23 setembro 2015

Humor sem retoques, autêntico e mordaz (01)



Os jornalistas Otto Freitas e Washington de Souza Filho lançaram ontem (22/09/2015) na Assembleia Legislativa (Alba) o livro da coleção Gente da Bahia, Lage – o traço do humor. Os autores mostram a aguçada visão de mundo do cartunista. Fiz o prefácio.

Na Bahia, o cartunista que conseguiu captar a essência do baiano em todas as suas nuances, desde aingenuidade, a liberalidade, a transgressividade, a linguagem e a sua liberdade foi Helio Roberto Lage (1946/2006). Com seu traço caligráfico, único, o mestre do desenho de humor baiano fez uma radiografia daterra da felicidadeatravés de uma gama de personagens publicados nas tiras de jornais e revistas e até mesmo no radio e na TV - L´amu tuju L´amu, Cartunzão, Tudo Bem, Brega Brasil, Ânsia de Amar, Dora Mulata e tantos outros.


Sua verve humorística não deixava escapar nada, seja na malícia das baianas, nos interesses escusos dos políticos, na sagacidade dos boêmios, na melancolia dos idosos e na alegria da juventude. Ele mostrou a Bahia de fio a pavio, em raio X; não poupou ninguém. Sua verdade foi radiográfica. Tudo passava pela sua lente sensível de observador atento a tudo o que acontecia em sua aldeia.

Nos seus trabalhos, Lage mostrou o relacionamento humano, seus conflitos e inseguranças, o dia-a-dia do baiano. E, como grande crítico do cotidiano, dissecou as leis e pacotes vindos de Brasília. Tudo feito com aquele traço leve e ágil, mas carregado de expressividade.

Com sua aguçada visão de mundo, deu ao jornalismo baiano demonstrações de com quantos traços se faz uma bela crítica. O traço rápido, sinuoso, firme ajustou-se à brevidade do momento. Assim é sua charge, opinião na página nobre da Tribuna da Bahia. A charge de Lage tem um quê da irreverência baiana inconfundível; a releitura dos fatos ganha repercussão própria.

A fonte inesgotável são os bastidores da política. Com seu traço cortante, irreverente, ele deu comicidade à prepotência dos poderosos. Mas não ficou na política; adentrou às relações afetivas, vasculhou detalhes das relações de classe e escancarou os valores do imaginário do autor; a realidade social, política e econômica do país.

O humor de Lage é engajado, militante sem ser partidário; contestador, essencial, puro, em estado bruto. Na trilha do humor de comportamentos, ele criou personagens impagáveis, fazendo a melhor crítica de costumes dos quadrinhos baianos. Seu trabalho é referência e fez escola. Em traços simples, mas incisivos, Lage conseguiu captar todo o momento histórico político vivenciado nacionalmente. Cartunzão, L´amou tuju L´amu, Tudo Bem, Brega Brasil, Ânsia de Amar mostram um humor sem retoques, autêntico e mordaz.

O humor caligráfico de Lage tem uma marca pessoal muito forte e traz, por inteiro, a perplexidade nossa década dia. É um quadrinho cartunístico que se cristaliza através de questões políticas, sociais e culturais, conferindo ainda seus efeitos ideológicos e sua marcante criatividade.


Enquanto muitos desenhistas se distanciavam da realidade brasileira, Lage procurava se aprofundar mais em nossas questões. Militou na imprensa nanica, também chamada de independente ou alternativa, nos tempos da ditadura militar; fez crônicas na TV e deu até aulas sobre desenhos de humor.

O humor de comportamento, que conquistou leitores nos anos 50, foi forçado, pelo clima estabelecido a partir de 1964, a dar lugar ao humor político, engajado. Os cartunistas se armaram contra o ataque, mas os meandros do comportamento humano, o sexo, o casamento, a cultura, enfim, tudo aquilo que faz os costumes do cidadão brasileiro foi posto de lado pelos desenhistas de humor.

Com Lage, não foi assim. Como grande crítico do cotidiano, dissecou os acontecimentos de Brasília e a política local em suas charges diárias. Mas nas tiras continuou se dedicando ao relacionamento humano, seus conflitos e insegurança, registrando a irreverência baiana com o seu traço simples.     

Lage pertence à história dos nossos quadrinhos/cartuns. Era um homem simples, de bom papo e cultivador dos momentos humorísticos da vida. Desde seu relacionamento com as pessoas que o cercavam, até o momento em que executava um trabalho, era um humorista nato - além de arquiteto e pintor nas horas vagas.

Desenvolvendo sua atividade de cartunista com bastante brilho, Lage tornou-se um nome respeitado. Seus desenhos são sua melhor forma de expressão e compensam seu lado introvertido. Sua face humorística está presente não nas tiras, mas também nas charges políticas e são a contrapartida do seu temperamento melancólico.

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