Mudam-se
os Tempos, Mudam-se as Vontades (Luís Vaz de Camões, in "Sonetos")
Mudam-se
os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o
ser, muda-se a confiança:
Todo o
mundo é composto de mudança,
Tomando
sempre novas qualidades.
Continuamente
vemos novidades,
Diferentes
em tudo da esperança:
Do mal
ficam as mágoas na lembrança,
E do bem
(se algum houve) as saudades.
O tempo
cobre o chão de verde manto,
Que já
coberto foi de neve fria,
E em mim
converte em choro o doce canto.
E afora
este mudar-se cada dia,
Outra
mudança faz de mor espanto,
Que não
se muda já como soía.
Poema
negro (Augusto dos Anjos)
Para
iludir minha desgraça, estudo.
Intimamente
sei que não me iludo.
Para onde
vou (o mundo inteiro o nota)
Nos meus
olhares fúnebres, carrego
A
indiferença estúpida de um cego
E o ar
indolente de um chinês idiota!
A
passagem dos séculos me assombra.
Para onde
irá correndo minha sombra
Nesse
cavalo de eletricidade?!
Caminho,
e a mim pergunto, na vertigem:
— Quem
sou? Para onde vou? Qual minha origem?
E
parece-me um sonho a realidade.
Em vão
com o grito do meu peito impreco!
Dos
brados meus ouvindo apenas o eco,
Eu torço
os braços numa angústia douda
E muita
vez, à meia-noite, rio
Sinistramente,
vendo o verme frio
Que há
de comer a minha carne toda!
É a
Morte — esta carnívora assanhada —
Serpente
má de língua envenenada
Que tudo
que acha no caminho, come...
—
Faminta e atra mulher que, a 1 de janeiro,
Sai para
assassinar o mundo inteiro,
E o mundo
inteiro não lhe mata a fome!
Nesta
sombria análise das cousas,
Corro.
Arranco os cadáveres das lousas
E as suas
partes podres examino. . .
Mas de
repente, ouvindo um grande estrondo,
Na
podridão daquele embrulho hediondo
Surpreendo-me,
sozinho, numa cova.
Então
meu desvario se renova...
Como que,
abrindo todos os jazigos,
A Morte,
em trajos pretos e amarelos,
Levanta
contra mim grandes cutelos
E as
baionetas dos dragões antigos!
E quando
vi que aquilo vinha vindo
Eu fui
caindo como um sol caindo
De
declínio em declínio; e de declínio
Em
declínio, com a gula de uma fera,
Quis ver
o que era, e quando vi o que era,
Vi que
era pó, vi que era esterquilínio!
Chegou a
tua vez, oh! Natureza!
Eu
desafio agora essa grandeza,
Perante a
qual meus olhos se extasiam...
Eu
desafio, desta cova escura,
No
histerismo danado da tortura
Todos os
monstros que os teus peitos criam.
Tu não
és minha mãe, velha nefasta!
Com o teu
chicote frio de madrasta
Tu me
açoitaste vinte e duas vezes...
Por tua
causa apodreci nas cruzes,
Em que
pregas os filhos que produzes
Durante
os desgraçados nove meses!
Semeadora
terrível de defuntos,
Contra a
agressão dos teus contrastes juntos
A besta,
que em mim dorme, acorda em berros
Acorda, e
após gritar a última injúria,
Como se
fosse o atrito de dois ferros!
Pois bem!
Chegou minha hora de vingança.
Tu
mataste o meu tempo de criança
E de
segunda-feira até domingo,
Amarrado
no horror de tua rede,
Deste-me
fogo quando eu tinha sede...
Deixa-te
estar, canalha, que eu me vingo!
Súbito
outra visão negra me espanta!
Estou em
Roma. É Sexta-feira Santa.
A treva
invade o obscuro orbe terrestre.
No
Vaticano, em grupos prosternados,
Com as
longas fardas rubras, os soldados
Guardam o
corpo do Divino Mestre.
Como as
estalactites da caverna,
Cai no
silêncio da Cidade Eterna
A água
da chuva em largos fios grossos...
De Jesus
Cristo resta unicamente
Um
esqueleto; e a gente, vendo-o, a gente
Sente
vontade de abraçar-lhe os ossos!
Não há
ninguém na estrada da Ripetta.
Dentro da
Igreja de São Pedro, quieta,
As luzes
funerais arquejam fracas...
O vento
entoa cânticos de morte.
Roma
estremece! Além, num rumor forte,
Recomeça
o barulho das matracas.
A
desagregação da minha idéia
Aumenta.
Como as chagas da morféa
O medo, o
desalento e o desconforto
Paralisam-se
os círculos motores.
Na
Eternidade, os ventos gemedores
Estão
dizendo que Jesus é morto!
Não!
Jesus não morreu! Vive na serra
Da
Borborema, no ar de minha terra,
Na
molécula e no átomo... Resume
A
espiritualidade da matéria
E ele é
que embala o corpo da miséria
E faz da
cloaca uma urna de perfume.
Na agonia
de tantos pesadelos
Uma dor
bruta puxa-me os cabelos,
Desperto.
É tão vazia a minha vida!
No
pensamento desconexo e falho
Trago as
cartas confusas de um baralho
E um
pedaço de cera derretida!
Dorme a
casa. O céu dorme. A árvore dorme.
Eu,
somente eu, com a minha dor enorme
Os olhos
ensangüento na vigília!
E
observo, enquanto o horror me corta a fala,
O aspecto
sepulcral da austera sala
E a
impassibilidade da mobília.
O
termômetro negue minha febre,
Torne-se
gelo o sangue que me abrasa,
E eu me
converta na cegonha triste
Que das
ruínas duma casa assiste
Ao
desmoronamento de outra casa!
Ao
terminar este sentido poema
Onde
vazei a minha dor suprema
Tenho os
olhos em lágrimas imersos...
Rola-me
na cabeça o cérebro oco.
Por
ventura, meu Deus, estarei louco?!
Daqui por
diante não farei mais versos.
Confira a mensagem de Natal da Bauducco... são
só 3 minutinhos... mas vale a pena...
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