Sempre de roxo, com roupas que lembravam
o hábito usado pelas freiras, ela costumava perambular e dormir pela Rua Chile
e imediações. Teria nascido em 1917 e morrido em 1997, aos 80 anos.
Dizem que
foi moça instruída, de boa família e que teria enlouquecido por causa de uma
grande desilusão amorosa. O final da vida da Mulher de Roxo foi triste, assim
como a sua imagem em vida, marcada pelo abandono de todas as coisas.
A história de Florinda Santos, a conhecida
Mulher de Roxo, se transformou numa lenda urbana, uma figura mitológica
conhecida por todos da localidade. Não importava se o dia era de chuva ou de
sol, ela nunca faltava. Era só as portas do comércio da Rua Chile abrirem e
dona Florinda já se encaminhava para a entrada da Slopper. Vestido com roupa de
veludo violáceo, iniciava o ritual diário. Andava de um lado para o outro,
falava sozinha e sempre pedia dinheiro. Tudo com muita educação. Afinal,
dizia-se que a Mulher de Roxo, personagem dos tempos diários do centro da
cidade, vinha de boa família.
Andava descalça com longas mantas, um
torço e um enorme crucifixo. Tudo isso dava a ela um ar meio santo, meio louco,
meio andarilho e meio mendigo. Algumas vezes a dama desfilou com uma roupa de
noiva, com direito a buquê, véu e grinalda. Com todos esses componentes
cênicos, contraditórios e demasiadamente humanos, a mulher de roxo despertou
sentimentos em toda a cidade, medo e respeito, pena e carinho.
Qual sua origem? Poucos sabem direito.
Uns defendem a tese de que havia perdido a fortuna e enlouquecido; outros
apregoavam que teria visto a mãe matar o pai e depois suicidar-se; terceiros
garantiam, ainda, que ela perdera a filha de consideração e a casa, na Ladeira
da Montanha, numa batalha contra o jogo. Outros ainda contam que ela
enlouqueceu porque teria sido abandonada no altar. Em outros depoimentos,.
Aparece como uma bela mulher, a mais cortejada dentre as frequentadoras do chá
no final da tarde na Confeitaria Chile e como ex-professora em Paripe.
Florinda, que nunca contou a ninguém, sua verdadeira história, perambulava com
suas vestes roxas, inspiradas nas roupas das suas santas de devoção.
Vestida de freira, circulando livremente
pela rua mais badalada de Salvador. A estranha indumentária, que incluía ainda
um grande crucifixo, a transformou na Mulher de Roxo, a principal lenda urbana
da capital. Foi assim que Florinda, a mendiga que jurava ser rica, passou a ser
a personagem lendária, surgida, do nada, em frente à loja Sloper, nos anos 60 do
século XX, em Salvador. Quando se enfeitava, com maquiagem forte no rosto e nos
lábios, ela usava o espelho retrovisor dos automóveis estacionados. Como
sanitário, servia-lhe qualquer território mais calmo. A Rua Chile era sua
verdadeira casa, seu mundo, seu reinado. A intimidade com a rua era tão grande
que ela sempre andava descalça. Na fachada da loja Sloper, localizava-se o seu
trono de sarjeta. Na Rua Chile, chegava sempre muito cedo, circulava pelo
centro e só recolhia o seu saco preto ao meio-dia, quando almoçava. Ao final do
dia, voltava, andando, ao albergue noturno da prefeitura, situado na Baixa dos
Sapateiros.
Muitas reportagens foram publicadas na
época sobre a mulher de roxo ou dama de roxo. O jornalista
Marecos Navarro
gravou uma entrevista exclusiva com ela e é um dos raros documentos em que é
possível ouvir a voz de Florinda. Em 1985 o cineasta baiano Robinson Roberto
documentou um vídeo em Super 8 em que a mulher de roxo diz morar no albergue há
três anos, e revela pertencer à família Rainha Princesa. Foi também personagem
retratado na Galeota Gratidão do Povo, painel de 160 metros quadrados pintado
por Carlos Bastos, que decora o plenário da Assembleia Legislativa.
Ela era tão cinematográfica que até
inspirou um personagem do cineasta Glauber Rocha no filme O Dragão da Maldade
Contra o Santo Guerreiro (1969). A moça de manta roxa do filme era baseada na
lenda viva da Rua Chile. Ela também inspirou o documentário A Mulher de Roxo,
produzido pelo Polo de Teledramaturgia da Bahia. O vídeo de 12 minutos,
dirigido por Fernando Guerreiro e José Américo Moreira da Silva, mistura
documentário e ficção. Haydil Linhares é uma das atrizes que vive Florinda
Santos, a Mulher de Roxo.
A personagem lendária da Rua Chile hoje
é só lembrança. Se em vida foi famosa ou anônima, rainha ou plebeia, foi uma
lenda urbana de Salvador. Enclausurada em si mesma, ninguém conheceu sua
verdadeira história, de riqueza ou pobreza, de princesa abandonada no altar ou
professora. Talvez ela fosse tudo que sempre queria – uma personagem lendária
que sobrevive no imaginário popular. Longa vida para essa dama/santa com sua
aura de mistério. (Gutemberg Cruz. Texto
escrito em 2005)
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