Alternadamente
agressivo, sarcástico,
escarnecedor, amigável,
sardônico, angélico,
tomando as formas
da ironia, do humor,
do burlesco, do grotesco,
ele é multiforme,
ambivalente, ambíguo. Pode
expressar tanto a
alegria pura quanto
o triunfo maldoso, o
orgulho ou a
simpatia. Serve ao
mesmo tempo para afirmar
e para subverter.
Na encruzilhada do
físico e do psíquico,
do individual e do
social, do divino
e do diabólico,
ele flutua no equívoco,
na indeterminação. Portanto,
tem tudo para seduzir
o espírito moderno.
Fenômeno universal,
ele pode variar muito
de uma sociedade
para outra, no tempo
e no espaço.
O riso,
nos mitos gregos, só
é verdadeiramente alegre
para os deuses. Nos
homens, nunca é
alegria pura; a
morte sempre está por
perto, e essa intuição
do nada, sobre o
qual estamos suspensos,
contamina o riso.
Aliás, pode-se, literalmente,
“morrer de rir”.
O trocista
e sarcástico Momo, do
panteão grego, zomba,
caçoa, escarnece e faz
graça. Já Dionísio,
deus da vinha, do
vinho, da embriaguez,
é ambíguo, perturbador
– deus da ilusão, associado
ao teatro misturando
comédia e tragédia.
O
humor está
em toda
parte.
A primeira
qualidade do humor
é precisamente escapar
a todas as definições,
ser inacessível, como
um espírito que passa.
O conteúdo pode ser
variável: há uma
multiplicidade de humor,
em todos os tempos
e em todos os
lugares, desde o
movimento em que,
na mais remota pré
história, o homem
tomou consciência dele
mesmo, de ser aquele
e ao mesmo tempo
de não o ser
e achou isso muito
estranho e divertido.
O humor surge quando
o homem se dá
conta de que é
estranho perante si
mesmo.
Diabolização
do riso
na Idade
Media
O riso
não é natural no
cristianismo, religião séria
por excelência. Suas
origens, dogmas, história
o provam. O monoteísmo
estrito exclui o
riso do mundo divino.
Para os cristãos,
quando o pecado original
é cometido, tudo se
desequilibra, e o
riso aparece: o diabo
é responsável por
isso. Essa paternidade
tem sérias consequências:
o riso é ligado
à imperfeição, à
corrupção, ao fato
de que as criaturas
sejam decaídas, que não
coincidam com seu
modelo, com sua
essência ideal. É
esse hiato entre a
existência e a
essência que provoca
o riso, essa defasagem
permanente entre o
que somos e o
que deveríamos ser. O
riso vai se insinuar
por todas as imperfeições
humanas.
Os pais
da Igreja viram no
riso um fenômeno diabólico,
ligado à decadência
humana. Eles tinham
uma concepção muito negativa
do riso, e isso
marcará o cristianismo
durante século.
Na Idade
Média, a visão cômica
foi excluída do domínio
sagrado e tornou-se
a característicaessencial
da cultura popular, que
evoluiu fora da
esfera oficial. O riso
medieval explode de
forma espetacular na
festa – Carnaval e peças
cômicas.
A Renascença
foi a rejeição da
cultura oficial da
Idade Média pelo riso
popular, por uma
“carnavalização direta da
consciência, da concepção
de mundo e da
literatura” (BAKHTINE,
M. L'Ceuvre de François
Rabelais. Paris. 1970,
p.273). Os humanistas
utilizaram a cultura
popular cômica medieval
como alavanca para reverter
os valores da sociedade
feudal. Pelo riso,
eles liberaram a cultura
de sendeiro escolástico
estático e introduziram
uma visão de mundo
dinâmica, otimista e
materialista. O revelador
dessa revolução pelo riso
foi Rabelais, o Marx
da hilaridade, o
fundador da internacional
do riso. Rabelais realizou
a síntese entre o
cômico popular medieval,
de base corporal,
e o cômico humanista,
de base intelectual.
Com Boccacio, Rabelais,
Cervantes e Shakespeare
o riso ascende ao
estatuto filosófico.
O riso não é
só divertimento, pode
ser uma filosofia:
eis uma das grandes
descobertas da Renascença,
que dá ao riso
direito de cidadania
na grande literatura.
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