28 novembro 2016

Dez anos sem Lage



Lage morreu no dia 29 de novembro de 2006, aos 60 anos de idade. Trabalhou como chargista no jornal Tribuna da Bahia desde a sua fundação. Foi funcionário da TB Educativa. Formado em arquitetura pela UFBa, o artista optou desde cedo pelo desenho. Criou, ao lado de outros desenhistas, a revista Pau de Sebo, o jornal Coisa Nostra e o Dicionário de Baianês.

“Bastava um pedacinho de papel, e tinta preta, que ele derramava com uma humanidade rimada de simplicidade. Neste mundo de aparência, foi-se um exemplar de gente que não curtia alarde”, escreveu o mestre em comunicação Paulo Roberto Leandro (A Tarde - 01/12/2006).

“Nunca dizia não, mas jamais admitia utilizar a sua pena para ilustrar ideias dos outros. Era original e muitas vezes demolidor nas suas charges inteligentes sobre os assuntos nacionais daqueles que faziam doer quando a gente ria”, escreveu o jornalista Sérgio Goes (TB – 01/12/2006).

Foi com o suplemento semanal A Coisa, publicado na Tribuna da Bahia nos anos 1970 que conheci mais de perto o cartunista Lage. No final da década de 1960 havia criado um movimento (clube) de estudo das histórias em quadrinhos e artes gráficas em geral na minha comunidade, o bairro do Pero Vaz aqui em Salvador. Com a publicação do fanzine Na Era dos Quadrinhos e as exposições e palestras sobre o tema nas escolas e bibliotecas da cidade ficamos conhecidos em toda Salvador (até mesmo contato com o desconhecido, na época, Umberto Eco). Defendíamos com unhas e dentes o movimento em prol das artes gráficas – cartuns, quadrinhos, charges e poema processo.

A força de nossas ações deu origem em reunir os cartunistas para a criação de uma publicação local para reforçar o trabalho desses artistas “invisíveis” da sociedade. Depois do suplemento A Coisa (publicado todas as sextas na Tribuna da Bahia), lançamos o jornal quinzenal Coisa Nostra, revista Pau de Sebo, além de exposições dos trabalhos dos cartunistas onde a interação era uma das molas do evento porque o público participava votando no melhor cartum da mostra. A mídia também, oferecendo prêmios aos melhores.


Referência na área do humor gráfico, especialmente na charge, Lage era dono de um estilo particular, marcado pela contestação calcada no humor virulento. Iconoclasta, dono de um traço simples e cortante, Lage logo se destacou pela mordacidade de seus desenhos. Costumava dizer que o bom cartum “é o que sai no estalo”. Durante o regime militar, entrou em controvérsias e chegou a ser chamado para depor nas famosas “sessões de informação” da ditadura. Mesmo assim, não diminuiu o tom de deboche, dizendo às vezes sem palavras o que todo uma nação calava na garganta.

Todos os dias, na redação do jornal Tribuna da Bahia, ele ia no começo da tarde, conversava com uma ou outra pessoa, ficava folheando os jornais, calado e, de repente, aparecia com uma de suas charges geniais. Assim, nos últimos 35 anos, a história da Tba está ligada a de Lage. Quando ele chegou nas páginas do jornal, primeiro em preto e branco, depois às cores, o papeis era outro e o jornalismo também. Mas sua ferramenta continuava as mesmas: o traço exato e o humor demolidor.

As charges de Lage se casam perfeitamente com a missão da Tribuna da Bahia, que é dar informação de forma exclusiva., analítica, sintética e contextualizada.

Quem quiser entender a Bahia de 1969 a 2006 precisa levar a sério o trabalho de Lage e olhar com atenção o comentário cáustico e agudo de suas charges. Mais do que jornalistas, são cronistas do desenho, que respondem diretamente aos acontecimentos com traço e legenda.

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