Ler é estimulante. Tal como as
pessoas, os livros podem ser intrigantes, melancólicos, assustadores, e
por
vezes, complicados. Os livros partilham sentimentos e pensamentos, feitios e
interesses.
Os livros colocam-nos em outros tempos, outros lugares, outras
culturas. Os livros ajudam-nos a sonhar, fazem-nos pensar. "Um país se faz
com homens e livros", dizia o escritor Monteiro Lobato.
Talvez por isso,
Castro Alves foi tão enfático ao proclamar no seu poema O livro e a América:
"Oh bendito o que semeia/ livros, livros à mão cheia/ E manda o povo
pensar! O livro caindo n`alma/ É germe - que faz a palma/ É chuva - que faz o
mar".
O livro, segundo o dicionarista
Antonio Houaiss é um instrumento por excelência da tradição – transmissão da
posse e do conhecimento. Mas o que vemos hoje parece paradoxo: as crianças, no
ensino primário, são introduzidas no mundo da televisão, do cinema, circo,
teatro e até da internet, e depois no mundo dos livros.
“Livro – disse o padre
Antônio Vieira – é um mundo que fala, um surdo que responde, um cego que guia,
um morto que vive”. Muitas vezes o livro causa aversão aos alunos quando as
primeiras leituras são obrigatórias.
Para incentivar o hábito de leitura
é preciso que os pais tenham esse hábito, que os filhos convivam com o livro em
sua própria casa. A falta de hábito de leitura significa que o jovem não domina
as práticas da leitura e não entende o conteúdo de um texto. Há uma sutil
diferença entre a informação (obtida por meio dos jornais, revistas, TV, rádio
e Internet) e a formação baseada nos livros e nas salas de aula. Afinal, somos
uma
civilização escrita. “Somos instrumento fundador de humanidade, as línguas,
em particular as grandes línguas de cultura, transitaram de um léxico máximo de
40 mil palavras no fim do século 18 para um léxico mínimo de 400 mil palavras
nos meados do século XX”, disse Antonio Houaiss, demonstrando a imensa riqueza
que guardamos em palavras.
“... Sim Senhor, tudo o que
queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam ...
Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as,
derreto-as ... Amo tanto as palavras ... As inesperadas ... As que
avidamente a
gente espera, espreita até que de repente caem ... Vocábulos amados ... Brilham
como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal,
orvalho ... Persigo algumas palavras ... São tão belas que quero colocá-las
todas em meu poema ... Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as,
limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas,
vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas,
como azeitonas ... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as,
adorno-as, liberto-as ... Deixo-as como estalactites em meu poema; como
pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes
da onda ...”
“Tudo está na palavra ... Uma
idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra
se sentou
como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu ... Têm
sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que ,se lhes foi
agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser
raízes ... São antiqüíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na
flor apenas desabrochada ... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos
conquistadores torvos ... Estes andavam a passos largos pelas tremendas
cordilheiras, pelas Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras, feijõezinhos,
tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca.
mais,se viu no mundo ... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos,
idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas... Por onde
passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas dos bárbaros, das
barbas, dos elmos, das ferraduras. Como pedrinhas, as palavras luminosas que
permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos
perdendo... Saímos
ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram”.
O poeta Pablo Neruda (Confesso
que Vivi – Memórias) discorre sobre as palavras e, por meio delas, apresenta os
temas recorrentes em sua escrita: palavras do mar, do ar, da terra. Palavras
táteis, olfativas, auditivas, visuais, palatáveis. Palavras líricas, épicas e
dramáticas: palavras do opressor e do oprimido. Palavras iguais incrustadas de
maneira diferente na frase, no verso, discurso do poeta, do trabalhador, do
colonizador e do colonizado. E ele confessa, com esse idioma (corrente,
expressivo, sonoro) herdado dos colonizadores, que recolhe lembranças.
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