No dia
04 de janeiro de 1988 – há 25 anos - morria o cartunista Henfil
(1944-1988). Ele teve uma atuação marcante nos movimentos políticos
e sociais do país, lutando contra a ditadura, pela democratização
do país, pela anistia aos presos políticos e pelas Diretas Já. Com
humor mordaz e desenho caligráfico, Henfil destaca-se como um dos
militantes mais ativos na resistência ao regime militar. De suas
mãos saem personagens antológicos como os fradinhos Baixim e
Cumprido, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino e Ubaldo,
o paranoico, que provocam mudanças na história dos quadrinhos
brasileiros não tanto pela inovação formal - apesar de ser
marcante o seu traço nervoso e espontâneo -, mas pelo uso dessa
linguagem gráfica específica como o melhor suporte para crítica e
comprometimento social.
Procurando
fugir às esquematizações, Henfil não se conformou em ficar apenas
como desenhista. Em 1980, criou a TV Homem, um quadro satírico
dentro da TV Mulher, levado ao ar pela Rede Globo todas as manhãs.
Colocou seu talento também a serviço do teatro e do cinema. Junto
com o jornalista Oswaldo Mendes, escreveu o roteiro de A Revista do
Henfil, que fez sucesso no teatro Ruth Escobar, em São Paulo, a
partir de setembro de 1978. Em 1979 concluiu o filme Tanga – Deu no
New York Times, feito em parceria com Jofre Rodrigues, filho do
dramaturgo Nélson Rodrigues.
A
linguagem coloquial, cheia de sua poderosa lucidez, funcionou como
uma bomba, idêntica ao estouro dos Fradinhos, Essa experiência, o
incentivou a continuar. Em Henfil na China ele revelou o fechado país
de Mao Zhe Dong, depois de uma viagem a convite do governo. Cartas da
Mão é uma antologia de sua colaboração semanal na revista Isto É,
onde trabalhou de 1977 a 1984. Outra obra, Diretas Já, mostrou
plenamente seu engajamento político em artigos e cartuns. Em Fradim
da Libertação, Henfil retomou sua mais contundente personagem,
nascida no seu livro de estreia, Hiroxima Meu Humor, publicado em
Belo Horizonte, em 1967, antes de sua mudança para o Rio.
“Não
existe nada mais perigoso do que uma mulher quando vê em perigo a
preservação da espécie. Por isso elas estão na frente de todos os
movimentos revolucionários do mundo” (Suplemento Mulher, Folha de
S.Paulo, 1983)
Antes de
viajar para Natal, Rio Grande do Norte, para se aproximar ainda mais
do sertão, Henfil esteve em Salvador e travou contatos com alguns
desenhistas. Mais tarde, quando José Wilson Lopes Pereira tornou-se
coordenador da Rádio Educadora da Bahia fizemos experiência com
quadrinhos e cartuns no radiojornalismo com experiência dos
trabalhos de Lage e Henfil. “Sou contra a sofisticação do
sorriso”, definiu-se, faz algum tempo. Simples, direto, apaixonado,
lúcido. Henfil deixou Graúna,. Zeferino, Bode Orelana, Ubaldo,
Baixim, Cumprido, muita saudade. Seu traço era tão refinadamente
estilizado que até hoje vários profissionais brasileiros o têm
como referência
“Fui
educado na religião do terror. Essa formação, mistura de
puritanismo, tradicionalismo, patriarcalismo e matriarcalismo, aliada
a uma terrível fobia por qualquer espécie de pecados, originais,
veniais, e mortais, me inoculou magníficas neuroses, responsáveis
por toda essa graça...” (Revista Domingo, Jornal do Brasil, 1978)
“Os
Fradinhos foram aceitos pelo Sindicato, eu assinei um contrato de 15
anos com os americanos, mas...depois de algum tempo veio a
constatação: eram sick. A tradução literal de sick é doente, mas
pode ser muito mais. É pornográfico, imoral, escatológico, sádico,
neurótico, desajustado. Eles davam opinião e faziam humor com os
fatos, de maneira desrespeitosa e sick, contra os padres assépticos
e puritanos da grande massa norte-americana” (Sobre sua experiência
para produzir cartuns nos EUA, Jornal do Brasil, 1975)
O
escritor Dênis de Morais conta a trajetória do cartunista da
perigosa expedição pelos porões da ditadura ao mergulho no
calvário da Aids, passando pela desilusão precoce com o modelo
social – democrata do então principe Fernando Henrique Cardoso e
da amizade com o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva. O livro O
Rebelde do Traço – A Vida de Henfil, com 580 páginas foi lançado
pela José Olympio em 1996. “Henfil, seu herói, era rebelde que
trabalhava com a indignação, a revolta e a fúria, matérias-primas
do panfleto, mas que nele eram fonte de graça. A convivência com a
hemofilia lhe deu defesas imunológicas contra a piedade – a
alter-piedade e a autopiedade -, fazendo-o tão impiedoso com os
outros quanto era consigo mesmo. Nele conviviam, politicamente, o
correto e o incorreto. O seu humor era, como dizia, ´pé na cara`.
Ao mesmo tempo radical e amoroso, intolerante e generoso, doce e
caustico, Henfil foi o humorista do senso incomum, da grossura, da
inconveniência, dos gestos escatológicos e do mergulho nas zonas de
sombra: do medo, do sadismo, da perversão e da paranoia”,
escreveu Zeunir Ventura na orelha do livro de Dênis de Moraes.
Avesso à
luta armada, que considerava uma armadilha dos militares para
derrotar mais facilmente uma esquerda em frangalhos. Embora estivesse
convicto de sua opção pelo humor armado, Henfil ajudou os
militantes da Ação Popular e do PC do B de todas as maneiras.
Liderava as cotizações para contratar advogados para os presos
políticos, escondia militantes em sua casa e servia como motorista,
guiando seu próprio carro nas ações dos grupos. Dênis retrata a
vida cultural brasileira dos anos 30 e 40 com a biografia de
Graciliano Ramos. Em Oduvaldo Vianna, os anos 50 e 60. E rastreando
a vida de Henfil conseguiu com fecundidade os anos 60, 70 e 80.
O
escritor observa que a vida do barulhento cartunista, “homem
multimídia já naquela época”, pode ser resumida em três
palavras: comédia, drama e angústia. Comédia quando se pensa nos
Fradinhos, Cabôclo Mamadô e seu Cemitério dos Mortos-Vivos e no
trio da caatinga – Zeferino, Graúna e Bode Orelana. O drama seria
tanto a hemofilia que nunca lhe deu sossego (não podia sequer dar
uma topada com medo de hematomas e derrames), quanto o exílio de
Betinho, seu irmão mais velho e modelo de vida. Por fim, uma
angústia permanente varou-lhe a vida. Angústia por viver em um
Brasil que “não era o que ele queria”. “Foi um diabo de
humorista e (tudo nele era assim tão contraditório) um anjo muito
puro que passou por aqui feito um vendaval escaldante, mas deixando
tudo arejado, ventilado. Foi muito rápido”, comentou o desenhista
Cássio Loredano.
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