São 180 páginas coloridas e ilustradas
por Rodrigo Rosa. Roteiro assinado por Eloar Guazzelli, a
versão em quadrinhos
de Grande Sertão: Veredas, clássico da literatura segue o texto original de
Guimarães Rosa para reconstruir as questões de amor e morte, do homem de deus
ou do diabo, da jagunçagem no sertão. Essa ousada transposição em edição
limitada e numerada tem acabamento de primeira.
“Carece de ter coragem. Carece de ter
muita coragem”. A iniciativa dos herdeiros do autor e da Editora Globo leva ao
leitor em linguagem de graphic novel com altíssima qualidade plástica.
Guazzelli tem experiência com cinema,
animação e roteirização, também é um ilustrador premiado, além de grande
admirador de Guimarães. Equilibrando elementos contos e abstratos, explorando
as diferentes passagens, as revelações, e criando ritmo, Guazzeli colaborou com
o trabalho do também premiado ilustrador Rodrigo Rosa, que possui um dos traços
mais ricos entre os ilustradores brasileiros.
O cartunista, ilustrador, quadrinista e
jornalista Rodrigo Rosa soube explorar os elementos psicológicos, históricos e
o mistério da obra. Trouxe uma visão moderna, contemporânea e ousada do
imaginário roseano.
NONADA
Mágico supremo da literatura brasileira,
Guimarães Rosa vê o ato de escrever como um processo alquímico e o escritor
como um feiticeiro: “Para ser um feiticeiro da palavra, para estudar a alquimia
do sangue do coração humano, é preciso provir do sertão”. O escritor poeta
Guimarães sabia o segredo da magia. Ele lidou com palavras como entidades
mágicas. Assim também o fez o quadrinista. Com as mãos cheias de magia ele
transformou a linguagem de Guimarães em metáforas gráficas como conchas no mar
que podem conter a água em seu vazio e o barulhinho das ondas.
Segredos e mistérios. Palavras grávidas
com sentidos imprevisíveis se abriram para horizontes indefinidos dos desenhos.
Prosa é conhecimento. Desenhos, sentimentos. Nos seis interstícios moram
palavras não ditas, desenhos etéreos como o vôo dos pássaros. Essa imagem
poética é uma explosão de cores onde o passado longínquo ressoa em ecos do
sertão. Cada quadrinho está cheio de vôos que escapam ao nosso controle. Em
seus quadrinhos os desenhos explodem as páginas que os prende, e voam
levando-nos em suas asas. E como escreveu K.Marx, “o que era uma luz interior
se transforma num fogo consumidor que se derrama parta fora”.
Grande Sertão: Veredas traz marcas
visuais tão expressivas e portadoras de significados quanto as palavras
escritas. Se colocam aos olhos do leitor, convidando-a a um outro caminho de
percepção e de leitura. O Rio São Francisco, espinha dorsal, é a grande
testemunha que atravessa todo o sertão, como um olho divino-demoníaco, índice
do que tudo vê e tudo sabe, participante dos mistérios do viver.
“Vida é sorte perigosa
Passada na obrigação:
Toda noite é rio-abaixo,
Todo dia é escuridão...”
Macambira, quixabeira, xiquexique são
vegetais que conversam e falam do grande sentimento humano. E as
palavras/desenhos tomam uma dimensão profética, poética no convívio com a
intimidade das palavras. Naquela apreensão pessoal, única e insubstituível que
todo leitor tem o direito de construir e de desfrutar.
Para Guimarães Rosa, esse universo da
linguagem era o território daquele encantamento a que a vida das pessoas se
dirigia, onde elas podiam, vislumbrar a perenidade dos gestos e de seu sentido.
Se viver era perigoso, a vida era o inevitável travessia em busca de seu
significado.
O fazendeiro Riobaldo recebe um
visitante e lhe conta a história da sua vida. Foi chefe de jagunços, entrou
para as lutas sertanejas acompanhando as forças de polícia que perseguiam os
bandos. Depois passou para o outro lado, sob a chefia de Joca Ramiro que é
assassinado e ele vai em busca de vingança. Riobaldo assume a chefia e se
descobre apaixonado por seu companheiro de lutas, Diadorim e, no final, o
grande segredo se revela.
Um dos maiores méritos do autor que como
médico visitava diversos municípios do sertão, anotava tudo que ouvia. Mais
tarde, ao escrever suas obras, ele trazia para o texto escrito uma
característica tão marcante das tradições orais de nosso povo: a recriação “de
ouvido” de palavras e modos de falar dos
saberes eruditos. O que ele fez foi iluminar, como poucos, a paisagem e
linguagem do sertão brasileiro.
NONADA.
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