Fazia filmes ao mesmo tempo reflexivos, políticos e formalmente inovadores.
Dava declarações sinceras sobre tudo, sem a preocupação de agradar a ninguém, a não ser à sua integridade intelectual.
Era um sujeito anacrônico.
Para ele, era preciso, urgente,desenvolver o conhecimento da cultura brasileira, vasculhar as raízes, revolver o passado, por mais trabalho que desse.
Num 22 de agosto, há 30 anos, ele morria sem ter completado sua obra, mas deixando atrás de si uma marca profunda de sua viagem pelo horizonte social do País.
Ideias na cabeça nunca lhe faltaram: o que tinha faltado, muitas vezes, era a câmara na mão. E as mão, desocupadas, pareciam embaralhar-lhe, muitas vezes, as ideias na cabeça. O remédio, portanto, era botar sempre uma câmara nas mãos desse que foi, no mínimo, a figura mais instigante do cinema brasileiro: Glauber Rocha.
O inventor do Cinema Nova, de Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em Transe e de Cabeças Cortadas morreu aos 42 anos. Em seu último filme, A Idade da Terra, numa narração lida por ele mesmo, Glauber diz: “O homem é mais forte que a morte”. Enfant terrible do cinema brasileiro, gênio segundo muitos. Indiscutivelmente, o maior mito do cinema novo.
Glauber era um artista, radical, livre e longe das ponderações e conciliações dos políticos. Escreveu sobre o cinema brasileiro com suas dores e contorções. Nas ruas aprendeu o diabo e Deus naqueles chãos de febre, necessidade e sonho, entre livre atiradores, pedintes, passantes, tiros a êsmo e desempregados crônicos – era o cinema nacional.
Considerado o mais amado e odiado cineasta brasileiro, era visto pela ditadura militar, que se instalou no país em 1964, como um elemento subversivo. Ao longo de sua carreira, fez 11 longas e seis curtas, tendo a luta pela liberdade como tema recorrente. Liderou o movimento do Cinema Novo, que buscava quebrar radicalmente com o estilo cinematográfico norte-americano, notadamente a narrativa clássica hollywoodiana.
Glauber Rocha já foi biografado, de modo competente. Mesmo assim, o produtor musical e jornalista Nelson Motta avalia que há mais a dizer e lança, pela Objetiva, “A Primavera do Dragão”, sobre a juventude do cineasta. Às véspera dos 30 anos de sua morte, grande parte de sua obra está restaurada e acessível ao público.
PRIMEIRO CONTATO
Glauber de Andrade Rocha nasceu no dia 14 de março de 1939, em Vitória da Conquista, sudoeste da Bahia. Na época, a fazenda de seu avô em Cafarnaum não existia mais. Ela havia servido de esconderijo a jagunços e pistoleiros, o que deu origem a histórias fantásticas que povoaram a infância do menino. Estudante em Salvador, ele fundou e presidiu o cineclube Clube Western. Foi o primeiro contato com o cinema.
Em Salvador, participou em programas de rádio, grupos de teatro e cinema amadores, e até do movimento estudantil. Em 1952, aos treze anos, participa como crítico de cinema do programa “Cinema em Close-Up”, na Rádio Sociedade da Bahia. Frequenta as matinês, lê histórias em quadrinhos e desenha caricaturas. No ano seguinte, Glauber ingressa no Círculo de Estudo, Pensamento e Ação (CEPA), dirigido pelo professor Germano Machado. Escreve o balé “Sefanu” e frequenta ativamente o Clube de Cinema, animado pelo crítico Walter da Silveira.
Em 1955, dirige as encenações do grupo “Jogralescas Teatralizações Poética”, idealizado pelo poeta Fernando Rocha Peres, combinando poesia e teatro. No ano de 1956, Glauber, Calasans Neto, Sante Scaldaferri, Luis Paulino, Zé Telles, Fernando da Rocha Peres, Fred Castro entre outros, fundam a Cooperativa Cinematográfica Yemanjá. Como Palavra de Ordem, pixam nos muros da cidade: “Você acredita em Cinema na Bahia!”. Glauber colabora no filme “Um dia na Rampa”, curta-metragem de Luiz Paulino dos Santos rodado no Mercado Modelo de Salvador. Chamado por Ariovaldo Matos, Glauber participa do jornal de esquerda “O Momento”. Colabora nas revistas culturais Mapa e Ângulos e no semanário “Sete Dias”.
Em 1958, Glauber inicia sua carreira jornalística como repórter de polícia do Jornal da Bahia. Em seguida, publica artigos sobre cinema e assume a direção do Suplemento Literário. Escreve ainda na página Artes e Letras, do suplemento dominical do Diário de Notícias, de Salvador, e para o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Nessa época também se emprega como funcionário público da Prefeitura de Salvador.
Antes de estrear na realização de uma longa-metragem (Barravento, 1961), Glauber Rocha realizou vários curtas-metragens, ao mesmo tempo que se dedicava ao cineclubismo e fundava uma produtora cinematográfica. Em 1958, filma seu primeiro curta, “Pátio”, com Solon Barreto e Helena Ignez. Esse curta metragem prenunciava o seu compromisso com uma nova linguagem e o introduzia no mundo mítico do cinema mítico até ´para ele: “Cinema para mim é algo sagrado. Eu sei que nem todo mundo pensa assim, mas, para mim, cinema é realmente algo sagrado. Mas é preciso entender que cinema é pintura em movimento com som. O cinema baseado na estrutura do diálogo é o anticinema”. Em O Pátio ele revelava sua preocupação com a pesquisa da linguagem.
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