07 outubro 2015

Entre o cristal e a fumaça



O conhecimento transforma e emancipa. Em seu novo livro, Entre o Cristal e a Fumaça, o professor João
Carlos Salles fez uma autorreflexão entre filosofia e escritura. Expõe sua orientação wittgensteiniana. E constrói um texto onde entrelaça com naturalidade e virtuosismo o simples e o complexo, o concreto e o abstrato, o cristal e a fumaça, perguntando em pleno discurso de posse com Reitor da UFBA: “O que é mesmo uma Universidade?”.

E no seu projeto de uma universidade autêntica ele retoma o que disse, há cinco anos no seu discurso de posse na diretoria da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas:  “Uma Universidade autêntica nunca se resume a uma instituição de ensino, nem é sua marca própria a mera prestação de serviços. Uma Universidade pode formar pessoas e ter um ensino de qualidade exatamente pelas pesquisas que desenvolve e pela relação singular e orgânica que estabelece com a comunidade. Assim, como instituição pública, democrática e gratuita de ensino superior, a Universidade se caracteriza por produzir conhecimento, mantendo uma necessária relação com a sociedade em que se insere, de sorte que tal laço indissolúvel entre ensino, pesquisa e extensão deve ser bem mais do que uma simples bandeira. Tal laço nos define. Desse modo, dada a sua natureza, seu compromisso com a produção de conhecimentos e sua interação com a sociedade, a Universidade torna-se lugar natural de concorrência entre saberes e também de crítica e reflexão, sendo forte e necessária sua resistência ao que porventura possa ameaçar seu espírito crítico” (pag.10).
 
O que ele articula é autonomia e capacidade de produção de conhecimentos, perspectiva crítica e independência em relação ao mercado, a partidos e governos. Para ele a UFBA é um “lugar privilegiado de mediação (...) o lugar da imprevisibilidade, da criatividade, da diversidade, da transformação” (pag.17).

“Se a olharmos de dentro, não com o olhar de um eventual consumidor, mas com o olhar de cidadãos, a UFBA tem aura. É vida. Não tem a organização e a fixidez dos cristais, nem é volátil com a fumaça. Entre o cristal e a fumaça, é organismo, e mais do que organismo, é espírito” (pag.18).

O segundo capítulo, A Invenção da Escrita, é o discurso de posse na Academia de Letras da Bahia, onde passou a ocupar a cadeira 32, que tem como patrono um conterrâneo de Cachoeira: o abolicionista André Pinto Rebouças.

E dentro da gramática do necessário e do possível, em cujos limites se distinguem o significativo e o relevante, o que toca nos valores mais elevados e pode unir ética e estética, Salles define seu trabalho filosófico como “aprender a nascer”.

E no seu estilo de escrever de uma forma poética, pincelada com o barroco do recôncavo, originário da bela cidade monumental Cachoeira. E é lá que ele recorda seu nascimento, a paixão pelas letras, o impacto com a mudança para Salvador, a paixão de Drummond, Cassiano, Pessoa, Murilo Mendes entre outros até chegar à sua paixão pela UFBA como professor, pesquisador e gestor. Lembra Isaías Alves, Theodoro Sampaio e André Rebouças, “entre o demasiado humano e o divino, entre o grotesco e o sublime. No recôncavo, mesmo o simples, o estilo mais ático, tende ao barroco” (pag.43).

Á guisa de posfácio – A saudação de Paulo Costa Lima é o discurso de recepção na Academia de Letras da Bahia em 2014 onde ele fala da relação entre filosofia e escritura. Apresenta o seu compromisso com a UFBA, e duas entrevistas. Uma concedida a Mariluce Moura e publicada na revista Bahiaciencia e outra a Katia Borges e publicada na Revista Muito.

Os textos de Salles são breves impulsos. É preciso tomar cuidado para não levar choque com eles. Se tentarmos explicar tudo, cortamos a corrente. Os fios podem ser rompidos a qualquer momento. João Carlos Salles torceu os caminhos burocráticos do pensamento e ultrapassou os limites da academia.

Acompanhe o fio do pensamento salesiano, entenda as causas, preste atenção a todos os números, detalhes, mantendo sempre em mente o contexto gerado. Assim a filosofia de Salles é essencial.

FILOSOFIA

A filosofia não é um conjunto de conhecimentos ou de doutrinas, mas uma atitude ou posicionamento perante a vida. Fazer filosofia é como viajar sem sair do lugar, um movimento subterrâneo e imperceptível do corpo. Trata-se de um mergulho admirado na alteridade.

As viagens ajudam a relativizar as verdades e fazem circular as ideias. E se a filosofia que começou na Grécia há 2.500 anos ela agora se manifesta com força na trilha iniciada nesse livro. Então, boa viagem!. “Os limites da minha linguagem significam os limites do mundo” (Ludwig Wittgeinstein).

Toda a filosofia de Wittgenstein (1889-1951) gira em torno da linguagem e da relação linguagem-mundo. Ele lançou seu manifesto do atomismo lógico clássico na obra “Tractatus” iniciando coma a frase: “O mundo é tudo o que vem ao caso”. Na obra o mundo é a “totalidade dos fatos”, que são constituídos por outros fatos elementares ou “estados de coisas”, os quais, por sua vez, são formados de objetos, estes, coisas, não passíveis de decomposição ulterior.

As partes mais interessantes do livro, do ponto de vista filosófico, dizem respeito ao que a razão não pode fazer. O que a razão tenta fazer, mas não pode é investigar a si mesma. Não pode estabelecer, e aliás nem mesmo descrever, seus próprios limites (“Não estou em meu mundo. Sou a fronteira do meu mundo”). Tampouco se pode dizer o que está além desses limites. Não se pode dizer o “indizível”, Além dos limites da racionalidade científica estendem-se os problemas do valor e das questões relativas aos valores. Deus e a religião. O fim do “Tractatus” aponta nessa direção: “Ali onde não se pode falar, deve-se calar”. Mas aquém do “místico”, temos não só o dever de falar, mas de falar corretamente.

Depois dessa publicação, Wittgenstein fechou-se num longo silencio filosófico. A partir de “Observações filosóficas” ele voltou-se para o estudo dos “jogos linguísticos”. Mostra que não existe uma “percepção imaculada”, neutra e puramente passiva, mas como no perceber existe um “pensamento que ecoa no ver”, um ver sempre carregado de teoria.



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Um comentário:

jcsalles disse...

Caríssimo Gutemberg,
Escrevo para agradecer-lhe a carinhosa resenha. Aproveito para registrar a importância para minha formação política e cultural de tê-lo conhecido em 1977, quando você publicava o fanzine Na Era dos Quadrinhos.
Um forte e grato abraço,
João Carlos Salles