O cartunista e artista plástico Cláudio Antônio Gomez, o conhecido Cau Gomez começou
sua carreira em 1988, no Diário de Minas. São 30 anos de artes gráficas. De lá
para cá já ilustrou diversos veículos de imprensa. Conquistou mais de 60
prêmios em diversos festivais e salões de humor no Brasil e exterior.
Apaixonado pela fusão das linguagens do cartum e das artes plásticas, suas
influências são amplas, indo de artistas plásticos clássicos aos mestres das histórias
em quadrinhos. Hoje domina diversas técnicas. A experimentação é seu forte. Sua
técnica é expressionista, cores poderosas e pinceladas soltas que foge ao lugar
comum. A qualidade de seus traços gestuais, suas pinceladas, sua textura tem
força e é pura essência. Quem ver seus trabalhos se transforma. Assim é Cau
Gomez, um rapaz simples, mas que revela um traço sofisticado, imprimindo ao
riso do brasileiro as tintas do cidadão que luta no dia a dia para sobreviver
nesse circo chamado Brasil. Traço inquieto e irreverente que sempre consegue uma solução genial diante do caos do emaranhado de ideias. Quem acompanha a trajetória de Cau, percebe que ele é um artista completo, domina o cartum, a charge, a caricatura e artes plásticas sem perder a linha.
Vamos conversar com o rapaz:
Fale
um pouco como você iniciou sua carreira.
CAU
GOMEZ
- Fui trabalhar precocemente para ajudar no orçamento familiar e comecei profissionalmente
aos 15 anos, na redação do jornal Diário de Minas, em Belo Horizonte, no ano de
1988. Tive muita sorte nessa época. Conheci jornalistas tarimbados, que
ampliaram a minha criatividade e me abriram as portas do jornalismo. Não posso
me esquecer de citar Sulamita Esteliam e Sebastião Martins, ambos empenhados em
realizar uma revolução editorial e gráfica na imprensa mineira. Passei um bom
tempo de aprendizado numa autêntica ponte entre a vida estudantil, a ilustração
editorial e o fluxo frenético diário de produção de reportagens, notícias
internacionais e manchetes. Eu produzia muito, e cheguei a perder a conta das
ilustrações que desenhava diariamente. Ganhei dinâmica e velocidade no traço
por conta do horário de fechamento das páginas.
Seu
trabalho tem um toque bem pessoal, um misto de cartum com artes plásticas,
confere?
CG - Sim. Mas
procuro não ter muitas fronteiras entre os estilos e as técnicas, está tudo
conectado dentro de uma coerência e matriz criativa. É algo que vem através das
minhas buscas dentro das pesquisas que fiz ao longo da minha trajetória de três
décadas nas artes. Considero que a essência artística deve ser preservada em
qualquer formato ou plataforma.
Você
é um artista que trabalha com diferentes linguagens: caricatura, desenho,
pintura… Qual o critério que utiliza no seu processo criativo em relação ao uso
dos diferentes meios de expressão artística? Quais são suas principais
influências?
CG - Tenho
influências em vários artistas que dominam espectros diferentes nas artes.
Posso citar desde a força criativa e inquietante presentes nos trabalhos dos
gênios da pintura clássica como Amedeo Modigliani, Toulouse Lautrec, Picasso,
Rembrandt, Goya, Georg Grosz, Portinari, e a moderna Anita Malfatti entre
outros, passando por outros que estabeleceram vínculos perpétuos com a sátira
gráfica, como Honorè Daumier, Rafael Bordalo Pinheiro. Sigo admirador confesso
dos desenhos viscerais do Luiz Trimano, Carlos Nine e Hermenegildo Sábat. Dos
ingleses Ralph Steadman e Gerard Scarfe, absorvi o desenho cortante e o humor
ácido. Dos caricaturistas franceses: Mulatier, Ricord e Morshoisne, a
persistência e o apuro técnico na busca pela distorção perfeita nos rostos dos
personagens caricaturados. No Brasil, Paulo e Chico Caruso, Loredano e o mestre
de todos, Ziraldo, me ensinaram a dosar o estilo e me indicaram o quão longe o
desenho de humor pode fincar bandeiras e quebrar barreiras.
Porém, não posso omitir as minhas
profundas influências nascidas nos traços e nas histórias em quadrinhos de
autores consagrados comoWalt Disney, Maurício de Sousa, Ziraldo, Stan Lee e
outros fantásticos desenhistas da Marvel e DC Comics.
Quem
você admira nas artes gráficas brasileiras?
CG - Além dos
brasileiros que citei antes, Mário Vale, Miran, Zélio, Nelson Cruz, Marilda
Castanha, Dálcio, Quinho, Duke, Rodrigo Rosa, Simanca, Marcelo Lélis e algum outro
grande artista que, certamente, eu tenha esquecido de mencionar são excelentes
nomes, cujas obras mantêm um excelente nível de composição gráfica e artística.
E
na estrangeira?
CG - Admiro muito
os estilos dos cartunistas e ilustradores oriundos das escolas latinas e
europeias. Mas observo, com entusiasmo, há muito tempo, o surgimento de
virtuosos artistas iranianos, turcos e chineses. Hoje o número de talentosos é
expressivo. Fica difícil apontar uma região.
Como
você entrou para o mercado das artes gráficas?
CG - Acredito que
o próprio mercado sinaliza e demonstra interesse por novidades gráficas. É
cíclico. O esgotamento natural no uso de uma linguagem gráfica também é outro
sinal. Foi assim, nesse contexto, que realizei o meu primeiro grande contato
profissional na editora Abril, muito bem sucedido, e entrei na redação da
revista Playboy, em 1992. Logo de cara recebi um sinal verde do responsável
pela direção de Arte da revista, Carlos Grassetti, e a encomenda para a
elaboração de várias caricaturas. Essa colaboração durou sete anos e recebi um
prêmio Abril de Jornalismo, em 1994, na categoria ilustração/caricatura – o
primeiro deste tipo para a revista.
O
que mudou no trabalho do cartunista com a evolução da internet?
CG - No início foi
muito positivo com o encurtamento das distâncias. Tudo ficou muito instantâneo.
Pouco tempo depois, coma chegada das redes sociais, mudou tudo. E para pior! O
cartunista, chargista ou ilustrador não conseguiu manter os seus postos de
trabalho nas publicações e teve de se transferir para um esquema informal na
busca por novos clientes e admiradores na internet e suas redes sociais.
Quais
são as técnicas que você domina?
CG
-
Caricatura, charge política, cartum, ilustrações para HQs, editoriais e
infanto-juvenil. Utilizo as tintas acrílica, guache, lápis grafite, bastão
aquarelado e menos frequentemente a tinta óleo nas pinturas em telas. Ainda
pratico eventualmente e me interesso muito pelas técnicas de graffitti com o
uso de spray. Adiciono na minha cartela de ferramentas o meu desktop contendo
os softwaresphotoshop e illustrator para acabamento e arte-final das minhas
imagens.
O
trabalho na redação de um jornal diário é mais fácil ou mais difícil do que
numa revista como a Playboy, por exemplo?
CG
-
É tudo muito parecido e uma correria medonha para atender ao bendito deadline.
Mas há diferença basicamente no prazo. As revistas, de uma maneira geral,
permitem mais tempo para a maturação de um layout e entrega da arte-final.
Depende muito da organização do diretor de arte. Na redação de jornal é
corriqueira a solicitação de ilustrações para a publicação na edição do dia
seguinte. É uma coisa de louco!
Sua
arte é politizada. Como você analisa o papel do artista em relação à
interlocução com questões que envolvem política e direitos humanos, por
exemplo?
CG - É vital pra
mim poder imprimir em desenhos de humor toda a indignação que sinto ao me
deparar com absurdos políticos e injustiças sociais e humanitárias aqui no
Brasil e outras partes do mundo. Por ter vivido numa infância sem muitos
recursos financeiros e vindo de uma família simples de trabalhadores, vi logo
cedo que desenhar para mim se transformaria em uma arma natural de combate e de
despertar crítico.
Como
você vê a questão de determinados temas:
O cartum deve se curvar ao "politicamente correto"? Qual é o
limite do humor?
CG - Sou contra
este tipo de condicionamento aos limites do politicamente correto.
O cartum ou qualquer outra atividade
criativa ligada à comunicação não pode se submeter às diversas imposições e
regras ultrapassadas do mercado. Isso seria uma espécie de engessamento das
ideias.
Seu
trabalho já lhe levou a correr o mundo. Qual é sua melhor memória dessas
viagens?
CG
-
Outro dia fiquei pensando que, na verdade, os meus desenhos é que viajam mais
do que eu, possuem robusta e invejável quantidade de milhas acumuladas, já
cruzaram montanhas e oceanos. Atravessaram continentes e me possibilitaram,
muitas vezes, à distância,
acompanhá-los. Me lembro da minha primeira vez na Grécia, onde cheguei ao hotel
e encontrei um dos meus cartuns premiados, estampado em formato pôster imenso
no corredor principal da entrada de um suntuoso hotel, na ilha de Rhodes. Isso
é memorável e não tem preço que pague!
Quem
você admira no cartum baiano?
CG - Atualmente gosto
muito dos trabalhos de humor gráfico do Nildão, Café, Setúbal, Bruno Aziz,
Marlon Tenório, Cath Gomes e o Simanca.
Quantos
prêmios você já ganhou e tem algum especial?
CG - Costumo não
contar as premiações, mas acho que já ultrapassei a conta dos 60 prêmios. O
prêmio Imprensa, em 1992, no Salão Internacional de Humor de Piracicaba, o mais
importante do país, foi o mais significativo. Eu era um iniciante e havia
publicado o meu desenho na contracapa do jornal “O Cometa Itabirano”, um
audacioso jornal alternativo, muito presente na imprensa combativa mineira e
com reconhecimento nacional.
Quais
os principais desafios que um artista visual precisa superar para ter seu
trabalho valorizado pelo mercado?
CG - O artista tem
de ter autoconfiança e ser pertinaz na produção das suas obras. Isto é
fundamental para todos, iniciantes e veteranos. Apostar sempre na originalidade
das suas ideias e na qualidade do próprio desenho para mostrá-los em qualquer
plataforma. E, decididamente, resistir ao vício dos baixos cachês oferecidos.
Além disso, precisa ler muito para ter uma boa formação cultural, histórica,
filosófica e senso crítico da realidade. Conhecer outros países, culturas e
modos de vida também e necessário.
Você
já ilustrou o livro sobre Pastinha, Billy Jackson. Fale sobre essas publicações
e outras que você participou.
CG - Apesar de não
ser o primeiro livro ilustrado por mim, “Pastinha, o menino que virou Mestre de
Capoeira”- de José de Jesus Barreto e publicação da editora soteropolitana
Solisluna, abriu uma possibilidade fantástica e me deu visibilidade como
coautor e ilustrador infanto-juvenil na condição de finalista ao Prêmio Jabuti,
em 2012. Na sequência, fiz mais alguns livros logo depois: “ Odia em que os
gatos aprenderam a tocar jazz”, pela CEPE, Companhia Editora de Pernambuco, que
trouxe desenvoltura memorável na composição e técnica do meu desenho.
Já o álbum de HQ – Billy Jackson, é um
projeto que se viabilizou graças a perseverante parceria minha com o escritor
Victor Mascarenhas e a editora RV Cultura e Arte. Foi um trabalho que despendeu
muita energia de todos, e onde tivemos pouquíssimo tempo para entregar a
arte-final na gráfica. Acredito que foi um desafio muito bem sucedido e que
superamos as expectativas.
O
que você tem feito, Cau? Está publicando regularmente em algum veículo ou só
frilando? Pretende publicar algum livro, revista, algo assim?
CG - Publico
periodicamente na revista Courrier International, em Paris e na versão
brasileira do jornal Le Monde Diplomatique, além de ilustrar algumas revistas
nacionais.Recentemente fui convidado pelo Museu Nacional da Imprensa, em
Portugal,para desenvolver trabalho pioneiro de dois meses numa “Residência
Artística de Cartoon e Artes Gráficas” na Casa Wolinski, espaço destinado à
pesquisa e avanço da linguagem do cartoon e da caricatura na imprensa. Pude
desenvolver trabalhos inéditos, ministrei oficinas e palestras de humor e abri
meu portfólio a vários interessados, na maioria estudantes das escolas de
ensino técnico e superior de artes, na cidade do Porto. Tenho a intenção de
publicar um livro sobre os meus 30 anos de carreira, mas ainda está em fase de
planejamento.
Fale
de seus novos projetos para 2018... Sua carreira começou em 1988 no Diário de
Minas. De lá pra cá são 30 anos de atividade profissional.
CG
-
Não gosto de revelar os meus projetos, pois sou mineiro supersticioso. Mas
penso sempre que já passou da hora de produzir uma coletânea com os meus
principais trabalhos de humor gráfico, caricatura, charge, cartum, ilustrações
e pintura. Passa também pela minha cabeça um desejo antigo de publicar um livro
autoral.
Os 30 anos determinam uma passagem
definitiva de amadurecimento profissional. Contudo, sigo saudoso de um período
artístico laboratorial, muito proativo, onde outrora busquei intensamente as
experimentações no desenho, no uso das tintas, sem medo de cometer erros.
Que
balanço você faria de sua trajetória e o que mais destacaria nesse seu tempo na
Bahia?
CG – Costumo pegar
emprestada a frase de Gilberto Gil e dizer que a Bahia me deu “régua e
compasso”, me fez mais ligado às minhas origens africanas e expandiu o meu
universo como artista. Sou muito agradecido. Morar por tanto tempo no nordeste,
em Salvador, uma cidade banhada pelo oceano Atlântico, me fez navegar mais
longe e entender a complicada geopolítica brasileira.
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