“Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de
palavrar”, escreveu o poeta Fernando Pessoa em “Livro do
Desassossego”. “As
palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades
incorporadas. Talvez porque a sensualidade real não tem para mim interesse de
nenhuma espécie – nem sequer mental ou de sonho -, transmudou-se o desejo para
aquilo que em mim cria ritmos verbais, ou os escuta de outros. Estremeço se
dizem bem. Tal página de Fialho, tal página de Chateaubriand, fazem formigar
toda a minha vida em todas as veias, fazem-me raivar tremulamente quieto de um
prazer inatingível que estou tendo. Tal página, até, de Vieira, na sua fria
perfeição de engenharia sintáctica, me faz tremer como um ramo ao vento, num
delírio passivo de coisa movida. Como todos os grandes apaixonados, gosto da
delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente".
"E, assim, muitas vezes, escrevo
sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas,
criança menina ao colo delas. São frases sem sentido, decorrendo mórbidas, numa
fluidez de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e
indefinem, tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas. Assim as ideias,
as imagens, tremulas de expressão, passam por mim em cortejos sonoros de e das
esbatidas, onde um luar de ideia bruxuleia, malhado e confuso”. No final ela
completa: “A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração
greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha”.
O dramaturgo espanhol José Sanchis
Sinisterra ao realizar uma oficina sobre dramaturgia atoral (método criado por
ele, que tem relação com o ator e a estrutura dramática) em Salvador (setembro
de 2008) disse a um jornal local: “Há um grande renascimento da escrita
dramática, é um fenômeno em todo o mundo. E é necessário recuperar a palavra,
avançando cada vez mais criativamente”. Para ele, o retorno da palavra está
acontecendo porque há uma saturação da imagem, da linguagem não-verbal,
corporal, gestual. “Há, atualmente, uma demanda muito grande de jovens que
querem escrever. É muito importante ver esta nova geração interessada na
escrita dramática, no poder da palavra”, frisa.
Tido como um renovador da cena teatral espanhola,
o diretor, dramaturgo e teórico do teatro, Sinisterra é autor de obras como
“Ay, Carnela!” (adaptada para o cinema pelo diretor espanhol Carlos Saura), “El
cerco de Lenigrado” e “El lector por horas”, “El canto de la Rana”, entre
outros. Ele
também adaptou “Ensaio sobre a cegueira”, do português Saramago,
além de ter trabalho pedagógico reconhecido.
O colunista da Folha de S.Paulo, Jorge
Coli em seu artigo dominical Ponto de Fuga (“Os que somem no nevoeiro”,
05/10/2008) escreveu: “Estranho poder o das palavras, agenciadas de uma certa
maneira, ao encontrar ritmos secretos e correspondências imprevistas. A arte da
poesia não se dirige à consciência. Nela, as frases brotam
do indizível para
melhor a ele nos conduzir.
Na poesia, as palavras morrem como
designação e ressuscitam, além da linguagem, como talismãs cheios de poderes
que não se explicam. Intuições se infiltram no espírito do leitor e o tomam. É
então que elas, as palavras, fazem o coração se apertar, tornar-se frágil. São
comoções assim que surgem à leitura de ´Réquiem´, poema em 18 momentos de Lêdo
Ivo. Está lá o verso: Às palavras me seguem como cães´. São fiéis e vivas”.
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