21 setembro 2011

Limitações simbólicas aos quadrinhos (8)

A série Gasoline Alley fez a sua aparição a 24 de Novembro de 1918, pela mão de Frank King, através do “syndicate” do The Chicago Tribune, enquanto página dominical, tendo surgido as tiras diárias a partir de 24 de Agosto de 1919. Gasoline Alley conta a história de uma família, chamada Wallet, durante quatro gerações, em que as personagens vão envelhecendo e morrendo, como raramente acontece nas séries de quadradinhos norte-americanas, tendo sido a primeira a fazê-lo, e a mostrar os personagens integrados num quotidiano normal, uma vida em tudo idêntica à de muitos dos seus leitores. A série começou como tira diária num jornal de Chicago em cima da recém-despertada mania pelos automóveis, por conta da própria família do autor:


"Meu irmão tinha um carro que ficava no beco, junto com um sujeito chamado Bill Gannon e outros caras. Eu ia na casa dele nos domingos e a gente ia para o beco, encontrava outras pessoas e falávamos sobre carros" -- donde o nome da tira -- mas, a pedido do editor, foi feita uma mudança para, vejam só, atrair leitoras: assim funciona o mundo dos quadrinhos, com a imaginação e a criatividade artística sempre em busca do público. Sem possibilidade de arrumar uma parceira para o solteirão convicto Walt Wallet, Frank King simplesmente depositou um bebê órfão em sua porta no dia dos namorados de 1921. Numa virada surpreendente, Walt assume a criação do guri, batizado de Skeezix (gíria para um bezerro órfão), transformando a história de forma radical.


O autor acrescentou semitons emocionais a personagens que pareciam estereotipados. E introduziu a evolução cronológica (foi a primeira tira onde os personagens envelheciam). Assim, Skeezix começa bebê de colo, aprende a andar e falar, ler, vai para a guerra e volta. É nesses primeiros vinte anos que se encontra o cerne da obra-prima, com episódios dominicais onde, muitas vezes, não acontece nada: Walt e Skeezix passeiam ociosamente apreciando a paisagem rural americana e tecendo comentários banais e poéticos (tal como Peanuts e Calvin fariam, anos depois).


Durante a década de 20, as diversas tiras e páginas dominicais que foram surgindo explorando ao máximo o cotidiano das pessoas. Qualquer situação aparentemente normal, virava motivo de piadas, algumas engraçadas outras simplesmente grotescas. O que valia era ganhar mais e mais leitores. Mas aos poucos, o tema comédia doméstica começou a mostrar cansaço. Isso, aliado à uma onda conservadora que começou no ocidente, mais a depressão que se instalava nos EUA, coroada com o crack da Bolsa de Nova York em 1929, revelou a artistas e leitores que era preciso algo novo, algo que ajudasse todos a esquecer os problemas diários e a falta de dinheiro. Não era mais tão interessante ficar criticando a família e o cotidiano. Entrava em ação os primeiros heróis de papel e suas aventuras.


A aventura surgiu nas HQs em 1924, como relatam Patati e Braga (2006), com a criação da série Wash Tubbs (no Brasil, Tubinho) e já desenvolvia, ainda que timidamente e de forma disfarçada, em traços propositalmente caricaturescos, o mesmo nível de aprofundamento e continuidade narrativas que viriam posteriormente a caracterizar a série Tarzan. À época, poucos talvez tenham se dado conta de que se tratavam de narrativas realistas, nas quais o suspense e o exotismo misturavam-se de uma maneira poucas vezes igualada. Talvez estivessem aí, no desenvolvimento narrativo, as razões da grande aceitação da série, originalmente denominada Washington Tubbs II, que, em pouco tempo, caiu no gosto dos leitores de quadrinhos de seu tempo. No entanto, grande parte de seu sucesso pode ser também atribuída à virtuose do ilustrador responsável pela história.


Referências:

ADORNO, Theodor. W. Comunicação e Industria Cultural. In Cohn, Gabriel (org). São Paulo: Editora Nacional, 1977.

CAGNIN, Antônio Luiz. As histórias em quadrinhos de Angelo Agostini. Phenix, revista da história dos quadrinhos. São Paulo: CLUB, Clube dos Quadrinhos. p.05 a 24, 1996.

CIRNE, Moacy. Quadrinhos, sedução e paixão. Petrópolis,RJ: Vozes, 2000.

GROENSTEEN, Thierry. “Why are comics still in search of cultural legitimization?”. In: MAGNUSSEN, Anne and CHRISTIANSEN, Hans-Christian (eds). Comics & Culture: analytical and theoretical approaches to comics. Copenhagen, Museum Tusculanun Press. University of Copenhagen, 2000, pp.29-41.

GRUNEWALD, Dietrich. Comics. Tubingen: Niemeyer Verlag. 2000.

KUBLER, Hans-Dieter. Mediale Kommunikation. Tubingen: Niemeyer, 2000.

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