expressões como putsgrilla, tutaméia,
cacilda, além do gesto simbólico e sua onomatopeia, o
top top, que caíram no gosto dos leitores.
Numa
entrevista a revista Veja (1971) Henfil revelou: “O Baixinho sou
eu. Hoje. O Cumprido também sou eu, numa versão antiga. Vamos dizer
que eu andei e o Cumprido ficou para trás. É isso. O Cumprido é
como eu era: um cara carola, infantil, ingênuo, aquele mineiro com
aquela formação religiosa antiga, mórbida. A religião do terror,
na qual tudo é pecado (o raio que está caindo é castigo de Deus).
Do pecado mortal, venial e original. O Cumprido ficou nessa fase.
Agora eu me identifico com o Baixinho, que é totalmente como eu sou
hoje: toda uma negação desse meu passado. E de uma maneira muito
agressiva, porque esse meu passado me incomoda bastante (…) O
Baixinho procura, através da agressão, do ridículo, me checar e ao
meio em que vivo. Já vi: não era anarquizar, agredir essa gente,
como o Baixinho agride”.
Acompanhado
os dois Fradins, o Preto que Ri, um frei negro, que ri de sua própria
desgraça, e o Tamanduá que Chupa Cérebros. O Cabôco estreou no
Pasquim em 1972 e de todos os personagens de Henfil foi o que causou
mais polêmica e inimizades ao autor. Dono de um cemitério atípico,
Cabôco só enterrava pessoas que estavam vivas. Para personalidades
públicas que, no entendimento de Henfil, haviam colaborado de alguma
forma com a ditadura, caia no cemitério dos mortos-vivas. E o Cabôco
tinha como cúmplice o Tamanduá, que sugava cérebros de suas
vítimas para conhecer os pensamentos mais escondidos.
FRADIM
Quando
decidiu lançar o Fradim em revistas, Henfil criou um elenco de
personagens mais leves para acompanhar a publicação. Surgiu
Zeferino, um nordestino da caatinga, esfomeado e sedento, acompanhado
de uma minuscula graúna, seu único personagem feminino, que após
morrer e ressuscitar em três dias, pôs um ovo e gerou a Grauninha,
um personagem delicado que morreu de inanição pouco depois. E ainda
um bode devorador de livros, Francisco Orelana, vestindo seu
constante chapéu coco, e que foi inspirado num bode real, da criação
do cantador Elomar Figueira de Mello. Como antagonistas, o onça
Glorinha, e Lati, um coronel do interior.
Com o
negro Orelhão, criado nas páginas de O Dia, Henfil desenha a
crítica social, com um humor direto, falando claramente aos pobres
da cidade, sobre seus problemas mais imediatos. Também para esse
público surgiram no Jornal dos Spots seus personagens de futebol:
Urubu (torcida do Flamengo, composta em sua maioria de negros),
Bacalhau (torcida do Vasco, portugueses), Pó de Arroz (torcida do
Fluminense, de pessoas ricas), Cri-Cri (torcida do Botafogo, por
conta de sua chatice), Gato Pingado (torcida do América, muito
pequena). E para os mais intelectualizados Ubaldo, o Paranoico, um
personagem criado com a anistia de 1070, e que sempre se recusou a
admitir que os tempos estariam mudando. Segundo Márcio Malta, a
chave de Henfil para o sucesso popular foi abordar o futebol não só
por seu cunho esportivo, mas também pelo mundo real – partindo da
esfera econômica – em que chamou atenção para as contradições
sociais entre as torcidas.
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