Poesia,
crônica, conto, novela, romance compõem sua obra literária. “Um
trajeto literário seguro inscreveu o nome de Ruy entre o melhor das
nossas letras”, escreveu Cid Seixas. Para Carlos Drummond de
Andrade, Ruy faz “poesia concentrada e de sutil expressão. Já
Mário da Silva Brito diz que “Ruy é poeta que escreve no peito
dos homens” e o crítico Carlos Felipe Moisés, “a poesia de Ruy
Espinheira registra, no seu conjunto, de maneira muito pessoal e
autêntica, algumas das linhas de força da poesia e da vida cultural
do País nas últimas décadas”.
“Uma
das vozes mais autênticas de nossa poesia. Lirismo de grande vôos”,
atestou Fábio Lucas. “Ruy Espinheira é poeta de reminiscências e
utopias, de grande poder evocativo e impregnação local. Sua poesia
é hoje uma referência importante na renovação que se processa no
lirismo brasileiro”, confirmou Antonio Carlos de Brito, Cacaso.
“Além
do cronista, porém, está o poeta erguendo bandeiras vitais num
verso denso e caloroso, original e puro. Voz terna e ardente, Ruy
Espinheira Filho coloca-se, a meu ver, na primeira fila dos jovens
poetas baianos. Entre os melhores cronistas também, fazendo, numa
época de jornalismo cão, prosa solidária e confiante” comentou
Jorge Amado.
“Há
na linguagem e na dicção deste poeta algo que o distingue de seus
pares, algo que não se define nem se dá a uma primeira leitura, mas
que de pronto cintila e arrebata, conduzindo-nos àquelas regiões do
espírito onde ganha corpo e voz o inexpresso, onde o verbo poético,
mercê de insólitos e inesperados sortilégios, diz o indizível e
reconstitui o tecido arruinado da vida”, observou Ivan Junqueira.
Com
16 livros publicados e dois grandes prêmios na bagagem (levou o
Prêmio Nacional de Poesia Cruz e Souza, concedido em 1981, pelo
Governo de Santa Catarina, pelos poemas de As Sombras Luminosas, e
tirou o segundo lugar no Prêmio Rio de Literatura de 1985, na
categoria Romance, com Ângelo Sobral Desce aos Infernos, Ruy lançou
em 1996 pela Nova Fronteira, o sétimo livro de poesia, Memória da
Chuva.
Para
Iacir Anderson Freitas, em tese de mestrado sobre a poesia de
Espinheira Filho apresentada na Universidade Federal de Juiz de Fora,
MG, o único território para onde Ruy escapa em sua poesia é o da
memória. “Sempre achei que o autor escreve sobretudo com a
memória. É a memória retrabalhada que se transforma em arte. A
memória não é um registro como uma gravação, é uma
reelaboração, tem imaginação, cria, é um material sempre
reinventado”, diz o poeta. Já para a poesia, nenhuma definição é
suficiente segundo ele, assim como não se pode definir arte alguma.
É
tempo de Ruy Espinheira Filho
Numa
manhã de novembro, em Barra de Jacuípe, deitado na rede, contemplo
os versos de Ruy Espinheira Filho. E que versos, lindos, livres a
passear pelo meu corpo, minha mente e transcender por todo o
ambiente. Não há como resistir. As pulsações de seus poemas,
sereno e profundo, transparente como águas do rio que passa e deixa
recordações. Cada palavra tem seu tempo certo, fragmentos do
passado tão presente, constante.
“Elegia
de Agosto e outros poemas” (edição Bertrand Brasil) é de uma
leveza melancólica que arrepia. “Canção Matinal”, por exemplo,
produz prazer, reflexão: “Acorda bem cedo o homem/da casa de
telha-vã/e abre janela e porta/como se abrisse a manhã.//E eis que
a vida não é mais/nem triste, nem só, nem vã./É doce: cheira a
goiaba/e brilha como romã//orvalhada. E ele caminha,/o homem, com
passos de lã/para em nada perturbar/a quietude da manhã.//Já não
há mágoas de perdas/nem angústias de amanhã,/pois a alma que há
na calma/entre a goiaba e a romã//é a própria alma do homem/da
casa de telha-vã,/que declara a noite morta/e acende em si a manhã”.
E o que
dizer da beleza de “Soneto da Negra”? Faz fluir como sonoridade,
feito de emoção, memória pessoal, impressão digital: “A cor da
suavidade é que a modula./Nela se abisma a luz e se revela/incapaz
de alterar nada daquela/penumbra que a atrai, absorve, anula.//Nessa
paisagem que coleia, ondula/como um rio, ou o mar (e é dela e
ela),/um vento violento me desvela/um animal que me trucida e
ulula.//O tom da suavidade não se altera,/eleva um canto cálido e
me diz/que são garras de amor, e é bela a fera.//E assim, em carne
rubra e cicatriz,/entrego à cor profunda que me espera/estes
despojos em que sou feliz”.
E naquele
amanhecer de novembro, “os deuses estavam felizes e sopraram
suavidade especial sobre a manhã”. Os versos de Ruy transpiravam,
ascendiam. Estava saudoso de ritmo e de verso. “Chegar, assim, a um
dia/como este, quem diria?//Ninguém, que não poderia/alguém saber
deste dia.//Nem eu, que me prometia/varandas de calmaria//se a uma
hora tardia/da vida chegasse um dia.//No entanto, eis-me neste dia,/o
qual jamais urdiria//nem em pesadelos; dia/ardendo contra a
alegria,//a paz, o amor, a poesia,/o corpo, a esperança; dia//como
nenhum: pedraria/fulgurante de agonia” (Este dia).
E em sua
canção da alma meditativa o poeta escreve: “Sopra o vento, sopra
o tempo/- e o que se medita a alma?/Não diz. Mas, seja o que
for,/será, como tudo, nada”. “Amor antigo, de quando/nem me
sabia te amando//Sabia só que se abria/o dia quando te via//e alguma
coisa doía/com uma dor de alegria//- ou como feliz desgosto/aceso à
luz do teu rosto” (trecho de Canção do Amor Antigo). Dessa forma
o poeta da memória cria um mundo de sentimentos ternos e
melancólicos sustentado em suas lembranças e sonhos. Versos
escritos de 1996 a 2004, numa consistente construção lírica, de
peito aberto e língua franca. Dividida em duas partes, “Elegia de
agosto” e “A cidade e os sonhos”, o poeta retorna ao passado e
ilumina. Nessa abertura de temporalidade ele freqüenta o espaço de
alma e sonho, de memória.
“O
silêncio sonha nas telhas” abre o poema “Insônia” onde o
poeta tenta em vão dormir e mostra sua natureza frágil e perene,
restando apenas, memórias: “e guardo/como vêem/memórias/que o
tempo faz cada vez mais fundas”. E é nessa memória que o poeta
encontra a fonte de sua poesia. E registra: “depois ainda
escreve/mais; escreve (e até/escreve que escreve)//para que a
vida/seja um pouco menos/obscura e breve” (Epígrafe). Assim o
homem existe porque existe como memória (“e por isso escrevo estas
palavras que parecem/fáceis e indiferentes mas são/difíceis e
dolorosas”).
Entre um
verso e outro, voltado para o humano, vividos na alma, interligando
tempos, sentimentos, o poeta transporta suas experiências
existenciais. E recorda amigos, mulheres, parentes e os momentos
marcantes. E como escreveu Miguel Sanches Neto na orelha do livro,
“Ruy Espinheira encontra no tempo morto os símbolos da
permanência. Somente olhando para o que acabou, podemos descobrir
aquilo que sobrevive à morte. Na verdade, cantar o presente é que
nos deixa confundidos, pois não conseguimos distinguir no agora
aquilo que guarda possibilidades de transcendência”.
A
intensidade poética dos versos de “A Musa” e “Nome” imprime
em toda sua obra. E mesmo navegando nas águas do rio heraclitiano em
corrida permanente, suas águas aparecem represadas seja em cacimba,
açude ou moringa. Água em repouso, tranqüila, transparente. “Cai
a tarde, indiferente,/sobre os muros e o jardim./Nunca me senti tão
vasto/na história contada em mim” (Epílogo). E assim ficam os
versos de Ruy, naquela manhã de novembro, um feriado de finados, em
minha memória. Versos impregnados de sonoridade, lirismo, saudade,
verdade. (Gutemberg Cruz).
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