O conhecimento transforma e emancipa. Em
seu novo livro, Entre o Cristal e a
Fumaça, o professor João
Carlos Salles fez uma autorreflexão entre
filosofia e escritura. Expõe sua orientação wittgensteiniana. E constrói um
texto onde entrelaça com naturalidade e virtuosismo o simples e o complexo, o
concreto e o abstrato, o cristal e a fumaça, perguntando em pleno discurso de
posse com Reitor da UFBA: “O que é mesmo uma Universidade?”.
E no seu projeto de uma universidade
autêntica ele retoma o que disse, há cinco anos no seu discurso de posse na
diretoria da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas: “Uma Universidade autêntica nunca se resume a
uma instituição de ensino, nem é sua marca própria a mera prestação de
serviços. Uma Universidade pode formar pessoas e ter um ensino de qualidade
exatamente pelas pesquisas que desenvolve e pela relação singular e orgânica
que estabelece com a comunidade. Assim, como instituição pública, democrática e
gratuita de ensino superior, a Universidade se caracteriza por produzir
conhecimento, mantendo uma necessária relação com a sociedade em que se insere,
de sorte que tal laço indissolúvel entre ensino, pesquisa e extensão deve ser
bem mais do que uma simples bandeira. Tal laço nos define. Desse modo, dada a
sua natureza, seu compromisso com a produção de conhecimentos e sua interação
com a sociedade, a Universidade torna-se lugar natural de concorrência entre
saberes e também de crítica e reflexão, sendo forte e necessária sua
resistência ao que porventura possa ameaçar seu espírito crítico” (pag.10).
O que ele articula é autonomia e
capacidade de produção de conhecimentos, perspectiva crítica e independência em
relação ao mercado, a partidos e governos. Para ele a UFBA é um “lugar
privilegiado de mediação (...) o lugar da imprevisibilidade, da criatividade,
da diversidade, da transformação” (pag.17).
“Se a olharmos de dentro, não com o
olhar de um eventual consumidor, mas com o olhar de cidadãos, a UFBA tem aura.
É vida. Não tem a organização e a fixidez dos cristais, nem é volátil com a
fumaça. Entre o cristal e a fumaça, é organismo, e mais do que organismo, é
espírito” (pag.18).
O segundo capítulo, A Invenção da
Escrita, é o discurso de posse na Academia de Letras da Bahia, onde passou a ocupar
a cadeira 32, que tem como patrono um conterrâneo de Cachoeira: o abolicionista
André Pinto Rebouças.
E dentro da gramática do necessário e do
possível, em cujos limites se distinguem o significativo e o relevante, o que
toca nos valores mais elevados e pode unir ética e estética, Salles define seu
trabalho filosófico como “aprender a nascer”.
E no seu estilo de escrever de uma forma
poética, pincelada com o barroco do recôncavo, originário da bela cidade
monumental Cachoeira. E é lá que ele recorda seu nascimento, a paixão pelas
letras, o impacto com a mudança para Salvador, a paixão de Drummond, Cassiano,
Pessoa, Murilo Mendes entre outros até chegar à sua paixão pela UFBA como
professor, pesquisador e gestor. Lembra Isaías Alves, Theodoro Sampaio e André
Rebouças, “entre o demasiado humano e o divino, entre o grotesco e o sublime.
No recôncavo, mesmo o simples, o estilo mais ático, tende ao barroco” (pag.43).
Á guisa de posfácio – A saudação de
Paulo Costa Lima é o discurso de recepção na Academia de Letras da Bahia em 2014
onde ele fala da relação entre filosofia e escritura. Apresenta o seu
compromisso com a UFBA, e duas entrevistas. Uma concedida a Mariluce Moura e
publicada na revista Bahiaciencia e outra a Katia Borges e publicada na Revista
Muito.
Os textos de Salles são breves impulsos.
É preciso tomar cuidado para não levar choque com eles. Se tentarmos explicar
tudo, cortamos a corrente. Os fios podem ser rompidos a qualquer momento. João
Carlos Salles torceu os caminhos burocráticos do pensamento e ultrapassou os
limites da academia.
Acompanhe o fio do pensamento salesiano,
entenda as causas, preste atenção a todos os números, detalhes, mantendo sempre
em mente o contexto gerado. Assim a filosofia de Salles é essencial.
FILOSOFIA
A filosofia não é um conjunto de
conhecimentos ou de doutrinas, mas uma atitude ou posicionamento perante a
vida. Fazer filosofia é como viajar sem sair do lugar, um movimento subterrâneo
e imperceptível do corpo. Trata-se de um mergulho admirado na alteridade.
As viagens ajudam a relativizar as
verdades e fazem circular as ideias. E se a filosofia que começou na Grécia há
2.500 anos ela agora se manifesta com força na trilha iniciada nesse livro.
Então, boa viagem!. “Os limites da minha linguagem significam os limites do
mundo” (Ludwig Wittgeinstein).
Toda a filosofia de Wittgenstein (1889-1951)
gira em torno da linguagem e da relação linguagem-mundo. Ele lançou seu
manifesto do atomismo lógico clássico na obra “Tractatus” iniciando coma a
frase: “O mundo é tudo o que vem ao caso”. Na obra o mundo é a “totalidade dos
fatos”, que são constituídos por outros fatos elementares ou “estados de
coisas”, os quais, por sua vez, são formados de objetos, estes, coisas, não
passíveis de decomposição ulterior.
As partes mais interessantes do livro,
do ponto de vista filosófico, dizem respeito ao que a razão não pode fazer. O
que a razão tenta fazer, mas não pode é investigar a si mesma. Não pode
estabelecer, e aliás nem mesmo descrever, seus próprios limites (“Não estou em
meu mundo. Sou a fronteira do meu mundo”). Tampouco se pode dizer o que está
além desses limites. Não se pode dizer o “indizível”, Além dos limites da
racionalidade científica estendem-se os problemas do valor e das questões
relativas aos valores. Deus e a religião. O fim do “Tractatus” aponta nessa
direção: “Ali onde não se pode falar, deve-se calar”. Mas aquém do “místico”,
temos não só o dever de falar, mas de falar corretamente.
Depois dessa publicação, Wittgenstein
fechou-se num longo silencio filosófico. A partir de “Observações filosóficas”
ele voltou-se para o estudo dos “jogos linguísticos”. Mostra que não existe uma
“percepção imaculada”, neutra e puramente passiva, mas como no perceber existe
um “pensamento que ecoa no ver”, um ver sempre carregado de teoria.
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Um comentário:
Caríssimo Gutemberg,
Escrevo para agradecer-lhe a carinhosa resenha. Aproveito para registrar a importância para minha formação política e cultural de tê-lo conhecido em 1977, quando você publicava o fanzine Na Era dos Quadrinhos.
Um forte e grato abraço,
João Carlos Salles
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