“Os 120 dias de Sodoma” aparecem seiscentas perversões, algumas descritas pela primeira vez, é mais do
que um catálogo de práticas e inclinações estranhas ou ferozes. Sade imaginou na solidão das celas em que ficou preso. Muitos anos depois a observação científica comprovou que não se tratava de delírios, mas de realidades. Sade descobriu realidades que, por mais explosivas e atrozes que nos pareçam, não deixam de ser nossas. “O principal interesse da obra de Sade é de ordem filosófica. Sua originalidade maior consiste em ter pensado o erotismo como uma realidade total, cósmica, quer dizer, como a realidade. Seu pensamento, não menos rigoroso, é ao mesmo tempo crítico e sistemático”.
Lês 120 Journées de Sodome, escrito no
final de 1785, numa sombria cela da Bastilha é considerado uma espécie de
bíblia das propostas de Sade: Quatro libertinos – os maiores e mais experientes
devassos da França setencista – associam-se para levar a termo o projeto de
conhecer, representar e praticar “todas as paixões que existem na face da
Terra”. São 46 pessoas – entre prostitutas, súditos, adolescentes, velhos,
cozinheiros e jovens que passam 120 dias no castelo. Cada mês é dedicado a uma
classe de paixão – simples, complexas, criminosas e assassinas, e cada dia a
cinco de suas modalidades.
Com isso, ao longo da estadia são apresentadas
seiscentas paixões, compondo uma sequência da qual decorre justamente a ideia
de “antologia dos gostos”.
Para o poeta Octávio Paz, “Sade é um
autor que merece ser lido. É um autor perigoso? Não acredito que haja autores
perigosos; melhor dizendo, o perigo de certos livros não está neles próprios e
sim nas paixões de seus leitores. Além do mais, Sade é um autor austero e suas
obras procuram mais a aprovação de nosso juízo do que a cumplicidade de nossos
sentidos. Sade não quis comover, exaltar ou transformar: quis convencer”.
OBRA QUE ASSOMBRA
“A obra de Sade ainda nos assombra tanto
pela imensidade de suas negações como pelo radicalismo monomaníaco de sua afirmação
central: o prazer é o agente que guia e move os atos e pensamentos dos homens e
das mulheres; e o prazer é intrinsecamente destruidor. Essa ideia não era nova
quando Sade a formulou e é sobretudo uma ideia discutível. A interdição que
pesava sobre suas obras impedia que ele fosse cabalmente compreendida e
discutida. Levantadas essas proibições, passa a ser uma opinião entre outras”.
Justine ou As desgraças da virtude onde
existem três versões desse romance. Justine é irmã da perversa e libertina Julietta,
heroína de A Prosperidade do Vício. Em Histoire de Juliette, romance que narra,
de forma lenta e progressiva, a ascensão da personagem na carreira da
libertinagem. No percurso ascendente de Juliette, destaca-se sua admiração no
clube secreto (Sociedade dos Amigos do Crime), efetivada somente depois da
libertina submeter-se a uma série de provas com todos os protocolos que tal
processo exige, como num ritual de iniciação. Para o poeta Octávio Paz “a
importância de Sade, mais do que literária, é psicológica e filosófica (...)
Sade é um caso. Tudo nele é imenso e único, inclusive as repetições. Por isso
nos fascina e alternadamente nos atrai e nos repele, nos irrita e nos cansa. É
uma curiosidade moral, intelectual, psicológica e histórica”.
Criador de novelas extremamente
imaginativas em que descreve ações eróticas caracterizadas por torturas e
violências físicas, o controverso nobre francês viveu mais de duas décadas
encarcerado e, posteriormente, se tornou motivo de estudos de Apollinaire,
precursor do surrealismo e da feminista Simone de Beauvoir, entre outros. A
libertinagem sexual não era um privilégio de Sade, mas a marca de uma época. A
França do século XVIII estava imersa em orgias e depravações organizadas por
nobres e membros do clero. O arcebispo de Narbonne, o abade Dubois e o célebre
cardeal Richelieu são apenas alguns exemplos. Os excessos chegaram a tal ponto
que se tornaram insuportáveis. De certa maneira, Sade pode ser visto como um
bode expiatório. Considerá-lo um momento e uma aberração era uma maneira de
purificar uma sociedade em que os limites entre o liberado e o proibido eram
muito tênues.
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