Os movimentos de contracultura dos anos 60 despertaram a atenção, nos Estados Unidos, para um tipo de quadrinhos que, tendo profundas raízes históricas, veio então a ser identificado como consequência de uma época de contestação generalizada. De fantástico, selvagem ou visionário, esses quadrinhos passaram a chamar-se “underground” (subterrâneo).
Diferente de tudo aquilo que caracterizava o “quadrinho digestivo” (Donald, Zorro, Batman, Super Homem) que os sindicatos norte-americanos devassaram para o mundo, com os chavões tipo bem versus mau, happy end, etc, o novo estilo gráfico, marginal e corriqueiramente conhecido como “udigrudi” (corruptela brasileira de underground), começa a investir violentamente em uma nova linguagem. Encontrando dificilmente saída pelos canais competentes (vendagem comercial), com frequentes problemas de censura, já que fazem da não repressão sua pedra-de-toque, estas historietas manifestam um voluntário desprezo pela sociedade de consumo.
E a necessidade de lutar com todas as forças para retomar o espírito crítico/criativo que se tornou gradativamente raro na HQ, levou alguns dos nossos desenhistas a se reunirem e lançar suas próprias publicações. Apesar das dificuldades provocadas não só pela censura como pelas precárias condições financeiras de seus donos, esse tipo de publicação começou a dar bons frutos. Nos últimos cinco anos, no rastro do precursor “Grilo” , o número dessas publicações multiplicou-se Vírus, Risco, Boca, A Mosca, Maturi, Roleta, entre outras. Quinzenais, mensais ou bimestrais, tem muitas vezes uma tiragem pequena que não ultrapassa a faixa dos cinco mil exemplares.
QUADRINHO PENSANTE
O quadrinho subterrâneo, marginal, clandestino, paralelo ou underground, embora varie ainda a sua conceituação definidora, tem se manifestado como a participação de resistência a um poder mais forte ou como a contestação que nega valores aceitos e estabelecida com irreverente agressividade.
Desde há alguns anos em vias de alteração, a HQ mundial acabou por transformar-se. Embora o “quadinho pensante” norte-americano (Pogo, Peanuts) tenha sido a sua manifestação mais visível e a que mais chamou a atenção, mas sem dúvida também a mais importante dessa evolução, e se a sua influência se fez sentir em todo o mundo, ao mesmo tempo como fermento e como revelador, não poderemos esquecer a considerável contribuição de Feiffer, Copy, Kelly, entre outros, nessa definição do novo rosto do quadrinho contemporâneo, nem o decisivo papel desempenhado pelas diversas tendências do que se denominou quadrinho underground, free quadrinho, etc.
A introdução do Código dos Comics nos Estados Unidos em 1954, submeteu a uma regulamentação severa aos livros de quadrinhos a cores dependente de produção de massa. A partir de Mad, cujo novo formato foi um franco sucesso, os quadrinhos americanos submeteram à censura e se transformaram em revistas preto e branco a preços mais elevado. Em 1965, a passagem para off set rendeu possível independência financeira às publicações militantes contra a ordem estabelecida. Os quadrinhos underground que vão surgindo, combinam a sátira com um retrato sem disfarces do sexo, da violência e dos costumes políticos. A partir de Zap (1968) a nova geração de desenhistas tem publicações de existência independente. Robert Crumb foi seu principal expoente. Na França o underground surgiu a partir dos anos 70 e suas principais revistas são: L´Echo des Savanes, Mormoil, Métal Hurlant, Circus, etc.
O fenômeno do atual underground, especialmente nos Estados Unidos, onde já existe até um sindicato deste tipo de historieta, não contesta um opressor eventual de tempo de guerra, mas o complexo do sistema social que cumulativamente sedimentou conceitos que se impõem com imensa força de coerção. Inicialmente mimeografado, ou mesmo distribuído em cópia única, com um estilo de desenho mais livre, abordando uma temática mais atual e mais ousada, o underground comics logo deixou de ser underground e passou a fazer parte da estrutura normal das HQs; e se ainda não alcançou as páginas dos grandes jornais, pelo menos foi parar em revistas especiais, cada vez mais sofisticadas e bem impressas, e Fritz the Cat de Robert Crumb, já virou desenho animado em longa metragem.
O MERGULHO PARA DENTRO E A SAÍDA PARA FORA
O quadrinho subterrâneo diverge radicalmente quer na forma, na técnica, no conteúdo, quer talvez em todas os três. Por conseguinte, é livre para olhar o mundo exterior sem pestanejar e para o mundo interior em moldes complexos e místicos. È livre para ser poético e para ser obscuro. É livre até mesmo para ensandecer.
Normalmente sua publicação é feita fora dos circuitos comerciais. São publicações de pequenos orçamentos, simples, livres, abertas, abordando temas insólitos e desesperados e realizando uma profunda análise reflexiva sobre a natureza do homem e seus valores. Suscita posições, debates violentos, balança o leitor passivo que lê quadrinhos apenas como catarse, lazer. Estão sempre à margem das grandes produtoras, dos financiamentos oficiais. Utilizam uma linguagem moderna, antiacadêmica, totalmente revolucionária.
Possuindo muitas formas, algumas delas estão sendo absorvidas pela revista em quadrinhos comercial. Mas a importância real da HQ underground encontra-se em suas obras. Imprevisível, complexo e, acima de tudo pessoal, o que está acontecendo em quadrinhos atualmente são essas obras, abertas. Uma visão do homem moderno.
Na evolução das artes há sempre duas tendências que se correspondem, uma centrípeta, à procura de uma essência, de uma pureza formal e/ou poética, outra centrífuga, espetacular, a que não repugna incorporar técnicas e materiais de artes próximas, que só se realiza plenamente no momento/ato em que é consumida. Daí a diferença que vai entre McCay (O Pequeno Nemo) e Crumb (Fritz, o Gato). Sem ser a única diferença entre o apolíneo e o dionisíaco, é antes aquele entre o mergulho para dentro e o saída para fora.
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2 comentários:
Irado!!!!
Que foda velho
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