26 abril 2011

30 anos sem Glauber: O homem é mais forte que a morte (02)



Ele era capaz das mais apaixonadas adesões e das mais enfáticas críticas a amigos e inimigos.

Fazia filmes ao mesmo tempo reflexivos, políticos e formalmente inovadores.

Dava declarações sinceras sobre tudo, sem a preocupação de agradar a ninguém, a não ser à sua integridade intelectual.

Era um sujeito anacrônico.

Para ele, era preciso, urgente,desenvolver o conhecimento da cultura brasileira, vasculhar as raízes, revolver o passado, por mais trabalho que desse.


Num 22 de agosto, há 30 anos, ele morria sem ter completado sua obra, mas deixando atrás de si uma marca profunda de sua viagem pelo horizonte social do País.


Obra experimental, delirante, moderna de uma linguagem inventada e reinventada para exprimir suas experiência do mundo, seus conflitos ideológicos e suas próprias ambiguidades.

Ainda em 1958, Glauber acompanha o diretor italiano Roberto Rossellini em pesquisa de locações em Salvador com uma câmera 16 mm (experiência narrada em “Di”). Em 1959 começa em Salvador a filmagem de seu segundo curta-metragem, o inacabado, “Cruz na Praça”, baseado num conto de sua autoria, "A Retreta na Praça", publicado no Panorama do conto baiano. Publica artigos sobre cinema no Jornal do Brasil e no Diário de Notícias. Em 1961 Glauber finaliza “Barravento” no Rio de Janeiro, com montagem de Nelson Pereira dos Santos. A narrativa é em torno da comunidade de pescadores espoliada por um todo poderoso local. Com essa história simples e numa produção pobre, Glauber analisou o comportamento das lideranças.


Em 1962, configura-se o movimento denominado Cinema Novo. Glauber Rocha se transforma num dos integrantes mais importantes do Cinema Novo, ao estabelecer o princípio de "uma câmera na mão e uma ideia na cabeça", que deu uma identidade nova ao cinema brasileiro. Em primeira viagem a Europa, Glauber recebe o Prêmio Opera Prima no Festival de Cinema de Karlovy Vary, na então Tchecoslováquia por “Barravento”. No mesmo ano, o filme é apresentado no Festival de Sestri Levanti, Itália, selecionado para o Festival de Cinema de Londres e incluído entre os dez filmes escolhidos para o Festival de Cinema de Nova York, que inaugura o Lincoln Center for the Performing Arts. Glauber participa também do Festival de Santa Margherita, na Itália. Na ocasião, produz o curta-metragem “Imagens da Terra e do Povo”, de Orlando Senna. No mesmo ano, em carta para Alfredo Guevara, fala pela primeira vez em realizar “América Nuestra”, um épico sobre a América Latina.


Em 1963, Glauber inicia as filmagens de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” no sertão da Bahia, concluídas em quatro meses, mas lançado em 1964. Obra suprema do cineasta, o filme é uma opulência visual e imaginação sociológica numa experiência singular e plural, que inventou uma estética e visão de mundo, nas quais uma crítica social feroz se alia a uma forma de filmar que pretendia cortar radicalmente com o estilo clássico hollywoodiano. O filme mostra uma tragédia sertaneja onde o vaqueiro Manuel e sua mulher Rosa se perdem entre um deus negro e um diabo louro, vistos de um lado por uma testemunha cega e perseguido por outro pelo jagunço Antônio das Mortes. Prêmio no Festival do Cinema Livre de Porretta, Itália. O filme representou o começo do prestígio de Glauber como cineasta. Ainda em 1963, Glauber publica o livro “Revisão Crítica do Cinema Brasileiro” pela Editora Civilização Brasileira.


ELEMENTO CHAVE

Em janeiro de 1965, Glauber lança "A Estética da Fome" - EZTETYKA DA FOME 65 -, tese apresentada durante as discussões em torno do Cinema Novo, por ocasião da retrospectiva realizada na Resenha do Cinema Latino-americano, em Gênova, Itália. Elemento-chave para a compreensão da obra de Glauber, o manifesto propõe uma estética da violência, em que o diretor defende o “miseralismo” do Cinema Novo, que deveria fazer filmes “feios, tristes, gritados e desesperados”. Caracterizando a cultura cinematográfica brasileira como “precária e marginal”, Glauber destrói mitos e propõe um cinema novo, que possui linguagem própria e está disposto a partir para a briga com o público.


De volta ao Brasil, em novembro de 1965, Glauber é preso num protesto contra o regime militar em frente ao Hotel Glória, no Rio de Janeiro, durante reunião da OEA (Organização dos Estados Americanos). Ele ficou 23 dias na prisão. No mesmo ano, Glauber associa-se a Zelito Viana, Walter Lima Jr. e Paulo César Seraceni e criam a Mapa Filmes. O nome da produtora é originário da revista cultural que Glauber dirigia na Bahia, importante mídia impressa que discutia as novas correntes cultural e cinematográficas relacionadas com a conjuntura da década de 1960. O primeiro filme da produtora foi “Menino do Engenho”, de Walter Lima Jr., que obteve um milhão de espectadores. Outra das produções emblemáticas da Mapa Filmes nessa fase é “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, maior sucesso de público de todos os filmes de Glauber, tendo obtido 1,5 milhão de espectadores. A Mapa Filmes co-produziu, também, “Cabeças Cortadas”, em parceria com Manuel Perez Estremera, que, na década de 1980, dirigiria o Departamento de Co-produções com a América Latina da TV Espanhola.


No final de 1965, Glauber Rocha viaja para o Amazonas, onde passa o Natal, e realiza, no início de 1966, em Manaus e Parintins, o curta “Amazonas, Amazonas”, seu primeiro filme colorido. Filme encomendado, do gênero documentário clássico, sobre as belezas e riquezas naturais da região Amazônica, pode ser considerado um produto tipicamente glauberiano, com arrebatamento lírico das tomadas, e a insistência bem característica sobre as preocupações nacionalistas e progressistas do diretor, com a presença muito concreta da imagem das pessoas no trabalho, nas sequências urbanas e da mercadoria.



Não me exija, coerência. Não tenho resposta na boca para todas as coisas. Sou um artista, portanto meu processo é um processo dialético entre o fluxo do inconsciente e minha razão dialética. Assim, posso mudar a qualquer momento”


Quando aceitei a profissão de fazer filmes, quis mostrar ao mundo que, sob a forma do exotismo e da beleza decorativa das formas místicas afro-brasileiras, habita uma raça doente, faminta, analfabeta, nostálgica e escrava”



Detesto a finura sutil dos machadianos, o revisionismo time-life da moçada abrilhantada. Sou homem do povo, intermediário do cujo, e a serviço” (Revista Visão, de 11/03/1974)

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