16 abril 2018

Cau Gomez: 30 anos de pura essência humorística


O cartunista e artista plástico Cláudio Antônio Gomez, o conhecido Cau Gomez começou sua carreira em 1988, no Diário de Minas. São 30 anos de artes gráficas. De lá para cá já ilustrou diversos veículos de imprensa. Conquistou mais de 60 prêmios em diversos festivais e salões de humor no Brasil e exterior. Apaixonado pela fusão das linguagens do cartum e das artes plásticas, suas influências são amplas, indo de artistas plásticos clássicos aos mestres das histórias em quadrinhos. Hoje domina diversas técnicas. A experimentação é seu forte. Sua técnica é expressionista, cores poderosas e pinceladas soltas que foge ao lugar comum. A qualidade de seus traços gestuais, suas pinceladas, sua textura tem força e é pura essência. Quem ver seus trabalhos se transforma. Assim é Cau Gomez, um rapaz simples, mas que revela um traço sofisticado, imprimindo ao riso do brasileiro as tintas do cidadão que luta no dia a dia para sobreviver nesse circo chamado Brasil. Traço inquieto e irreverente que sempre consegue uma solução genial diante do caos do emaranhado de ideias. Quem acompanha a trajetória de Cau, percebe que ele é um artista completo, domina o cartum, a charge, a caricatura e artes plásticas sem perder a linha. Vamos conversar com o rapaz:

           
Fale um pouco como você iniciou sua carreira.

CAU GOMEZ - Fui trabalhar precocemente para ajudar no orçamento familiar e comecei profissionalmente aos 15 anos, na redação do jornal Diário de Minas, em Belo Horizonte, no ano de 1988. Tive muita sorte nessa época. Conheci jornalistas tarimbados, que ampliaram a minha criatividade e me abriram as portas do jornalismo. Não posso me esquecer de citar Sulamita Esteliam e Sebastião Martins, ambos empenhados em realizar uma revolução editorial e gráfica na imprensa mineira. Passei um bom tempo de aprendizado numa autêntica ponte entre a vida estudantil, a ilustração editorial e o fluxo frenético diário de produção de reportagens, notícias internacionais e manchetes. Eu produzia muito, e cheguei a perder a conta das ilustrações que desenhava diariamente. Ganhei dinâmica e velocidade no traço por conta do horário de fechamento das páginas.

Seu trabalho tem um toque bem pessoal, um misto de cartum com artes plásticas, confere?

CG - Sim. Mas procuro não ter muitas fronteiras entre os estilos e as técnicas, está tudo conectado dentro de uma coerência e matriz criativa. É algo que vem através das minhas buscas dentro das pesquisas que fiz ao longo da minha trajetória de três décadas nas artes. Considero que a essência artística deve ser preservada em qualquer formato ou plataforma.


Você é um artista que trabalha com diferentes linguagens: caricatura, desenho, pintura… Qual o critério que utiliza no seu processo criativo em relação ao uso dos diferentes meios de expressão artística? Quais são suas principais influências?

CG - Tenho influências em vários artistas que dominam espectros diferentes nas artes. Posso citar desde a força criativa e inquietante presentes nos trabalhos dos gênios da pintura clássica como Amedeo Modigliani, Toulouse Lautrec, Picasso, Rembrandt, Goya, Georg Grosz, Portinari, e a moderna Anita Malfatti entre outros, passando por outros que estabeleceram vínculos perpétuos com a sátira gráfica, como Honorè Daumier, Rafael Bordalo Pinheiro. Sigo admirador confesso dos desenhos viscerais do Luiz Trimano, Carlos Nine e Hermenegildo Sábat. Dos ingleses Ralph Steadman e Gerard Scarfe, absorvi o desenho cortante e o humor ácido. Dos caricaturistas franceses: Mulatier, Ricord e Morshoisne, a persistência e o apuro técnico na busca pela distorção perfeita nos rostos dos personagens caricaturados. No Brasil, Paulo e Chico Caruso, Loredano e o mestre de todos, Ziraldo, me ensinaram a dosar o estilo e me indicaram o quão longe o desenho de humor pode fincar bandeiras e quebrar barreiras.

Porém, não posso omitir as minhas profundas influências nascidas nos traços e nas histórias em quadrinhos de autores consagrados comoWalt Disney, Maurício de Sousa, Ziraldo, Stan Lee e outros fantásticos desenhistas da Marvel e DC Comics.


Quem você admira nas artes gráficas brasileiras?

CG - Além dos brasileiros que citei antes, Mário Vale, Miran, Zélio, Nelson Cruz, Marilda Castanha, Dálcio, Quinho, Duke, Rodrigo Rosa, Simanca, Marcelo Lélis e algum outro grande artista que, certamente, eu tenha esquecido de mencionar são excelentes nomes, cujas obras mantêm um excelente nível de composição gráfica e artística.

E na estrangeira?

CG - Admiro muito os estilos dos cartunistas e ilustradores oriundos das escolas latinas e europeias. Mas observo, com entusiasmo, há muito tempo, o surgimento de virtuosos artistas iranianos, turcos e chineses. Hoje o número de talentosos é expressivo. Fica difícil apontar uma região.

Como você entrou para o mercado das artes gráficas?

CG - Acredito que o próprio mercado sinaliza e demonstra interesse por novidades gráficas. É cíclico. O esgotamento natural no uso de uma linguagem gráfica também é outro sinal. Foi assim, nesse contexto, que realizei o meu primeiro grande contato profissional na editora Abril, muito bem sucedido, e entrei na redação da revista Playboy, em 1992. Logo de cara recebi um sinal verde do responsável pela direção de Arte da revista, Carlos Grassetti, e a encomenda para a elaboração de várias caricaturas. Essa colaboração durou sete anos e recebi um prêmio Abril de Jornalismo, em 1994, na categoria ilustração/caricatura – o primeiro deste tipo para a revista.


O que mudou no trabalho do cartunista com a evolução da internet?

CG - No início foi muito positivo com o encurtamento das distâncias. Tudo ficou muito instantâneo. Pouco tempo depois, coma chegada das redes sociais, mudou tudo. E para pior! O cartunista, chargista ou ilustrador não conseguiu manter os seus postos de trabalho nas publicações e teve de se transferir para um esquema informal na busca por novos clientes e admiradores na internet e suas redes sociais.


Quais são as técnicas que você domina?

CG - Caricatura, charge política, cartum, ilustrações para HQs, editoriais e infanto-juvenil. Utilizo as tintas acrílica, guache, lápis grafite, bastão aquarelado e menos frequentemente a tinta óleo nas pinturas em telas. Ainda pratico eventualmente e me interesso muito pelas técnicas de graffitti com o uso de spray. Adiciono na minha cartela de ferramentas o meu desktop contendo os softwaresphotoshop e illustrator para acabamento e arte-final das minhas imagens.

O trabalho na redação de um jornal diário é mais fácil ou mais difícil do que numa revista como a Playboy, por exemplo?

CG - É tudo muito parecido e uma correria medonha para atender ao bendito deadline. Mas há diferença basicamente no prazo. As revistas, de uma maneira geral, permitem mais tempo para a maturação de um layout e entrega da arte-final. Depende muito da organização do diretor de arte. Na redação de jornal é corriqueira a solicitação de ilustrações para a publicação na edição do dia seguinte. É uma coisa de louco!


Sua arte é politizada. Como você analisa o papel do artista em relação à interlocução com questões que envolvem política e direitos humanos, por exemplo?

CG - É vital pra mim poder imprimir em desenhos de humor toda a indignação que sinto ao me deparar com absurdos políticos e injustiças sociais e humanitárias aqui no Brasil e outras partes do mundo. Por ter vivido numa infância sem muitos recursos financeiros e vindo de uma família simples de trabalhadores, vi logo cedo que desenhar para mim se transformaria em uma arma natural de combate e de despertar crítico.


Como você vê a questão de determinados temas:  O cartum deve se curvar ao "politicamente correto"? Qual é o limite do humor?

CG - Sou contra este tipo de condicionamento aos limites do politicamente correto.
O cartum ou qualquer outra atividade criativa ligada à comunicação não pode se submeter às diversas imposições e regras ultrapassadas do mercado. Isso seria uma espécie de engessamento das ideias.

Seu trabalho já lhe levou a correr o mundo. Qual é sua melhor memória dessas viagens?

CG - Outro dia fiquei pensando que, na verdade, os meus desenhos é que viajam mais do que eu, possuem robusta e invejável quantidade de milhas acumuladas, já cruzaram montanhas e oceanos. Atravessaram continentes e me possibilitaram, muitas vezes,  à distância, acompanhá-los. Me lembro da minha primeira vez na Grécia, onde cheguei ao hotel e encontrei um dos meus cartuns premiados, estampado em formato pôster imenso no corredor principal da entrada de um suntuoso hotel, na ilha de Rhodes. Isso é memorável e não tem preço que pague!


Quem você admira no cartum baiano?

CG - Atualmente gosto muito dos trabalhos de humor gráfico do Nildão, Café, Setúbal, Bruno Aziz, Marlon Tenório, Cath Gomes e o Simanca.

Quantos prêmios você já ganhou e tem algum especial?

CG - Costumo não contar as premiações, mas acho que já ultrapassei a conta dos 60 prêmios. O prêmio Imprensa, em 1992, no Salão Internacional de Humor de Piracicaba, o mais importante do país, foi o mais significativo. Eu era um iniciante e havia publicado o meu desenho na contracapa do jornal “O Cometa Itabirano”, um audacioso jornal alternativo, muito presente na imprensa combativa mineira e com reconhecimento nacional.

Quais os principais desafios que um artista visual precisa superar para ter seu trabalho valorizado pelo mercado?

CG - O artista tem de ter autoconfiança e ser pertinaz na produção das suas obras. Isto é fundamental para todos, iniciantes e veteranos. Apostar sempre na originalidade das suas ideias e na qualidade do próprio desenho para mostrá-los em qualquer plataforma. E, decididamente, resistir ao vício dos baixos cachês oferecidos. Além disso, precisa ler muito para ter uma boa formação cultural, histórica, filosófica e senso crítico da realidade. Conhecer outros países, culturas e modos de vida também e necessário.


Você já ilustrou o livro sobre Pastinha, Billy Jackson. Fale sobre essas publicações e outras que você participou.

CG - Apesar de não ser o primeiro livro ilustrado por mim, “Pastinha, o menino que virou Mestre de Capoeira”- de José de Jesus Barreto e publicação da editora soteropolitana Solisluna, abriu uma possibilidade fantástica e me deu visibilidade como coautor e ilustrador infanto-juvenil na condição de finalista ao Prêmio Jabuti, em 2012. Na sequência, fiz mais alguns livros logo depois: “ Odia em que os gatos aprenderam a tocar jazz”, pela CEPE, Companhia Editora de Pernambuco, que trouxe desenvoltura memorável na composição e técnica do meu desenho.


Já o álbum de HQ – Billy Jackson, é um projeto que se viabilizou graças a perseverante parceria minha com o escritor Victor Mascarenhas e a editora RV Cultura e Arte. Foi um trabalho que despendeu muita energia de todos, e onde tivemos pouquíssimo tempo para entregar a arte-final na gráfica. Acredito que foi um desafio muito bem sucedido e que superamos as expectativas.


O que você tem feito, Cau? Está publicando regularmente em algum veículo ou só frilando? Pretende publicar algum livro, revista, algo assim?

CG - Publico periodicamente na revista Courrier International, em Paris e na versão brasileira do jornal Le Monde Diplomatique, além de ilustrar algumas revistas nacionais.Recentemente fui convidado pelo Museu Nacional da Imprensa, em Portugal,para desenvolver trabalho pioneiro de dois meses numa “Residência Artística de Cartoon e Artes Gráficas” na Casa Wolinski, espaço destinado à pesquisa e avanço da linguagem do cartoon e da caricatura na imprensa. Pude desenvolver trabalhos inéditos, ministrei oficinas e palestras de humor e abri meu portfólio a vários interessados, na maioria estudantes das escolas de ensino técnico e superior de artes, na cidade do Porto. Tenho a intenção de publicar um livro sobre os meus 30 anos de carreira, mas ainda está em fase de planejamento.


Fale de seus novos projetos para 2018... Sua carreira começou em 1988 no Diário de Minas. De lá pra cá são 30 anos de atividade profissional.

CG - Não gosto de revelar os meus projetos, pois sou mineiro supersticioso. Mas penso sempre que já passou da hora de produzir uma coletânea com os meus principais trabalhos de humor gráfico, caricatura, charge, cartum, ilustrações e pintura. Passa também pela minha cabeça um desejo antigo de publicar um livro autoral.
Os 30 anos determinam uma passagem definitiva de amadurecimento profissional. Contudo, sigo saudoso de um período artístico laboratorial, muito proativo, onde outrora busquei intensamente as experimentações no desenho, no uso das tintas, sem medo de cometer erros.


Que balanço você faria de sua trajetória e o que mais destacaria nesse seu tempo na Bahia?

CG – Costumo pegar emprestada a frase de Gilberto Gil e dizer que a Bahia me deu “régua e compasso”, me fez mais ligado às minhas origens africanas e expandiu o meu universo como artista. Sou muito agradecido. Morar por tanto tempo no nordeste, em Salvador, uma cidade banhada pelo oceano Atlântico, me fez navegar mais longe e entender a complicada geopolítica brasileira.


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