Definição do Amor (Felix Lope
de Vega - 1562-1635)
Desmaiar-se, atrever-se, estar
furioso,
áspero, terno, liberal,
esquivo,
alentado, mortal, defunto,
vivo,
leal, traidor, covarde e
valoroso;
não ver, fora do bem, centro e
repouso,
mostrar-se alegre, triste,
humilde, altivo,
enfadado, valente, fugitivo,
satisfeito, ofendido, receoso;
furtar o rosto ao claro
desengano,
beber veneno qual licor suave,
esquecer o proveito, amar o
dano;
acreditar que o céu no inferno
cabe,
doar sua vida e alma a um
desengano,
isto é amor; quem o provou bem
sabe.
Restos (Ildásio Tavares)
Há um resto de noite pela rua
Há um resto de tédio inevitável
Que se evola na tênue antemanhã.
Há um resto de sonho em cada
passo
Que antes de ser se foi, já não
existe.
Há um resto de ontem nas calçadas
Que foi dia de festa e fantasia.
Há um resto de mim em toda parte
Que nunca pude ser inteiramente.
Canção matinal (Ruy Espinheira
Filho)
Acorda bem cedo o homem
da casa de telha-vã
e abre janela e porta
como se abrisse a manhã.
nem triste, nem só, nem vã.
É doce: cheira a goiaba
e brilha como romã
orvalhada. E ele caminha,
o homem, com passos de lã
para em nada perturbar
a quietude da manhã.
Já não há mágoas de perdas
nem angústias de amanhã,
pois a alma que há na calma
entre a goiaba e a romã
é a própria alma do homem
da casa de telha-vã,
que declara a noite morta
e acende em si a manhã.
Canção de depois de tanto (Ruy
Espinheira Filho)
que a vida está um deserto
e o coração só me pulsa
sombras do Ido e do Incerto.
Vamos beber qualquer coisa,
que a lua avança no mar
e há salobros fantasmas
que não quero visitar.
Vamos beber qualquer coisa
amarga, rascante, rude,
brindando sobre o já frio
cadáver da juventude.
Vamos beber qualquer coisa.
O que for. Vamos beber.
Mesmo porque não há mais
o que se possa fazer.
Um deus também é o vento
(Paulo Leminski)
um deus também é o vento
só se vê nos seus efeitos
árvores em pânico
bandeiras
água trêmula
navios a zarpar
me ensina
a sofrer sem ser visto
a gozar em silêncio
o meu próprio passar
nunca duas vezes
no mesmo lugar
a este deus
que levanta a poeira dos caminhos
os levando a voar
consagro este suspiro
nele cresça
até virar vendaval
“A nossa poesia é uma só
Eu não vejo razão pra separar
Todo o conhecimento que está cá
Foi trazido dentro de um só mocó
E ao chegar aqui abriram o nó
E foi como se ela saísse do ovo
A poesia recebeu sangue novo
Elementos deveras salutares
Os nomes dos poetas populares
Deveriam estar na boca do povo
No contexto de uma sala de aula
Não estarem esses nomes me dá
pena
A escola devia ensinar
Pro aluno não me achar um bobo
Sem saber que os nomes que eu
louvo
São vates de muitas qualidades.
O aluno devia bater palma
Saber de cada um o nome todo
Se sentir satisfeito e orgulhoso
E falar deles para os de menor
idade
Os nomes dos poetas populares”
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