09 abril 2018

Traços oblíquos, econômicos e precisos de Bruno Aziz


Cartunista, ilustrador, fanzineiro (editou duas edições do zine Placebo em 91 e 93), extraterrestre na terra do axé. Desenhista auto-didata, participou das publicações de quadrinhos locais (Desagaquê, Tudo com Farinha, Crau). Criou is Dilemas (tirinha publicada semanalmente durante quatro anos no caderno Dez!, do jornal A Tarde). Coordenou o Núcleo de Quadrinhos da Cipó Comunicações Interativa, ensinando produção de HQ para adolescentes.

De vez em quando emplaca cartuns nestes salões de humor da vida. Designer gráfico freelancer, já ilustrou trabalhos para a Fundação Odebrecht, Liceu de Artes, Governo do Estado, Governo Federal, Cepah, GAPA, CREMEB, Instituto C&A....Gosta de misturar desenhos feitos à mão com vetores digitais, Photoshop com lápis e hidrocor preto, caneta futura com coreldraw.

Ilustrador editorial do jornal A Tarde, ilustrador oficial do caderno infantil A Tardinha. Criador de assombroglifos. Publicou semanalmente as tirinhas Rock Sujo e Os Fabulosos Um Dois Três no jornal A Tarde. Participou do Coletivo de Sticks Atack no Abril ProRock 2005-Recife.

Esse descendente de libaneses, nascido e criado em Salvador, continua curtindo rock n' roll. Disparando suas tirinhas carregadas de humor e eletricidade urbana desde o início dos anos 90 pelos fanzines da vida, Bruno é hoje um dos melhores cartunistas baianos, sempre com seus característicos traços oblíquos, econômicos, precisos.


Como foi que você começou nas artes gráficas ?

BRUNO AZIZ - Sempre gostei de desenhar desde criança. Copiando desenhos de enciclopédias de biologia, dinossauros...depois copiando a básica dupla de gibis de quem foi guri nos anos 80: Disney/Turma da Monica....quem nunca né?. Mas meus primeiros contatos tecnicos mais profissionais foram ao ingressar como aprendiz na Oficina de Video do Liceu de Artes da Bahia (ali pelo começo dos anos 90). La comecei a mexer com programas de editoração de imagem, motion graphics, letterings, (tudo muito embrionario na época em termos de tecnologia) A Apple acho que estava começando a existir...


Quando foi publicado seu primeiro trabalho?

BA - Sou realmente muito desorganizado com registro, mas trabalho de HQ/cartum. Acho que a primeira publicação foi na Tudo Com Farinha 1....qual foi o ano dela?...rsrs. Fiz um mês de ilustração editorial no A Tarde, provavelmente em 1990.....ainda haviam maquinas de escrever na redação...lembro disso....Anos depois comecei a publicar as tirinhas (Dilemas Inicialmente, depois o Rock Sujo) no Caderno 10 do A Tarde a convite da então editora Nadja Vlad.


Quais são suas maiores influências?

BA - Não que reflita no traço, meu traço ou é mutante, intuitivo, vem em fases, ou é compartimentado...(um traço x para um tipo de trabalho, traço y pra outro). Dito isto a influencia vai para além do reflexo no meu trabalho, é influencia para a vida  mesmo, para as ideias, para a imaginação ...vamos lá sem ordem de importância:
1 - Uderzo e Gonsciny: Asterix e Obelix...genios da ambiencia, do roteiro e da criação de personagens. O traço nem se fala.....
2- Laerte. Guru, idolo, sou fã incondicional....acho que ver os trabalhos dele na Chiclete/Circo/Piratas me fez querer desenhar para sempre.
3 - Henfil. Pelo minimalismo calculado e pela verve iconoclasta e política, pela importância contextual da época.
4 - Ziraldo no Flicts......me desenvolveu o olhar gráfico muito cedo, entrou na minha cabeça de criança e nunca mais saiu.
5 - Os Europeus la da Metal.....Crepax / Manara / Moebius.....mais pelo surrealismo, pela ambiencia absurda e pela ficção cientifica desvairada do que pelo erotismo. Ler as historias deles era uma fuga física mesmo dessa realidade. Era um teletransporte pra outra dimensão. Mostraram-me mais esse poder das HQs
6 - Dos mais recentes gosto do doido la do Cornella, do Rafael Sica e da verborragia (no melhor sentido, ótimos diálogos), acima do traço do Dhamer...

Como você define o humor?

BA - Se algo engraçado te fizer chorar, é o auge do humor. Se te fizer repensar algo, o dia de trabalho do cartunista foi perfeito. Mas o humor já se basta com um sorriso.


O que você mais gosta de fazer: cartum, charge, caricatura ou quadrinhos ?

BA - Estou na fase ilustrador. Estou gostando de criar imagens, gravuras digitais. Mas o que mais gosto de fazer, mas não é o que eu mais faço, é o cartum. O cartum certeiro, sem palavras, direto, é a expressão máxima do humor gráfico.

Nos anos 1990 você editou a revista independente Placebo. Fale sobre esse trabalho.

BA - Foi orgânico, tinha que sair para algum lugar né? Aquelas angustias da pos adolescência. Na época estava em contato com pessoas da minha geração que estavam produzindo arte de contestação, musica (movimento punk, metal, rock alternativo em geral) cartunistas (Hector Salas, Fabio Abreu com a Desagaquê, Afoba). Era uma época que eu ouvia muita musica punk, muito rock independente e lia muito quadrinho marginal (que era vendido em banca veja só) A Animal mesmo, putz, aquilo era hardcore pra caralho.
Tambem foi uma época q estava engajado em projetos sociais, trabalhando no Liceu, tendo contato com a classe artística da área de vídeo, cinema, teatro, enfim....momento sensorial cheio referencias, de coisas acontecendo, pessoas, e senti necessidade de fazer algo por conta própria para dar vazão a historias/tiras/textos que na época não tinham nenhuma viabilidade de sair em nenhum outro veiculo. Então o jeito era partir para o formato punk do it yourself.....claro que recebi muita ajuda, e chamei colaboradores bacanas com textos e historias extras. Foram só 2 números, esquema xerox clandestina mesmo. Mas gosto muito deles até hoje.
As poucas HQs mesmo que fiz estão neles. E foi meu primeiro processo de gerenciar uma produção, definir material, identificar colaboradores, meter a mão na produção fisica....coisas que  hoje em dia não tenho a menor habilidade pra lidar rs.


Você também participou de outras publicações baianas como Desagaquê, Tudo com Farinha, Crau...

BA - Sim. Devo demais a todos os envolvidos. Chacal, Fabio Abreu, Hector Sallas, Alix, Augusto Matos, Cedraz, Damião (vai faltar nome aqui me desculpem amigos, memory lane is fucked up)....eles faziam o corre, sempre fui péssimo em organização, acho que meu máximo de organização foram os dois numero do Placebo. As publicações mais profissionais eu devo a essa galera.


BA - Muito amor envolvido. Minha primeira tirinha. Eles eram basicamente meus alter egos, segundo minha ex mulher...(ela dizia ate que eu tinha a persona do bonequinho de chapeu e a do sem chapeu, eles nuca tiveram nomes)...era um humor meio fisico, meio stand up comedy (eles funcionavam com dialogos apenas, piadas, punch lines), meio inocente num momento, meio escrotinho em outro, e eles foram mudando para situações mais e mais nonsenses com o tempo. Foi um barato. Foi um trabalho que teve reação imediata nos conhecidos, todos meus amigos adoravam....eu virava noites desenhando eles quando surgiam as ideias para as sequencias de tirinha. Era uma cachaça mesmo.
Não sei bem porque parei de desenhá-los, acho que o Dez queria algo mais maduro...aí eu parti para a serie Rock Sujo, e eles foram ficando pra tras, nunca mais voltei a desenha-los.....eles tinham vida própria mesmo, é dificil chamá-los de volta...fica forçado. Para ficar mais triste a historia, um HD com a maioria das tirinhas finalizadas foi perdido na mala de um carro que foi roubado.....foram pro mundo.


Você publicou semanalmente as tirinhas Rock Sujo e Os Fabulosos Um Dois Três no jornal A Tarde. Qual foi o período dessa publicação e fale das características de cada tira ?

BA - Continuo publicando. Então....eu fui convidado para publicar uma tirinha semanal no antigo Caderno 10...o caderno Teen do A Tarde. Um ótimo suplemento, premiado nacionalmente pela ANDI, como melhor suplemento juvenil do Brasil em 2008. Ja publicava lá, os Dilemas como colaborador, desde 2002 ou 2004, me desculpa a falta de precisão....Mas fui contratado em 2006, para ilustrar o então novo suplemento infantil A Tardinha, para o qual me foi encomendada uma tirinha semanal, que vieram a ser os Fabulosos um Dois Três.
O caderno 10 ja tinha pedido uma tirinha para substituir os Dilemas, e criei a serie Rock Sujo, que depois da extinção do suplemento juvenil, migrou para o Caderno 2 junto com as tirinhas externas. Sai toda terça feira.
Caracteristicas conceitos das tirinhas:
Fabulosos: Basicamente é uma tirinha em que faço uma miscelania de coisas que gosto (super herois, ficção cientifica, piadas graficas, surrealismo, poesia) tudo com um cuidado para traduzir para um grau de entendimento das crianças.....mas a verdade é que é um cuidadinho, é pouco, eu forço a barra do nonsens neles as vezes para tentar expandir (desculpe se soa pretenso isso) o repertorio de entendimento do humor das crianças. Não sei bem como explicar isso....sabe quando o Louco aparecia nas historias do Cebolinha?....é tipo isso...quero q não faça sentido a tirinha as vezes, para a criança dar o sentido que ela quiser.
Ah os 3 personagens são homenagens a crianças próximas, JuJu e Peu são meus primos (crianças na época) e Léo é o filho de um grande amigo...as personalidades também são levemente baseadas neles!
Rock Sujo: Na verdade é so um titulo que engloba varias tiras, no começo tentei fazer tirinhas de costumes que estivesse ligadas ao universo jovem dos shows, ou da musica independente...mas se expandiu....é uma cronica de costumes....existem series dentro do titulo que poderiam ter virado outras tiras: A coleção de Bandas que não Existem, El Gran Circo Silencio e atualmente o Dr. LovesFora.


Criou outros personagens nos quadrinhos ?

BA - O Dr Lovesfora....meu vilão!.....Tem vida própria, nem sei se foi eu que criei ele mesmo.....ou se o espirito de porco do inconsciente coletivo se materializou ali.....péssima pessoa.

Como foi coordenar o Núcleo de Quadrinhos da Cipó Comunicações Interativa, ensinando produção de HQ para adolescentes ?

BA - Uma experiência de vida. Mas foi minha cota como educador. Jáa fiz minha parte na linha de frente, acho que nunca fui devidamente capacitado para isso, apesar dos elogios sempre constantes. Mas foi intenso e importante para minha formação de carater, e, espero, para os adolescentes que passaram por la.


O que você gosta de ler nos quadrinhos ?

BA - Tenho lido muito pouco quadrinhos para falar a verdade. Mas assim: releio religiosamente Asterix, Sandman, Chiclete com Banana / Circo / Piratas e Afins. Moebius, tudo que passar na minha frente dele. Herois, passei da fase a muito...mas sempre gostei de ler coisas do Batman. Planetary....fantastico. Hellboy....pra aprender/copiar por osmose 5% do claro escuro daquela peste do Mignola.
Alan Moore sempre dou uma checada, a ultima coisa q li dele foi umas coisas q ele fez dentro da mitologia do Lovecraft....insano......hardcore HQ. Ele é um monstro. Gosto do Tungstenio do Quintanilha. Rafael Sica...um monstro. Cara, o Rafael Sica pra mim é um genio, nunca vi ninguem fazer o que ele faz com tiras em quadrinhos. É um incomodo necessário, um riso macabro, um mal estar que vicia. Acho que ele leva a tirinha para um outro nível narrativo.
Os irmãos Caffagi, reelendo A turma da Monica foi lindo.


O que lhe inspira quando está no processo de criação?

BA - Sentimentos: a tristeza a alegria a raiva a apatia a revolta a impotência diante das relações politicas e sociais ....quebrar ou usar algum deles é sempre o start pra começar o processo criativo. Em segundo plano outras formas de arte, musica livros, filmes , games....e o cotidiano.....Acho que basicamente isso vale pra todos que por ventura entrem num processo que considerem artístico, né?

Em 2007 o cartunista Jaguar comentou que o cartum estava em processo de extinção. Segundo ele, não havia interesse dos jornais em publicar o gênero. Os jornais baianos, por exemplo, retirou o espaço do cartun, da charge. O que você pensa a respeito ?

BA - Paradoxos: O A Tarde, com todos os percalsos editoriais financeiros conceituais que possam ser enumerados, ainda dá um espaço enorme para uma charge politica na pagina 3, pagina de destaque, (em épocas obscuras como a atual, em que não se pode falar disso ou daquilo) ainda consigo fazer algumas charges contundente serem publicadas, não é fácil, não me considero um chargista dos melhores, trabalhei anos aqui com mestres (Cau Gomez e Simanca) e sei como é dificil ter o timing para os assuntos, a verve do caricaturista para retratar as personagens reais (minha maior dificuldade) e a perspicácia para a seleção dos temas, fazer isso diariamente e acertar é sobre humano, e esses caras faziam.
Não acho que o cartum está extinto, o impresso esta se extinguindo, o cartum não vai se extinguir nunca. O cartum vai para a internet, vai para a ilustração editorial doas livros, das revistas, ele vai estar ai por muito tempo ainda....o jaguar, veja só, esta la no A tarde semanalmente comigo (não esta la fisicamente não viu rsrs, as charges são enviadas)....não está extinto, esta em sobre vida no caso dele né, rs. Paradoxos.


Você acha que a charge ainda tem hoje a força critica de antes ?

BA - Mais do que nunca. O problema são os veiculos. Por onde a charge chega, que destaque ela tem em que veículo? A força de uma chegue nunca vai se perder enquanto hover conflitos sociais politicos ou de costumes. E se a charge for forte, se o tema abordado é incomodo, marcante, necessario, e ela for parar na Rede, ela viraliza. Ela vai atingir as pessoas com mais eficácia do que na capa de uma revista ou num Salão de Humor.
Aqui no jornal, pode sair um texto falando mal do governo X, mas se a charge for mais contudente ela corre mais risco de censura, ela incomoda mais, ela comunica rapido, quando a charge chega num nivel de sintese artistica e conceitual apurado ela pode até falar mais q uma reportagem inteira. Esse poder é inerente do humor grafico, não se perde. A boa charge não perde a força. Quem perde a força são os veículos de comunicação.

O estado de saúde do riso no mundo é precário nos países sob ditaduras. Na China e na Coreia do Norte, o riso político pluralista continua abafado pela pesada carga do marxismo-leninismo. Além de outros, a geopolítica do riso não é tolerado. Os políticos reagem aos golpes certeiros do lápis dos artistas. Como você avalia o humor no Brasil nesses empós de crise ?

BA - Sinto falta de um pouco mais de pulso. Dá uma olhada nos vencedores de Piracicaba esse ano, o do ano passado por exemplo....cadê aquela charge foda sobre o momento q vivemos hj no Brasil?....Abro o charge online diariamente e vejo os cartunistas dos jornais do país, sinto falta de contundência, de charge de qualidade, são poucas, sei q não é fácil, eu não faço charge diaria, faço dia sim e dia não e mesmo assim sinto dificuldade em dizer: hj eu fiz uma charge boa, mas dito isso deixo meu telhado de vidro exposto: as charges em geral são muito fracas, traço e conceito....as boas são muito boas porem. Digo meus favoritos na outra resposta.


Quem são hoje, para você, os bons chargistas e cartunistas ?

BA - O pernambucano Jarbas é sensacional, um traço simples e certeiro. Joao Bosco. O Bennet (O Temer dele é engraçadissimo e minimalista) ta bem legal.
O Laerte voltou a chargear e ta foda. Jean, nunca mais vi uma charge dele mas acho ele muito muito bom.
Duke sempre consistente. E mesmo eu correndo o risco de ser coorporativista nesse momento, o Cau e o Simanca, ainda são os melhores quando metem a mão. Fora da charge sou fã do Rafael Sica como ja disse antes.

Você já viveu algum tipo de repressão no seu trabalho no jornal ?

BA - Pontuais, bem menos do que esperava.


No Brasil já é possível viver só de humor?

BA - No Brasil só é possível viver com humor.

Quais são seus próximos projetos?

BA - Estou focado na produção de quadros, quero colocar no ar uma galeria virtual.

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