16 setembro 2011

Limitações simbólicas aos quadrinhos (5)

Fortemente influenciado pela art nouveau, todos os domingos uma página inteira de jornal trazia, em cores, os sonhos de um menino que, invariavelmente, terminava no último quadrinho caindo da cama e despertando para a realidade. Uma viagem onírica, ligeiramente surreal, com toques de art-nouveau. O pequeno Nemo está sempre acordando no último quadro de cada página semanal. Graficamente inovadora, para os padrões da época, trata-se de uma série com elevado potencial poético. Visualmente rico, criativo, McCay inovou a distribuição dos quadros, verticais ou horizontais, usando amplamente as cores, antevendo o futuro cinemascope, as lentes 70mm, as grandes angulares, os ângulos insólitos, captando a vista do leitor e com grandes quadros dominantes, a visão de uma página standard de jornal, com um impacto de imagens e cores sem paralelo nos outros meios de comunicação.


Um dos principais livros do alemão Sigmund Freud, A Interpretação dos Sonhos, foi publicado em 1900, e as ideias do psicanalista – o sonho como imagens do inconsciente reprimidas, que afloram duramente o sono – logo se popularizaram. O desenhista Winsor McCay incorporou essa premissa e a tornou a base fundamental de suas narrativas seqüenciais. McCay não teve o reconhecimento dos críticos de seu tempo, tendo sua arte completamente ignorada por eles. Depois da morte de McCay, o Museu de Arte Moderna, de New York, solicitou originais à sua viúva, para compensar o silêncio da crítica de arte à sua época. McCay está para os quadrinhos como Griffith está para o cinema – com ele, define-se uma nova linguagem no universo da indústria cultural. Ele também foi o primeiro do cinema de animação.


Outro artista a incorporar os sonhos em suas narrativas foi Lyonek Fleininger. Em 1906 ele criou para o jornal Chicago Tribune as histórias em quadrinhos Wee Willie Winkie´s World e The Kin-der-kids. A primeira acompanhava as andanças do garoto Willie em um ambiente surrealista, em que as casas têm rostos e espirram, as escarpas das montanhas exibem feições humanas e as nuvens flutuam pelos céus como se fossem fantasmas. Já The Kin-der-kids mostravam as aventuras de três meninos – o intelectual Daniel, o comilão Pie e o atleta levantador de pesos Strenous -, sempre acompanhados por Sherlock Bones, um cão “salsicha”, e por Little Japansky, uma espécie de autômato. Apesar da aceitação do público por seu trabalho, a passagem de Feininger pelos quadrinhos foi rápida e terminou em 1907, quando resolveu se dedicar à pintura (SANTOS, 2006, p.31).


Pafúncio e Marocas (no original "Bringing Up Father") contam a história de um casal classe operária que da noite para o dia se tornam multi-milionários, ganhando sua fortuna em corridas de cavalos. A maior parte do humor contido nessas histórias do início do século, se atém às tentativas da dupla de atingir uma posição na alta sociedade. Além do contexto e das histórias, as tiras de Pafúncio e Marocas são um exemplo do período da arte moderna na ilustração. As clássicas tiras do autor, George McManus, foram inspiradas na peça teatral de William Gill - "The Rising Generation" (algo como Geração Emergente) de 1893.


Pafúncio e Marocas foi a primeira história em quadrinhos a atingir repercussão mundial, só tendo sido ultrapassada em longevidade pelos "Sobrinhos do Capitão". Foi adaptada às telas, aos palcos e aos desenhos animados por seis vezes, inclusive teve a imagem de seus personagens eternizada em selos comemorativos nos Estados Unidos. Pafúncio era o melhor dos melhores, descendente de irlandeses, que sempre tentava agradar sua sarcástica esposa Marocas, usando fraque e cartola e esforçando-se para viver de acordo com a sua nova condição social. Ele tinha olhos voltados sempre para as belas mulheres e adorava programas de "baixo nível" tais como sair à noite com os amigos, frequentar "pubs" e cassinos. Os seus hábitos sempre o colocavam em conflito com a escalada social de Marocas. A filha do casal, Nora, era belíssima, porém insípida, uma verdadeira "patricinha" do início do século, muito popular entre os rapazes.


Assim, o imigrante que vai para os EUA em busca da “terra das oportunidades”, torna-se rico, mas não o livra do fardo familiar que lhe impõem uma esposa feiosa, uma filha dondoca, um cunhado preguiçoso e um filho desocupado. A figura autoritária e dominante da esposa é mostrada como um traço típico do matriarcado norte-americano, também retratado pelo cinema hollywoodiano. Os leitores de Pafúncio e Marocas deparam-se, na maioria dos episódios, com um homem que, apesar de rico, trabalha para manter o status que deu à sua família e cujos únicos defeitos são gostas de um bom charuto e, eventualmente, tentar dar uma escapadela com a secretária bonitona.

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