O Marquês de Sade, do mesmo modo que Marx e Freud, seria muito mais discutido do que lido,
ampliando-se assim o mito do escritor rebelde e sádico que provavelmente não passava de um filósofo desencantado com a humanidade. Depois de sua morte, desse nome derivou-se a palavra sadismo. Em consequência de uma série de incidentes escandalosos, fora preso em 1777, em princípio devido à perseguição incansável de sua sogra. As graves acusações morais contra Sade estão registradas em documentos da polícia e dos tribunais e se relacionam em quatro incidentes ocorridos em Paris, Arcueil, Marselha e em seu próprio Château de la Coste perto de Marselha. Entre eles estavam a sodomia, homossexual e heterossexual (ambas passíveis de pena de morte na época), vários espancamentos com chicote e possíveis ferimentos à face em prostitutas, a masturbação com um crucifixo, corrupção de adolescentes, ameaças de morte e outros “excessos”.
Como consequência dessas acusações, a
efígie de Sade foi queimada, ele foi preso diversas vezes por ordem do rei,
baleado por um pai enraivecido e condenado à decapitação pelo tribunal superior
da Provença. Embora sua perseverante esposa tivesse procurado ajuda-lo, a sogra
não o perdoou por ter se escondido na Itália com sua outra filha. Em 1777 uma
ordem de prisão emitida diretamente pelo rei, obtida por sua sogra finalmente
ocasionou sua prisão em Paris, para onde havia ido por ocasião da morte de sua
própria mãe.
Na prisão, Sade imediatamente protestou:
“Meu sangue é quente demais para suportar essa terrível desgraça”, e ameaçou
suicidar-se. Pouco anos depois, escreveu à mulher dizendo que a revoltante
abstinência que lhe era imposta “quase fez meu celebro ferver. Isso faz com que
eu imagine em fantasia criaturas que transformarei em realidade”.
OBRA ENCICLOPÉDICA
Na década de 1780 começou a escrever em
longas sessões, como numa maratona, e continuou a fazê-lo ao se transferido
para a Bastilha. Em 37 dias, utilizando os dois lados de um rolo de papel de
doze metros, fez a primeira redação incompleta de sua obra enciclopédica sobre
a devassidão e o crime. “Os 120 dias de Sodoma”. Trata-se de um festival de
taras e atrocidades sexuais, realizadas por quatro libertinos que se fecham num
castelo com um grupo de moças e rapazes. É um livro pesado e difícil, que causa
repugnância aos mais sensíveis. Até hoje, críticos polemizam sobre o sentido da
obra de Sade. Para o próprio marquês, ela mostrava os vícios a fim d fazer com
que o leitor passasse a detestá-los. Mais tarde escreveu uma novela epistolar e
picaresca de amor, corrupção e viagens, “Aline e Valcourt”, e pelo menos duas
versões de “Justine”, ou “A boa conduta bem castigada”.
Esse nobre de 37 anos, oficial de
cavalaria, descendia de duas famílias eminentes e aristocráticas da Provença.
Sade cresceu próximo à casa real de Paris numa atmosfera de devassidão e
licenciosa. Apesar de suas ligações com o poder e de suas propriedades no sul
da França, Sade sempre esteve em dificuldades financeiras. Casou-se por
dinheiro, aos 23 anos. Teve com a mulher dois filhos e uma filha, enquanto
continuava a frequentar bordéis e a esbanjar dinheiro com atrizes.
Quando a Assembleia Constitucional
aboliu a ordem de prisão em 1790, Sade recuperou a liberdade e perdeu a mulher,
que conseguiu a separação judicial. Escreveu peças de teatro e publicou “Aline
e Valcourt”(assinada 1793) e “Justine” (anônimo, 1791). Começou então a viver
com Constante Quesnet, atriz sem recursos que havia sido abandonada pelo
marido, junto com um filho. Foi sua companheira durante os 24 anos seguintes,
até sua morte, período em que Sade obteve certa notoriedade mas não conseguiu
riqueza sem segurança.
Preso em 1793, como inimigo da
Revolução, falso patriota e libertino, quase não escapou da guilhotine. Foi
solto em 1794. Os anos seguintes foram de grande penúria. Publicou mais quatro
livros licenciosos, inclusive “Filosofia na Alcova” (1795) e “Juliete”. Em seu
terceiro período de encarceramento mais prolongado, que durou treze anos, foi
causado por suas obras literárias. Escreveu “Os crimes do amor” (1800), ensaio
histórico em forma de romance onde apresenta homens modificados pelo vício e
pela paixão.
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