Há 30 anos (1979) Salvador ganhou novo visual, estabelecendo um componente bastante distinto na paisagem da cidade. Mil frases e imagens novas decoravam Salvador. Seus autores assinavam Mancha, Sombra, Faustino etc. Cada um com sua ideia, sua arte. Desses grafiteiros, havia um outro grupo chamado BaldeAção, poético e político como suas pichações. Como importante mecanismo de expressão sócio-cultural, os elementos de que se compõe o grafite têm sofrido mudanças consideráveis do ponto de vista das proposições, com uma ramificação múltipla. Algumas, evidenciando apenas uma “motivação publicitária”, outras constituindo estímulos de questão muito frágil e sutil. A liberdade de manifestação e expressão como direito também daqueles que não dispõem de veículos de informação. Além do caráter contestatório ao discurso do autoritarismo, pós-64, é possível identificar uma forma de recusa à tradição tautológica (dizer sempre a mesma coisa em termos diferentes) e persuasiva de apreensão da realidade. Queiramos ou não, o muro como um novo veículo para a poesia ou suporte para as artes plásticas – e até mesmo compreendendo estas manifestações como “transartísticas” ou “transideológicas” – curiosamente eventualiza um novo universo estético que transcende objetivamente a cotidianeidade dos trabalhos domésticos e instaura, não exatamente o princípio, mas o princípio do prazer. Estético. Nesse espaço onde se cumpre religiosamente o ritual do olhar (passagem de ida e vinda das pessoas), o espectador se defronta com imagens e palavras que fazem refletir, pensar e é permitido ainda o devaneio, e ele dá sentido àquilo que se vê.
Palavras-Chave: Espaço urbano. Pichação. Grafite.
1. TATUAGEM EM CADA CENTÍMETRO DAS PAREDES
Grafite ou graffiti (do italiano graffiti, plural de graffito, "marca ou inscrição feita em um muro") é o nome dado às inscrições feitas em paredes, desde o Império Romano. Considera-se grafite uma inscrição caligrafada ou um desenho pintado ou gravado sobre um suporte que não é normalmente previsto para esta finalidade - normalmente em espaço público. Por muito tempo visto como um assunto sem nenhuma importância ou mera contravenção, atualmente o grafite já é considerado como forma de expressão incluída no contexto das artes visuais, em especifico no estilo chamado de street art ou arte urbana onde o artista aproveita os espaços públicos, na sua maioria das vezes paredes, para criar um tipo de linguagem intencional para interferir na cidade. Entretanto, ainda há quem não concorde, equiparando o valor artístico do grafite ao da pichação, que são coisas totalmente opostas.
Em 1978, o então Presidente brasileiro Ernesto Geisel dava os primeiros passos para o tão desejado fim da ditadura e para a abertura política, em Londres, jovens e adolescentes injetavam rebeldia nas veias da sociedade conservadora europeia, com atitudes contrárias à qualquer norma ou padrão vigente, era o início do movimento punk. Com a ideologia do "Do It Yourself", os punks buscavam todos os meios e formas para exprimir sua revolta: formavam bandas de rock, lançavam jornais contestatórios (os fanzines), transgrediam na moda e nos costumes, pichavam e grafitavam muros, monumentos e paredes; influenciando com isso, a cultura e as artes de todo mundo. O grafite surge dessa efervescência cultural, transformando muros e paredes em grandes telas para expressão da rebeldia dos punks europeus. As pichações e grafites passam a fazer parte da vida diária urbana das grandes metrópoles de todo mundo.
Trazido pelo designer italiano Alex Vallauri (1961-1987), o grafite chega a São Paulo no fim da década de 70, graças a já iniciada abertura política. Logo se espalha pelas diversas capitais brasileiras, alcançando os jovens revoltados com a ditadura imposta ao país que começa a utilizar o grafite como forma de protesto, espantando a bem comportada sociedade tupiniquim. Na Bahia, o grafite chegou como no resto do país, se rebelando contra a opressão imposta pelos governos militares. No início dos anos 80 já se via, espalhados pelos muros das mais famosas avenidas de Salvador, os apelidos e codinomes assinando grafites e pichações. Nomes como "Baldeação", "Mancha", "Madame Min" e "Faustino" eram encontrados em meio à de grupos e gangues. Este último considerado o pioneiro do grafite baiano e um grande mestre no meio. Hoje o grafite ocupa lugar de destaque no meio artístico, frequentando espaços antes reservados somente às artes "permitidas". Nas grandes metrópoles mundiais o grafite deixou de ser apenas uma expressão de rebeldia, para ser expressão artística, formando artistas de alta qualidade.
No início, o grafite era apenas um prazer, um deboche, uma aventura. Mas depois afinou o traço e passou dos muros às galerias. No início dos anos 70 o metrô de Nova Iorque foi tomado de assalto por figuras e pichações. Essa mesma moda também deslumbrou os moradores de Berlim Ocidental com diversos desenhos. A Europa e os Estados Unidos foram inundados pela chamada Street Art. Foi-se o tempo do grafite restrito às ruas. A linguagem do spray conquistou galerias e museus, enfrentando o desafio de manter a vibração e a atmosfera transgressora dos desenhos feitos em espaços ao ar livre.
Por ser um fenômeno essencialmente urbano o grafite aterrizou no Brasil e ganhou impulso em São Paulo. A princípio eram desenhos curiosos e frases tímidas. Mas aos poucos a timidez passou e a cidade foi sendo invadida por ferozes garranchos que trouxeram para os muros devaneios antes restritos aos banheiros masculinos. Mas nem tudo que está no muro é grafite, como tampouco pode ser chamado indiscriminadamente de pichação. Os dois movimentos começaram juntos e foram confundidos, mas são diferentes na essência. Apesar de usarem o mesmo cenário, as ruas, não têm o mesmo significado e sequer os mesmos autores. Pichação é qualquer frase largada meio de improviso pelos muros. É propaganda política ou uma simples mensagem do tipo “Te amo Maria”. Já os grafites são desenhos ou mesmo apenas frases, mas feitas com cuidado, engenho e substância. Assim, um simples trocadilho como “Amar eternamente. Amar é ter na mente. Amar éter na mente” se torna um grafite pela espirituosidade de seu criador.
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