Num
país como o Brasil, qual deve ser o papel dos autores de quadrinhos?
SETÚBAL - Qualquer
profissão ou atividade requer da pessoa dedicação, seriedade, identificação,
amor, reciclagem constante, empenho, consciência dos direitos e deveres
inerentes à profissão. Os que criam argumentos têm que ter bom nível de
leitura, buscar descobrir os meandros da feitura de um texto, como escapar dos
lugares comuns, como ser coerente, produzir um argumento que não seja
repetitivo, enfadonho, que desperte a atenção, sabendo dosar as coisas, prendendo
a atenção dos leitores, que se mostre prazeroso de ler do início ao fim. Buscar
criar personagens que despertem o interesse do público, que cativem as pessoas,
que façam com que elas se sintam identificadas com suas ações, personalidade,
atitudes, tomando cuidado com os estereótipos. Esquecer essa história de que
“nada se cria, tudo se copia” e buscar fazer coisas que tenham sabor de novo,
evitar copiar fórmulas consagradas que as pessoas de longe identificam suas
origens. Ser o mais verdadeiro que puder ser ao criar. Isso tudo vale também
para os desenhistas, que têm que desenhar bastante para limpar o traço,
conhecer mais anatomia, paisagens, animais, desenhar, desenhar, fazer, refazer,
trabalhar, trabalhar muito, procurando melhorar a cada dia. E também ler muito,
e não só quadrinhos. Ter uma formação cultural mais aprimorada, eleva muito o
nível do que você faz. Para ambos, vale procurar conhecer o melhor possível o
mercado, saber o terreno em que pisam, procurar caminhos e alternativas. No
mais, lutar muito, sem esmorecer, que o terreno das artes para a maioria dos
artistas que nele pisam não costuma se mostrar um Eldorado.
Quais
motivos para os quadrinhos não se firmarem no Brasil?
SETÚBAL - Do ponto de
vista de aceitação do popular, os quadrinhos são uma realidade no Brasil, há já
um bom tempo, depois de lutar contra os preconceitos dos reaças de plantão,
sempre presentes na vida brasileira. Como realidade editorial, não existe um
campo de trabalho consistente para nossos profissionais. E o mercado volta e
meia fala em crise, dificuldades. Os fatores atuantes contra os quadrinhos e
seus criadores brasileiros são diversos. Em parte, porque nossa cultura sofre,
como outros setores, as dificuldades oriundas da economia do país. Publicar e
distribuir livros e revistas por aqui são coisas que dificilmente um artista
pode pagar do próprio bolso. Outro entrave importante surge por uma antiga
problemática: o domínio, entre nós, da cultura made in USA, que se apropria de nosso mercado, nossas artes,
corações e mentes. Outras áreas culturais também sofrem com isso. O cinema
nacional até hoje não se firmou, embora tenha produzido bons filmes, e de
contarmos com bons profissionais. Os EUA dominam o cinema em boa parte do
mundo, por terem uma economia forte, por produzirem toneladas de filmes de
forma industrial, por dominarem os mecanismos de distribuição e de veiculação
de seus filmes. Por outro lado, depois de décadas assistindo o tipo de cinema
que normalmente os EUA fazem, a população se vicia naqueles tipos de
narrativas, normalmente lineares, nas mensagens, propósitos, personagens. Assistimos
pouco ao que é nosso e até mesmo as produções de outros países é bem cerceada.
Deixamos de ver belíssimos filmes feitos por outras culturas, por exemplo, Ásia
e Europa, porque o monopólio cinematográfico norte-americano nos empurra seus
produtos, seus filmes e séries que, apesar de costumeiramente terem qualidade
técnica, na sua maior parte nada trazem de novo em conteúdo. E ficamos privados
de ver grandes maravilhas do cinema chinês, japonês, coreano, espanhol,
italiano, francês, do leste europeu e por aí vai. Não são apenas as ditas
pessoas comuns que ficam sujeitas a essa dominação. Gentes com leitura, de bom
nível cultural, mostram que se deixaram enredar por grandes limitações
intelectuais, desconhecem quase que totalmente tudo que de bom se faz fora do
cinemão norte-americano, praticamente só conhecem, só sabem falar de filmes e séries
made in USA, só sabem citar atores, cineastas, séries e filmes
norte-americanos, costumam ser apaixonados por efeitos especiais e outras
maravilhas técnicas nas quais os de Hollywood e adjacências são mestres. Então,
esse domínio cultural se estende também aos quadrinhos, recebemos uma grande
carga massificadora por parte das grandes editoras americanas, que lucram com
produtos que vendem e revendem amparadas por grandes marketings. Já para o profissional brasileiro é uma tarefa hercúlea
produzir material e receber um valor que o permita viver dignamente de seu
trabalho. Os empresários brasileiros e as editoras, por outro lado, sabem que o
produto norte-americano, além de marketing
garantido, são bem mais baratos. Então, do ponto de vista de mercado, o
trabalho brasileiro é considerado caro em relação aos chamados enlatados
ianques. E nesse campo também há o mesmo problema de aculturamento em relação a
personagens e argumentos. Quanto à qualidade dos nossos profissionais,
melhoramos tremendamente na parte gráfica, vemos por aí coisas maravilhosas.
Temos também bons argumentistas e roteiristas, mas acho que nesse quesito
mostramos ainda um grande déficit, por parte de muitos que não se preparam
devidamente para fazer um bom trabalho, com índice de leitura que deixa a
desejar, caem na mesmice, repetem fórmulas que assimilaram do trabalho
estrangeiro, pouco trazem de novo, mostram-se superficiais nas suas criações. Outra
coisa a considerarmos na lista de dificuldades está no advento da informática,
e mesmo da TV a cabo, que creio que têm feito pessoas deixarem de comprar coisas
do mundo das artes, CDs, DVDs e também as revistas, o que dificulta ainda mais
as coisas. Agora, o que não se pode, é desistir, mesmo diante de tudo isso. Devemos
seguir insistindo para que um dia possamos acabar superando esses empecilhos. É
difícil, mas é possível, com certeza, veja o caso da nossa música. A música no
Brasil sempre enfrentou problemas semelhantes, mas com o grande talento de seus
artistas e a necessária persistência foi abrindo trincheiras, ampliando os
caminhos e hoje já li entrevistas de artistas estrangeiros dizendo que somos
uma grande potência nesse setor, uma referência importantíssima no mundo
inteiro. Vale lembrar que, mesmo diante desse quadro não muito favorável aos
nossos quadrinhos, há profissionais do desenho e do texto, bem profícuos e
batalhadores, que descobrem por conta própria fórmulas que os permitem editarem
e publicarem suas próprias criações em um considerável número de livros.
Que
autores de quadrinhos você admira?
SETÚBAL - Há zilhões de
excelentes autores, desenhistas, argumentistas, arte-finalistas, coloristas.
Sempre houve. Por um tempo os norte-americanos reinaram soberanos no gosto
popular. Depois vieram os grandes artistas europeus, como Moebius, Manara
Uderzo e uma galera fantástica que chegava até nós de uma forma mais
sofisticada, álbuns de luxo, muitos com capa dura. Faço muitas restrições a
certas artes feitas nos EUA, filmes e quadrinhos, acho-os com uma tendência
para o óbvio, para o que é previsível, costumam abusar de fórmulas de
estereótipos, o good guy, o bad guy. O mundo dos super-heróis, então, nem se
fala, fiquei saturado. E tem o lance de que a cultura norte-americana, que nos
chega através de filmes e revistas e livros, vende-nos um tipo de pensamento
que coloca o povo ianque como bondoso, justo, correto, amistoso, solidário, um
ser superior aos de outros povos, coisas que acabam se apossando da mente de
muitos, gera entre nós o famoso complexo de vira-latas, que Nelson Rodrigues
falava. Os quadrinhos made in USA,
por exemplo, eram sempre assexuados ou moralistas. Aí vieram Manara, Serpieri e
Moebius e outros europeus, franceses, italianos, belgas, espanhóis, etc., que
nos trouxeram uma sexualidade explosiva em seus trabalhos, tornando os
quadrinhos mais verossímeis e de leitura instigante. Apesar dos zilhões de
autores excelentes no universo dos quadrinhos, tenho a minha base, da qual
nunca esqueço. O desenhista que mais me causou admiração nos quadrinhos foi, e
segue sendo até hoje, o Flavio Colin, com suas maravilhosas Aventuras do Anjo,
feitas com um oceano de nanquim - puro deleite! - sendo ele um cara que mostrou
desde o início um talento invulgar. O Pererê, de Ziraldo, é fabuloso,
notadamente os da fase O Cruzeiro. Pelos personagens e desenhos de Carlos Estevão,
também sempre tive uma imensa paixão. Não posso deixar de citar gente como
Jayme Cortez, Gutemberg Monteiro, Júlio Shimamoto, Monteiro Filho, Getúlio
Delphin, Antonio Euzébio, Ignácio Justo, Edmundo Rodrigues, Nico Rosso, Eduardo
Teixeira Coelho, Claudio Seto, Minami Keizi, Zalla, Colonesse, Watson Portela.
São muitos os que gosto, uma lista interminável, impossíveis citá-los todos. Há
um cara de quem sou incondicional admirador, o Percy Lau, que não fazia
quadrinhos mas desenhava coisas estupendas, tipos, cenas do cotidiano e
paisagens do Brasil para livros de Geografia. E há os clássicos, como Hal
Foster e seu apaixonante Príncipe Valente, Alex Raymond, com Flash Gordon e Rip
Kirby, Fred Harman, com Bronc Peeler, Al Capp, com Ferdinando e a Família Buscapé,
V.T. Hamlin, com Brucutu, Shester Gould, com Dick Tracy, Milton Caniff, Frank
Robbins, Jack Kirby e tantos outros monstros norte-americanos. Há Bernet e
Abuli, com Torpedo, Tamburini e Liberatori, com Ranxerox, os desenhistas de Ken
Parker, como Milazzo e outros, sempre foram notáveis. E há Moebius, Manara e
tantos e tantos mais, maravilhas que preencheram minha alma quando menino ou
adolescente, ou mesmo na idade adulta. Hoje, as HQs de super-heróis made in USA tem desenhistas fantásticos,
alguns brasileiros. Mas são quadrinhos que há muito tempo deixaram de me
seduzir, como já disse. Folheio alguns, acho uma maravilha muitos dos traços e
cores, e é só. Tantos desenhistas habilidosos, gente que sabe escrever, mas o
que vejo naquilo tudo uma mesmice total, transmitindo valores questionáveis. Atualmente,
o desenho do mineiro Mozart Couto eu curto muito. O trabalho de Deodato filho
justifica a legião de fãs que tem. Na verdade, há um número bem elástico de
grandes artistas fazendo com competência quadrinhos e cartuns nesse planeta.
E
na área de cartuns, charges e caricaturas?
SETÚBAL - Um aspecto que
me chama a atenção nessa área é que os leitores brasileiros sempre demonstram
uma paixão maior quando os quadrinhos são feitos por cartunistas, colocando o
humor como elemento de frente. O quadrinho mais tradicional tem grandes
artistas em sua feitura, alguns quadrinhos conseguiram fama. Mas, em termos de
aceitação popular, nada parece se comparar aos quadrinhos feitos por cartunistas
talentosos, como Laerte, Angeli e Luiz Gê, por exemplo. Suas revistas marcaram
época, quando lançadas, causaram furor, tendo milhares de leitores incondicionais.
Pena que elas acabem sucumbindo diante do mercado. Mas não sem antes dizerem ao
que vieram. Há gente que não se pode deixar de citar, como J. Carlos, Loredano,
Paulo e Chico Caruso, Lan, Trimano, Jaguar, Cárcamo, Cau Gomez, Biratan Porto, J.Bosco,
Santiago, Canini, Sampaulo, Nássara, Sábat, Sempé, Al Hirschfeld, Quino,
Steinberg, Aragonés. Há os profissionais da Bahia, Théo, Lage, Nildão, Aps,
Valtério, Cedraz, Gentil, Caó, Zé Vieira, Helson Ramos, Hoisel, Davi Sales, Hector
Salas, Vitor Souza, colorista, Gonçalo Junior, argumentista, Sidney Falcão, Flávio
Luiz, Simanca, Carlos Resende, Ruy Carvalho, Aziz e outros tão competentes
quanto os citados. Se no passado os cartunistas brasileiros se contavam nos
dedos, atualmente a coisa mudou e existem miríades de profissionais com ótimos
trabalhos no Brasil. Volta e meia folheio as revistas que guardo a sete chaves
no meu tesouro gráfico, compro os álbuns com relançamentos e me divirto muito,
curto os desenhos maravilhosos que trazem. Também no humor, charges e
caricaturas o número de artistas que admiro é grande, dos novos aos antigos,
gente do Brasil e do mundo todo, como Bill Watterson , o criador dos
fantásticos personagens, Calvin e Haroldo, ou, no original, Calvin and Hobbes,
com inspirações em Calvino e Thomas Hobbes, autor da célebre frase “O homem é o
lobo do homem.”. Aliás, isso já dá uma medida do preparo, do lastro cultural
que deve ter um grande criador, desenhista ou argumentista.
Qual
seria o caminho para a produção brasileira conquistar o devido espaço e o
merecido reconhecimento?
SETÚBAL - Os
profissionais brasileiros da área procuram a fórmula há décadas para conseguirem,
ao menos, um mínimo de respeito profissional e a possibilidade de viver do que
produz. A tal fórmula ainda não foi encontrada, infelizmente. Pouca gente furou
o bloqueio e conseguiu grande sucesso financeiro e profissional, como Maurício
de Souza, Ziraldo e alguns mais. As coisas, como comentei, passam também por
fatores outros que independem da vontade dos artistas. Essa é uma trincheira
difícil de ocupar nessa guerra pela sobrevivência. Há o fator econômico que
pesa muito, há o sentimento de colonização que nos assola há tempos. Diante de
tantas e tamanhas dificuldades, só resta aos artistas lutarem por seus sonhos,
se empenharem a fundo, procurar deixar sua marca na história da arte do Brasil.
Há essa coisa de trabalhar para o mercado estrangeiro, desenhar super-heróis
nos moldes americanos, garotas loiras com peitões quilométricos, cenários e
situações estranhas ao nosso cotidiano. Quem achar isso bom, que tente, não se
pode criticar quem busca afirmar-se em um mercado de tão poucas possibilidades.
Quanto a mim, não vejo graça em fazer algo artístico com o qual não tenho a
mínima identificação.
Você
lançou um site na internet comentando diversos trabalhos nas artes gráficas. A
internet e uma opção para a profissionalização ou apenas um meio de divulgação
de nossos talentos?
SETÚBAL - Na área
gráfica, onde transitam os cartunistas e quadrinistas, a internet tornou-se
imprescindível. Hoje ela é fundamental na vida das pessoas em incontáveis
aspectos. Tanto é verdade que, vendo nisso uma fonte de altos lucros, tem uns
crápulas da política e do empresariado tentando nos tirar o acesso democrático
a essa ferramenta, deixando-a sobre controle de operadoras e desse rico
empresariado que quer de tudo extrair um lucro fabuloso. Há parvos que até
acham isso muito natural, mas acontece que um país é um país, não pode se
transformar em um armazém de secos e molhados, um grande shopping center em que só consegue as coisas quem tem dinheiro
suficiente para bancar o que quer, e quem não tem que se dane. Criei o blog em
maio de 2009, quando já me encontrava desempregado, e o fiz pensando em
conseguir trabalhos avulsos, uns frilas
fazendo caricaturas ao vivo em eventos. Achei que o blog me ajudaria na divulgação
dessa minha especialidade, gerando convite para trabalhos, uma fonte de renda.
Até que funcionou, em parte, mas ficou muito distante do que eu pretendia.
Então fui deixando essa coisa de divulgação de lado e passei a usar o espaço
para me manter em forma fazendo o que sei fazer e fui postando os meus desenhos,
cartuns, caricaturas, quadrinhos, coisas que curto escrever, textos diversos e
poesias com humor, crônicas, comentários. Diversifico, falo do trabalho de
outros artistas, posto textos celebrando minhas amizades, meus bons amigos de
uma vida toda, um bom número de histórias vividas de fato, falo de
acontecimentos que presenciei, buscando usar do humor e de um tom mais leve.
Garimpo bons filmes na internet, películas que não são parte desse cinemão
comercial, dos blockbusters que ocupam
salas de exibição e telinhas de TV, Netflix e coisa e tal. Vejo filmes, cults ou não, que me dão prazer de ver,
franceses, italianos, chineses, japoneses, mexicanos, coreanos, argentinos,
espanhóis, produções norte-americanas independentes, depois falo um pouco sobre
tais filmes, falo de atores e cineastas que gosto, pouco conhecidos do público
brasileiro, cantores, poetas, humoristas. Tento também passar um pouco da minha
visão de cidadão brasileiro que se vê diante dos acontecimentos que envolvem o
país. Escrever, passar ideias com a escrita, lidar com as palavras, é para mim um
prazer enorme. Escrevendo me mantenho atualizado com nossa língua portuguesa,
sigo enriquecendo meu vocabulário, tentando conhecer melhor o sentido de certas
palavras e o valor de empregar algumas delas ao invés de outras. É claro que um
blog no estilo do meu não é um grande atrativo para os internautas comuns. Eles,
certamente, preferem ver um fenômeno do momento, um desses youtubers que empesteiam a rede e que são seguidos por zilhões de
adolescentes e sabe-se lá por mais quem. Para receber cerca de 150 mil
visualizações meu blog levou mais de oito anos, enquanto que tais youtubers conseguem isso em umas poucas
horas. Ainda assim, sem postar memes nem
vídeos de conteúdos duvidosos e de humor questionável, as estatísticas do
Blogger mostram que tenho um número considerável de leitores dentro e fora do
Brasil, em países do primeiro mundo e de países que mal conheço de nome. Como
nesse planeta existe toda espécie de gente biruta, pode ser que as estatísticas
expressem a verdade, mas eu não saberia dizer qual é o perfil das pessoas que
leem meu bloguito, nem porque voltam a acessar outras vezes. Há muito tempo
aboli os comentários, por entender que a internet, se é tão bom e saudável por
um lado, por outro tem a característica de nos colocar em contato com
determinados tipos de pessoas com mentes, digamos, capazes de produzir coisas
bem pouco salutares.
Em
2016 você participou de uma revista em quadrinhos (Terras Americanas) que
questionava os super-heróis. Fale sobre essa produção.
SETUBAL - Foi um prazer
enorme integrar a equipe que produziu Em Terras Americanas, atuando como
desenhista, tanto penciler, quanto
arte-finalista. Adoro o exercício solitário de criar meus próprios argumentos e
personagens. Mas também é altamente recompensador trabalhar em equipe quando
você gosta e confia no talento das pessoas que formam tal equipe. Tom S.
Figueiredo criou um tipo de HQ com personagens diferenciados, algo que mistura
poesia, realidade, ficção, doçura e alta violência. Um argumento que envolve
personagens e o universo de super-heróis, mostrando-os em momentos de ação e
tensão, mas também em instantes de relax, como cidadãos comuns. Personagens, à
primeira vista, como nos moldes que conhecemos, feitos nos EUA. Mas Tom é um
escritor, um cara com muita imaginação e acaba conduzindo o leitor para
situações e desfechos inesperados. Além disso, trabalhei com meu amigo Vitor
Sousa, grande figura, colorista experimentado do Estúdio Cedraz, o que aumentou
ainda mais a minha alegria em fazer a HQ, aliás, uma trilogia, vez que a
história é contada em três revistas, num total de mais de sessenta páginas
coloridas. Tive que voltar a treinar muito anatomia, fazer milhões de estudos, criando
os personagens. Mas trabalhar com Tom e Vitor compensava o esforço de criar
tantas páginas e personagens. Na HQ, há algumas homenagens a amigos, ídolos e
personagens famosos, retratando-os, o que só aumentou o prazer em fazer o
trabalho. Só foi possível fazer revistas com a qualidade que fizemos por serem
bancadas por verbas governamentais destinadas a subsidiar projetos de cunho
cultural. A equipe trabalhou com grande profissionalismo e recebemos os
pagamentos correspondentes às etapas com toda lisura profissional, o que só fez
ajudar em muito. Acho apenas que o trabalho poderia ter sido mais bem divulgado
pelo Brasil, mas aí entram fatores com os quais não lido, nem sei discorrer a
respeito. Falo isso por entender que fizemos um trabalho sem precedentes na
Bahia, um trabalho em equipe que tratava de tema não infantil ou de cartuns.
Trabalhamos em uma linha inédita, o trabalho ficou de alto nível profissional,
mas seria melhor ainda se um número mais amplo de pessoas nesse grande Brasil
tivesse acesso a ele.
A
imprensa hoje fechou seu espaço para as artes gráficas. Por que está
acontecendo isso em sua opinião?
SETÚBAL - Esse
fechamento do espaço é coisa dura, ninguém esperava que um dia isso
acontecesse. O mundo tem mudado muito e rápido. Nem dá tempo para encontrarmos
as respostas para o porquê de tantas mudanças aparentemente bruscas. O mundo se
tornou mais acelerado, isso já vem ocorrendo em diversas áreas. Por exemplo, a
chegada dos shopping centers fez
afundar boa parte do comércio feito em moldes antigos, Baixa dos Sapateiros,
Cidade Baixa. Os cinemas foram perdendo espaço para as igrejas evangélicas, os
antigos caixeiros viajantes foram varridos pelas vendas via internet. As TVs a
cabo e a internet atingiram o comércio dos CDs e DVDs, incluindo o comércio
pirata desses produtos, veja só que coisa. A chegada da internet e as TVs a
cabo, também foi acabando com os jornais impressos. Antes o sujeito comprava um
jornal para ver notícias. Agora, com tantas fontes, ele já sabe hoje mesmo as
tais notícias antes que saiam amanhã nos jornais, muitas vezes, mais e melhor
do que o jornal imprimiu e veiculou no dia posterior ao acontecimento. Com sua
importância e prestígio diminuídos, os jornais impressos viram suas vendas
despencarem, as publicidades e os lucros minguarem. Isso acaba provocando
inúmeras demissões de profissionais do setor, incluindo chargistas e
ilustradores. Os desenhistas todos buscam novas maneiras de encaixar seu
trabalho no mercado, buscando ampliar as ofertas, oferecendo novos serviços
gráficos. Ou partindo para outros mercados. O que não se pode fazer é ficar
parado, chorando as pitangas, isso só piora as coisas. O mundo sempre conheceu
suas crises e, como diz a canção interpretada por Armstrong, devemos buscar andar
no “sunny side of the street”.
Fale
de sua produção nas artes plásticas
SETÚBAL - Sempre tive a
versatilidade como característica e eu gosto de diversificar o que faço. Busco
fugir da mesmice, das repetições, o que nem sempre é fácil. Pintar é coisa que
sempre gostei e busquei aprimorar com um aprendizado empírico, fazendo,
fazendo. Fiz painéis, pintei telas, fiz coletivas e individuais, tive ateliês,
sempre lutando muito. Consegui vender muitos trabalhos, tenho um bom número de
telas minhas espalhadas por diversas partes do Brasil e mesmo do mundo, já que
a Bahia é terra visitada por muitos estrangeiros e, aqui estando, eles buscam
comprar coisas que marquem sua passagem pela boa terra. Também ganhei prêmios
em Salões da Bahia, depois de já haver sido premiado antes, como cartunista.
Pintar é bom, é gostoso, é motivador. O mercado, por sua vez, é bem complicado,
o material é dispendioso. Ter marchands está
incluído nessas complicações, também, por isso sempre segui em frente sozinho,
mesmo sem saber lidar muito bem com essas questões do lado prático da coisa,
vendas, empacotamento, envio, divulgação, contatos, negociação de exposições.
E
as propostas futuras?
SETÚBAL - Como dizem os
muito engraçadinhos, “no futuro, adeus pertences.” Rsrs. Viver é bom, malgrado
as dificuldades e toda sorte de complicações e situações insondáveis que, muita
vez, a vida nos reserva. A mesma saúde que desejo a todos os viventes, quero
para mim, para seguir criando, produzindo, curtindo a companhia de meus seres
queridos.
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