04 janeiro 2012

Tempo, tempo, tempo, tempo (2)

Kronos é o deus do tempo (cronológico) e das estações, e seu filho, Kairos, o tempo metafísico (abstrato). A arte há muito observa o tempo como objeto de reflexão e até de provocação. Monet fez uma série que deu nome ao impressionismo sobre catedral de Rouen, retratada no mesmo local em horas diferentes. Os surrealistas Dalí e Di Chirico exploraram esse deus que rege tudo e a todos. A artista plástica Louise Bourgeois fez um singelo bordado sobre tecido, de 1960, no qual ponto e linha tecem um pentagrama ornado pela face de um relógio de 24 horas em formato ovalado, uterino, que desperta uma morbidez lírica.


O músico John Cage gravou em 1953 a raríssima 4'33'', uma cadência sincopada de um relógio imaginário. E o grupo inglês Pink Floyd em Dark Side of the Moon também trabalhou musicalmente sobre o tempo. A passagem do tempo é apresentado no realismo fantástico do documentarista suíço Pierre Oscar Lévy e o desenhista Frederik Peeters na graphic novel Castelo de Areia, lançada recentemente pelo selo Tordesilhas.

A força de tempo envolve-se em mitologias cronológicas, tecendo os mistérios que deflagram a fenitude humana. Todos os anos o candomblé de nação angola na Bahia festeja a entidade Tempo (10 de agosto, dia católico dedicado a São Lourenço).


É tempo do candomblé. Para os africanos tradicionais, o tempo é uma composição dos eventos que já aconteceram ou que estão para acontecer imediatamente. O tempo é o tempo vivido, o tempo acumulado, o tempo acontecido. O tempo é tão importante que ele é um Orixá. No Candomblé tem uma entidade poderosa chamada Iroko. Ela representa o tempo, quer passar a mensagem onde nos ensina a usar bem nosso tempo na terra. Iroko também nos passa a mensagem de saber dosar bem o tempo, evitando sempre sermos radicais. .Afinal, “o tempo da, o tempo tira, o tempo passa e a folha vira”. Muitas vezes é preciso que o tempo seja favorável, e outras não. Há tempo curto e longo.


A busca do saber sobre o tempo tem uma função de orientação. Neste século 21, é preciso parar para pensar a vertiginosa instantaneidade dos tempos e os problemas da sua sincronização, que a revolução digital vem intensificando. Vale lembrar a tradicional sabedoria dos provérbios portugueses diferencia o tempo do falcão e o tempo da coruja. O tempo do falcão é o da rapidez e da violência. É este tempo que nos cerca. O tempo da coruja é o da sabedoria.


“Todos os dias quando acordo/Não tenho mais/O tempo que passou/Mas tenho muito tempo/Temos todo o tempo do mundo...”. Era o Tempo Perdido do grupo Legião Urbana. “O tempo passa e um dia a gente aprende/Hoje eu sei realmente o que faz a minha mente/Eu vi o tempo passar vi pouca coisa mudar/Então tomei um caminho diferente/Tanta gente equivocada faz mal uso da palavra/Falam, falam o tempo todo mas não tem nada a dizer/Mas eu tenho santo forte é incrível a minha sorte/Agradeço todo tempo por ter encontrado você” canta Charlie Brown Jr em Senhor do Tempo.. Já Cazuza dizia que o Tempo Não Para: “Eu vejo o futuro repetir o passado/Eu vejo um museu de grandes novidades/O tempo não para/Não para, não, não para”.


Você quer parar o tempo/E o tempo não tem parada/Você quer parar o tempo/O tempo não tem parada//Eu marco o tempo/Na base da embolada/Da rima bem ritmada/Do pandeiro e do ganzá//Você quer parar o tempo/E o tempo não tem parada/Você quer parar o tempo/O tempo não tem parada//O tempo em si/Não tem fim/Não tem começo/Mesmo pensado ao avesso/Não se pode mensurar//Você quer parar o tempo/E o tempo não tem parada/Você quer parar o tempo/O tempo não tem parada//Buraco negro/A existência do nada/Noves fora, nada, nada/Por isso nos causa medo//Tempo é segredo/Senhor de rugas e marcas/E das horas abstratas/Quando paro pra pensar//Você quer parar o tempo/E o tempo não tem parada/Você quer parar o tempo/O tempo não tem parada” canta o pernambucano Alceu Valença: Embolada do Tempo.

Caetano Veloso foi sábio em Oração do Tempo: “És um senhor tão bonito/Quanto a cara do meu filho/Tempo tempo tempo tempo/Vou te fazer um pedido/Tempo tempo tempo tempo...//Compositor de destinos/Tambor de todos os ritmos/Tempo tempo tempo tempo/Entro num acordo contigo/Tempo tempo tempo tempo...//Por seres tão inventivo/E pareceres contínuo/Tempo tempo tempo tempo/És um dos deuses mais lindos/Tempo tempo tempo tempo...//Que sejas ainda mais vivo/No som do meu estribilho/Tempo tempo tempo tempo/Ouve bem o que te digo/Tempo tempo tempo tempo...//Peço-te o prazer legítimo/E o movimento preciso/Tempo tempo tempo tempo/Quando o tempo for propício/Tempo tempo tempo tempo...//De modo que o meu espírito/Ganhe um brilho definido/Tempo tempo tempo tempo/E eu espalhe benefícios/Tempo tempo tempo tempo...//O que usaremos pra isso/Fica guardado em sigilo/Tempo tempo tempo tempo/Apenas contigo e comigo/Tempo tempo tempo tempo...//E quando eu tiver saído/Para fora do teu círculo/Tempo tempo tempo tempo/Não serei nem terás sido/Tempo tempo tempo tempo...//Ainda assim acredito/Ser possível reunirmo-nos/Tempo tempo tempo tempo/Num outro nível de vínculo/Tempo tempo tempo tempo...//Portanto peço-te aquilo/E te ofereço elogios/Tempo tempo tempo tempo/Nas rimas do meu estilo/Tempo tempo tempo tempo...”

OBS.: Uma pena não ter chegado aqui em Salvador o CD de Arthur Maia, O Tempo e a Música, para eu comentar nesse tempo...

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).
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