A grande
ofensiva político-religiosa
do sério começa na
metade do século XVI
e vai até o
século XVIII. A aliança
da Igreja triunfante
e uma monarquia
absoluta não poderia
tolerar as bufonarias
populares que colocam
o mundo do avesso.
O riso torna-se suspeito.
Assim, a palavra de
ordem de uma Europa
consciente da necessidade
de restaurar a ordem
ameaçadas pelas fortes
sacudidas das descobertas
e das Reformas é
que o riso é
desordem.
O riso
deve ser eliminado
das altas esferas da
cultura e da
espiritualidade em proveito
do solene, do grandioso,
do imponente, da nobreza.
A hora é do
majestoso. É preciso
terminar com o
riso obsceno e subversivo
do Carnaval e de
outras festas populares.
Mas as resistências
fazem-se sentir um
pouco por toda parte.
Se para
Rabelais todo mundo
pode rir, para Voltaire
o mundo é risível.
Na Renascença, todos
podem rir, com acentos
diferentes, porque o
riso é próprio do
homem e essência de
vida. Na época clássica,
muitos não riem mais:
os responsáveis, as
autoridades defendem a
ordem, a grandeza,
a imobilidade das
instituições, valores e
crenças de um
mundo, enfim, civilizado.
Essa atitude exige seriedade,
já que o riso
é o movimento,
o desequilíbrio, o
caos. O riso é,
portanto, relegado à
oposição. Reduzido à
função crítica, de escárnio,
de zombaria, ele se
torna ácido.
A era
da desvalorização cômica
(primeira metade do
século XVII) fracassa porque
o riso não morreu,
ele se transformou
em razão da evolução
cultural global. O
riso ora se torna
espetáculo ora instrumento
– ri-se às gargalhadas
e mata-se em duelos;
zomba refinadamente e
assassina-se por uma
tirada de espírito.
O riso torna-se,
antes de tudo, um
instrumento de crítica
social, política e
religiosa. O riso
polido se transforma
em zombaria nos séculos
XVII e XVIII. Todos
os risos, sonoros ou
insinuados, altos ou
abafados, participam,
em última instância,
da consolidação de
ordem social, moral e
política, desempenhando
a função de válvula
de escape.
“Não
é pela
cólera, é pelo
riso que
se mata”
A vida
política no século
XIX, que avança de
maneira caótica em
direção à democracia,
necessita do escárnio,
uma vez que o
debate livre não pode
prescindir da ironia.
Riso e democracia
são indissociáveis. O
riso de combate, o
riso partidário, conhece,
portanto, um extraordinário
renascimento no século
XIX. Os métodos grosseiros
de intimidação e
de repressão são largamente
empregados, mas os
regimes parlamentares
recorrem a soluções
mais sutis, e o
slogan romano “pão e
circo” retorna com toda
a força. As relações
entre a religião e
o riso não melhoram
no século XIX. Na
Igreja Católica, em particular,
os rostos nunca estiveram
tão franzidos. A Igreja,
encenada, criticada,
confrontada com a
ascensão das ciências
e do ateísmo, encolhe-se,
crispa-se sobre seus
valores e responde
ao mundo moderno com
o anátema. Mais que
nunca, o riso é
diabólico.
O filósofo
Hegel abre o século
XIX com desconfiança
em relação ao riso
em sua seriedade
dialética. Já Kierkegaard
apresenta o riso
do desespero e Arthur
Schopenhauer afirma que
o pessimismo não é
inimigo do riso,
ao contrário. Mas o
grande sopro da gargalhada
niilista atravessa
a obra de Nietzsche e apresenta
o riso destrutivo:
“Não é pela cólera,
é pelo riso que
se mata”. Bergson
apresenta sua mecânica
social do riso: “O
cômico é inconsciente”.
Sigmundo Freud interessa-se
pela questão e vê
no humor a forma
mais acabada do triunfo
do eu. O humor
tem “alguma coisa de
sublime e de
elevado...”. Assim
na primeira metade do
século XIX, o mundo
interpretado pelo riso
é a visão do
grotesco romântico.
E na segunda metade
do século, é uma
visão do absurdo derrisório.
“O
riso é satânico,
logo, é profundamente
humano”, escreve Baudelaire
em seu tratado Da
essência do riso.
Toda a obra de
Victor Hugo ilustra a
ambiguidade do riso.
O mundo riu de
tudo, dos deuses, dos
demônios e, sobretudo,
de si mesmo. O
riso foi o ópio
do século XX, de
Dada aos Monty Pythons.
Essa doce droga permitiu
à humanidade sobreviver
a suas vergonhas.
Assim o riso tornou-se
o sangue e a
respiração dessa sociedade
humorística que é
a nossa. Não há
como escapar dele: o
riso é obrigatório,
os espíritos tristonhos
são postos em quarentena,
a festa dever ser
permanente.
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