Dividido em sete capítulos, o livro é
iniciado por apreciações minuciosas sobre as facetas e interseções entre
erotismo, obscenidade e pornografia. Entre os autores observados, Gerace cita
os pesquisadores de cinema Ramon Freixas e Joan Bassa: "É o olhar que
torna um obra obscena, e não a obra em si mesma. Dito de outra maneira, tudo
gira em torno daquilo que se vê - ou se quer ver - e não daquilo que se
mostra".
A linhagem apresentada por Gerace é
acompanhada de uma análise crítica de filmes que embaralharam temas tabus, da
política ao erotismo e suas metáforas, provocando as obscenidades das épocas em
dos efeitos estéticos e ideológicos. Do "implícito" ao
"explícito", o sexo configurou-se como um assunto muitas vezes
distante do debate cinematográfico. Não estando na ordem do dia,
historicamente, as lentes eróticas sofreram com as retaliações, censuras e
boicotes. Casos que ainda constam na contemporaneidade.
Gerace viu mais de mil filmes antes de
responder a questões como essa. Correu a Europa atrás de museus, viu obras que
raramente circulam no circuito, pesquisou acervos de colecionadores
particulares e, principalmente, leu muito Foucault antes de concluir, como ele,
que a modernidade burguesa é marcada pela regulamentação da sexualidade.
Reprimir e normatizar o sexo sempre foram os principais exercícios do poder.
Contra ele, ensaístas como Susan Sontag se insurgiram. Eles partiram em defesa
de obras consideradas obscenas como Flaming Creatures (Criaturas Flamejantes,
1963), que, ao estrear, provocou barulho pela multidão de travestis e
hermafroditas que circulava pelo média-metragem, saudado por Sontag, num ensaio
de 1966, como uma “rara obra de arte moderna sobre alegria e inocência”.
Outra pioneira no estudo da pornografia,
Lynn Hunt, é igualmente uma referência de Gerace, que analisa em seu livro
tanto os filmes que provocaram escândalo na época de seu lançamento – Último
Tango em Paris (1972), de Bertolucci – como os primeiros filmes mudos eróticos,
chegando ao século 21 – O Pornógrafo (2001), de Bertrand Bonello, e 29 Palmos
(2003) de Bruno Dumont.
“Lynn Hunt foi pioneira, ao refletir
sobre o orgasmo feminino como epicentro dramático de Garganta Profunda, o filme
de Gerard Damiano”, lembra. Classificado de pornográfico ao ser lançado, em
1973, por causa das cenas de sexo oral de Linda Lovelace, poucos foram os
ensaístas que viram no filme um manifesto feminista. André Bazin, o respeitado
teórico francês, dizia que uma imagem intensa – seja de sexo ou de morte, o que
vem a dar no mesmo – traz uma obscenidade intrínseca. Para ele, o ato
sexual
nunca seria interpretado de forma realista. Nagisa Oshima teria de matar para
valer o homem de O Império dos Sentidos para atingir essa dimensão explícita.
Quando O Império dos Sentidos foi
lançado, em 1976, a fronteira simbólica do pornográfico e do erótico já era
quase imperceptível. O diretor japonês Nagisa Oshima diminuiu ainda mais essa
distância ao filmar um caso real, acontecido em 1936, o de uma prostituta que
castra o amante e o estrangula até a morte. O cineasta, nota Gerace, fetichiza
o falo (como o fazia a prostituta real) em longas tomadas do pênis, até sua
total impotência. “A recontextualização do obsceno no filme é elencada por meio
de imagens do ato sexual explícito, ou seja, por meio da inserção do
pornográfico em meio ao contexto amoroso”, observa o autor, para o qual não
existe distinção entre imagem erótica e pornográfica.
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