19 setembro 2011

Limitações simbólicas aos quadrinhos (6)

O cartunista George McManus aplicava detalhes pictóricos altamente detalhados aos quadrinhos, resultando disto, um chistoso retrato de época com seus interiores, cenários e vestuário. Enquanto a maioria dos cartunistas fazia suas histórias com traços rudimentares, George McManus - um mestre da ilustração - era detalhista e requintado; até sua assinatura era elaborada. Seu estilo fino e delicado distinguia as tiras do Pafúncio por cenários com ornamentos e rococós; elementos gráficos eram uma constante, desde as texturas nos vestidos de Marocas até o uso com maestria do recurso de silhuetas. Apreciar os quadrinhos de George McManus, é voltar aos anos 20 e 30.


Alguns quadrinhos do início eram ilustrados com temas e costumes da Era Eduardiana e todo o seu luxo. As tiras do Pafúncio atravessaram diversas épocas e estilos, adentrando a era da Arte Moderna e McManus foi se adaptando aos tempos, como pode ser constatado, observado-se a sua obra. Pafúncio tornou-se extremamente popular, para se ter uma ideia de sua importância para a cultura Norte Americana, no 25º aniversário do personagem, foi oferecido um jantar em homenagem a George McManus na sede do congresso em Washington. Pafúncio e Marocas é apontado como a inspiração dos personagens humorísticos da TV brasileira Epitáfio e Santinha, os protagonistas de um quadro criado pelo artista Renato Corte Real em 1961 e relançado nos anos 90 no programa Zorra Total, com Rogério Cardoso e Nair Belo.

Assim, nos primeiros anos da HQ, predominou o quadrinho estilizado. Histórias essencialmente humorísticas. O estilo art nouveau estava nos adornos e em todas as artes (1900/1910). “Durante as primeiras décadas de existência, a história aos quadradinhos, como se hesitasse em dedicar-se a aspectos sérios, limitou-se a uma função cômica. Ainda próxima da caricatura, põe em cena personagens e animais caricaturais e -los evoluir em quadros estilizados. É o caso de Blondie e da Família Illico”. (MARNY, 1970, p. 122).


Durante muito tempo, o texto era considerado a parte mais importante dessa relação (imagem e texto), a imagem não passava de uma ilustração. Até que no século 19, a ilustração ganha campo e consegue igualar-se ao texto como essencial aos quadrinhos. A HQ surge como tira de jornais e isto lhe provoca uma limitação, pois o espaço para o desenrolar dos quadrinhos é muito limitado. As histórias deveriam ser curtas. De 1910 a 1920 as linhas geométricas se impõe nos quadrinhos. As artes decorativas passam a preferir os ângulos e estabelecem o estilo art déco como o mais elegante. É o que podemos constatar nos trabalhos de George Herriman (Krazy Kat) que explorava o nonsense; o de Cliff Sterrett (Polly) com o cubismo; e George McManus (Pafúncio e Marocas) que ridicularizava graficamente a classe alta numa assimilação muito pessoal da art déco. A historieta desencadeou um surto de comics que criticavam o matriarcado norte-americano.


Krazy Kat foi um título de uma tira diária por George Herriman publicada nos jornais norte-americanos entre 1913 e 1944. Sua primeira aparição se deu no New York Journal American de William Randolph Hearst, seu principal incentivador durante todo o período em que ela esteve em circulação. Ambientada num cenário irreal da casa de férias de Herriman no condado de Coconino, Arizona, a mistura de surrealismo, brincadeiras inocentes e a linguagem poética de Krazy Kat fizeram dela a favorita dos amantes de quadrinhos e dos críticos de arte por mais de oitenta anos.


O enfoque das tiras está em um curioso triângulo amoroso entre o seu personagem-título, um despreocupado e inocente gato de gênero indeterminado (referido tanto como macho, quanto como fêmea); o antagonista do gato, o rato Ignatz; e o protetor cão policial, o oficial Bull Pupp. Krazy nutre um amor não correspondido pelo rato; mas, Ignatz despreza Krazy e constantemente planeja atirar um tijolo à cabeça de Krazy, o que Krazy interpreta como um sinal de afecto. O oficial Pupp, como o defensor da lei e da ordem no condado de Coconino, toma como sua firme missão interferir nos planos de lançamento de tijolos de Ignatz e tranca o rato na cadeia do condado.


Apesar da simplicidade da comédia apresentada, foi a caracterização detalhada, combinada com a criatividade visual e verbal de Herriman, que fizeram de Krazy Kat um dos primeiros quadrinhos a ser amplamente elogiado por intelectuais e tratado como uma arte séria. Gilbert Seldes, um notável crítico de arte da época, escreveu um longo artigo para as tiras em 1924, chamando-lhe "a mais engraçada e fantástica e satisfatória obra de arte produzida na América hoje" (SELDES, 1924, p. 231). O famoso poeta E.E.Cummings, como outro admirador de Herriman, escreveu a introdução à primeira edição da banda desenhada na forma de livro. Quando o autor morreu, ninguém conseguiu continuar o trabalho.



Dentro da grande variedade dos temas e a espantosa diversificação de estilos que caracteriza a história em quadrinhos americana em 1910, duas correntes intelectuais opostas já se fazem notar entre os desenhistas: os humoristas e os estudiosos. Os humoristas só vêm nas histórias em quadrinhos um divertimento, um meio de extravasar por meio do deboche. Já os estudiosos querem intelectualizar os quadrinhos, tentando explorar todas as possibilidades, formais ou narrativas. Essa última tendência, encontrada em Winsor McCay, terá o seu melhor representante em George Herriman e sua criação surrealista Krazy Kat, de 1911. A ação, plena de sinais e símbolos, para numa atmosfera de incerteza e de estranheza. As paisagens e os objetos se alteram e se transformam sem cessar. Testemunhas dessa desordem cósmica, os protagonistas não mostram nem surpresa, nem curiosidade, mas recomeçam sem se cansar os mesmos gestos rituais e bizarros. É impossível não reconhecer, aplicados a história em quadrinhos, os próprios métodos do surrealismo.

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