Que País é Este? (Renato Russo)
Nas favelas, no senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é este
Que país é este
Que país é este
No Amazonas, no Araguaia iá, iá,
Na Baixada Fluminense
Mato Grosso, nas Gerais e no
Nordeste tudo em paz
Na morte eu descanso, mas o
sangue anda solto
Manchando papéis, documentos fiéis
Ao descanso do patrão
Que país é este
Que país é este
Que país é este
Que país é este
Terceiro mundo, se for
Piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendemos todas as almas
Dos nossos índios em um leilão
Que país é este
Que país é este
Que país é este
Manda Chamar (Roberto Mendes e Capinam)
Manda chamar os índios
Manda chamar os negros
Manda chamar os brancos
Manda chamar meu povo
Para o rei Brasil renascer
Renascer de novo.
Manda chamar os bichos
Manda chamar a mata
Manda chamar a água
A terra, o ar e o fogo
Para o rei Brasil renascer
Renascer de novo.
Manda chamar Tupã
Manda chamar Olorum
Chamar o Deus do povo.
Para o rei Brasil renascer
Renascer de novo.
P e r d a ( H a g a m e n o n d e J e s u s)
Não se perde
o sol
que se esconde a cada dia
não se perde
O vôo
do pássaro, desconhecido,
de gaivota
andorinha: intenção sem rastros,
não se perde,
não se perde
uma só que seja das andorinhas.
Não se perde
o fruto
da goiaba
o fruto (mesmo se está
bichado ) da goiaba.
Na natureza,
a sua transformação,
nada
se perde, em verdade,
nem os ossos sem história.
Perda
só podem ser os nossos sonhos,
só podem ser os nossos desejos
indefesos
mais que o cair da tarde
mais que o cair da tarde.
No Caminho, com Maiakóvski (Eduardo Alves da Costa)
Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.
Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de me quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas manhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.
Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.
Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.
E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!
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