16 abril 2015

Consciência das palavras (3)



“Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar”, escreveu o poeta Fernando Pessoa em “Livro do
Desassossego”. “As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. Talvez porque a sensualidade real não tem para mim interesse de nenhuma espécie – nem sequer mental ou de sonho -, transmudou-se o desejo para aquilo que em mim cria ritmos verbais, ou os escuta de outros. Estremeço se dizem bem. Tal página de Fialho, tal página de Chateaubriand, fazem formigar toda a minha vida em todas as veias, fazem-me raivar tremulamente quieto de um prazer inatingível que estou tendo. Tal página, até, de Vieira, na sua fria perfeição de engenharia sintáctica, me faz tremer como um ramo ao vento, num delírio passivo de coisa movida. Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente".

"E, assim, muitas vezes, escrevo sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas, criança menina ao colo delas. São frases sem sentido, decorrendo mórbidas, numa fluidez de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e indefinem, tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas. Assim as ideias, as imagens, tremulas de expressão, passam por mim em cortejos sonoros de e das esbatidas, onde um luar de ideia bruxuleia, malhado e confuso”. No final ela completa: “A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha”.

O dramaturgo espanhol José Sanchis Sinisterra ao realizar uma oficina sobre dramaturgia atoral (método criado por ele, que tem relação com o ator e a estrutura dramática) em Salvador (setembro de 2008) disse a um jornal local: “Há um grande renascimento da escrita dramática, é um fenômeno em todo o mundo. E é necessário recuperar a palavra, avançando cada vez mais criativamente”. Para ele, o retorno da palavra está acontecendo porque há uma saturação da imagem, da linguagem não-verbal, corporal, gestual. “Há, atualmente, uma demanda muito grande de jovens que querem escrever. É muito importante ver esta nova geração interessada na escrita dramática, no poder da palavra”, frisa.

Tido como um renovador da cena teatral espanhola, o diretor, dramaturgo e teórico do teatro, Sinisterra é autor de obras como “Ay, Carnela!” (adaptada para o cinema pelo diretor espanhol Carlos Saura), “El cerco de Lenigrado” e “El lector por horas”, “El canto de la Rana”, entre outros. Ele
também adaptou “Ensaio sobre a cegueira”, do português Saramago, além de ter trabalho pedagógico reconhecido.

O colunista da Folha de S.Paulo, Jorge Coli em seu artigo dominical Ponto de Fuga (“Os que somem no nevoeiro”, 05/10/2008) escreveu: “Estranho poder o das palavras, agenciadas de uma certa maneira, ao encontrar ritmos secretos e correspondências imprevistas. A arte da poesia não se dirige à consciência. Nela, as frases brotam
do indizível para melhor a ele nos conduzir.

Na poesia, as palavras morrem como designação e ressuscitam, além da linguagem, como talismãs cheios de poderes que não se explicam. Intuições se infiltram no espírito do leitor e o tomam. É então que elas, as palavras, fazem o coração se apertar, tornar-se frágil. São comoções assim que surgem à leitura de ´Réquiem´, poema em 18 momentos de Lêdo Ivo. Está lá o verso: Às palavras me seguem como cães´. São fiéis e vivas”.

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