Foi exibido recentemente em Salvador o filme de Roman Polanski, A Pele de Vênus. Realizado em 2013 só agora foi lançado comercialmente no Brasil. A obra do diretor polonês faz uma alegoria sobre o poder e a sedução, baseado no romance A Vênus das Peles (1870), do austríaco Leopold von Sacher-Masoch (1836-1895). Bem antes de Leopold houve um escritor escandalizou a França pós-revolucionária com seus contos pervertidos e sua atitude libertária. Como qualquer ameaça à sociedade vitoriana, acabou no sanatório condenado ao silêncio de um confinamento. Silêncio este que foi corrompido inúmeras vezes onde viveu um intenso conflito entre o desejo carnal e a elevação do espírito.
O Marquês de Sade foi um prolífico
escritor que, tendo passado 27 de seus 74 anos de vida em prisões e sanatórios
criou uma violenta literatura em que prazer e dor, crime e satisfação pessoal,
misturam-se nas obsessivas orgias e flagelações de seus personagens. Depois que
Guillaume Apollinaire, Georges Bataille, Camus, Simone de Beauvoir, Michel
Foucault, Lester G. Crocker, Barthes, Pasolini, Yukio Mishima, Ingmar Bergman e
Camille Paglia terem aberto ainda mais as portas, louvar o universo depravado
de Sade, tornou-se quase um lugar-comum. A reabilitação de Sade constitui a
consagração final. Afirma-se agora que ele foi o mais liberto de todos os
revolucionários, um grande moralista da transgressão e um poeta da palavra sem
dimensão moral.
A pornografia francesa do século 18 não
tem limites, porém não faz da crueldade seu impulso principal. O marquês de
Sade difere dos outros precisamente quanto ao sentido da palavra derivada de
seu nome. Trata-se do único sádico. Essa associação sistemática da gratificação
sexual com a perversidade, a dor, a tortura e o assassinato é uma novidade na
história social. No ensaio sobre Sade, o filósofo Roger Shattuck escreveu: “O
divino marquês representa um conhecimento proibido que não podemos proibir.
Consequentemente, devemos rotular suas obras cuidadosamente: veneno potencial,
poluidor de nosso ambiente moral e intelectual.
Mais de dois séculos depois de
questionar duramente os valores de sua época, ao preço de anos de prisão em
diferentes estabelecimentos penais, sob três diferentes regimes políticos, Donatien-Alphonse-François
(1740/1814), o marquês de Sade acabou verbete de dicionário para designar
perversidades inomináveis. Consumida, o mais das vezes, como esquiza
pornografia, a “filosofia” bélica e insultuosa de Sade, pretendendo ampliar os
recém-conquistados valores da Revolução Francesa, virou de ponta-cabeça a moral
judaico-cristão em qualquer lugar em que se imponha ou seja professada, será
objeto, no mínimo, de perseguição policial. Não há lugar no mundo que abrigue
as radicalidades deste marquês de mais de 200 anos. Vamos conhecer um pouco
mais desse autor que revirou a moral de sua época e saber que o que ele fez foi
mostrar o reflexo da sociedade que vivia. Fique atento!
]
VENENOS DA ALMA
Os livros do Marquês de Sade foram
escritos no século dezoito. Por causa deles foi preso e chamado de monstro.
Sade só foi acolhido no jardim das belas letras depois que o poeta Guilhaume
Apollinaire, em 1909, escreveu um alentado ensaio sobre sua vida e obra. Em
1836 o poeta Émile Chevé escreveu umas linhas delicadas sobre o marquês, em que
dizia que, após ele, ninguém, jamais, poderia reunir “em semelhante buquê todos
os venenos da alma”. Em 1865 o psiquiatra Krafft Ebing, na obra “Psychopathia
Secualis” escreveu a respeito de “sadismo”... “para designar uma categoria de
perverso que procura o prazer na dor infligida”. Quem também se interessou pelo
marques foi o filósofo Swimburne. Mas no século XX, depois do famoso
Apollinaire, o marquês via ressuscitar. E são particularmente notáveis as
leituras que dele fazem Georges Bataille e Pierre Klossowski. Em seguida,
Simone de Beauvoir, Pierre Sollers, Alain Robbe-Grillet, Jean Pierre Faye,
Roland Barthes e tantos outros nomes mais pensam Sade. E pensar Sade é caminhar
em cima de linhas que marginam com o abismo. Abismo da
consciência, do coração,
do sexo e das relações entre os homens.
“Sade é valorizado como um sexólogo. Seu
objetivo não era excitar o leitor mas, como toda literatura erótica de seu
tempo, filosofar através do erotismo”, escreveu Eliane Robert Morais no seu
ensaio Sade-A Felicidade Libertina.
O que em geral se esquece é que Sade viveu
sua atribulada vida em plena efervescência do movimento iluminista e
enciclopedista, ou seja, no momento em que o conhecimento passa a ser um valor
de emancipação do homem, que superaria as trevas do não-conhecido.
O projeto de
Sade não é coletivo mas se pauta pelo mesmo princípio: superar dogmas e
preconceitos para conhecer melhor, só que revelando partes pouco desejáveis do
indivíduo e da sociedade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário