“Enredos de HQs transportam leitores infantis para um mundo essencialmente adulto, enquanto que a temática adulta dos cartuns conduz seus leitores para um mundo basicamente infantilizado. Isso significa que superpoderes de super-heróis de HQs possibilitam que crianças se identifiquem com eles e se projetem, assim, num mundo adulto, enquanto que anti poderes de anti-heróis de cartuns os aproximam dos seres adultos, permitindo, assim, que se identifiquem com seus personagens infantilizados.
“A eficiência e a eficácia de forma e conteúdo de ambos depende desse mecanismo de transferência: numa, do desejo infantil de pertencer ao mundo adulto, na outra, da fantasia adulta de se transportar ao mundo infantil. Em ambas, ela é, esse permanente e sutil inadequação dos sujeitos reais com o mundo que os cerca, que os mobiliza para viver suas histórias, acompanhar seus discursos, é ela que torna possível essa transferência, essa projeção ´psicológica` que arremata com apoteose suas respectivas mensagens finais e favorece sua mutua identificação.
“HQ e cartum tratam dessa peculiaridade, dessa fragilidade, dessa inadequação básica – mais ou menos profunda – que permeia o ser humano: o jeito de que ninguém está perfeitamente confortável em sua própria pele. Nas HQs, super-heróis não podem usufruir, como cidadãos comuns, dos poderes que têm, e sofrem, porque são como não podem ser; já nos cartuns, seus personagens usufruem largamente dos anti-poderes que têm, e sofrem, porque não podem ser como são”.
A desqualificação cultural do humor está no fato de que rir é uma atitude “natural” e “infantil”
“Levar a sério” é tido como algo bom e verdadeiro. “Tirar do sério” como algo mau e falso ou ainda, “muito riso, pouco siso” exemplifica, como vícios de linguagens, atitudes e comportamentos que a sociedade adota e a cultura valoriza.
A seriedade é tida como critério de confiabilidade, uma certidão pública de credibilidade, uma condição verdadeira.
Para a razão só o sério legitima o saber, só ele é capaz de produzir a verdade.
A sociedade não se relaciona com o humor senão através de uma relação de negatividade, fora de qualquer atributo ou faculdade que vá além da imediaticidade do riso. Ela o tolera como catarse necessária à convivência entre os seres.
A razão sanciona, o humor dilui a fronteira entre o verdadeiro e o falso, e desvenda o que a razão encobre.
O humor é um “não saber” para o escritor francês Georges Bataille
Um “não lugar” e uma “não linguagem” para o filósofo francês Michel Foucault
Um “não consciente” para o psicanalista austríaco Sigmund Freud
Humor e riso são emoções portadoras de conteúdos potencialmente ameaçadores. A sociedade e a cultura consideram como desvio, transgressão. Eles lhe negam um lugar específico de expressão.
A partir do século 17, a linguagem e a verdade, unificadas em torno da racionalidade e da seriedade de seus discursos, marginalizaram o humor, como medicalizaram a loucura.
O humor produz desordem na ordem da razão.
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