03 novembro 2015

Carlos Zéfiro, um mito do quadrinho erótico brasileiro (1)


Dependendo da sua idade e grau de interesse por histórias em quadrinhos, é bem provável que você nunca tenha ouvido falar em Carlos Zéfiro. Entretanto, são enormes as chances de seu pai ou seu avô conhecerem a obra deste lendário artista brasileiro, e mais do que isso, de terem se masturbado pela primeira vez enquanto liam algum de seus gibis. Zéfiro indiscutivelmente foi o mestre supremo das HQs pornográficas tupiniquins, mas por vezes chega a ser difícil para jovens acostumados às liberdades do século XXI entenderem o porquê de toda a importância que lhe é atribuída.

Durante mais de quatro décadas ele foi uma das lendas mais intrigantes no mundo dos quadrinhos brasileiros. Em 1991 a revista Playboy fez o mito sair do anonimato. Carlos Zéfiro era o pseudônimo de Alcides de Aguiar Caminha, um discreto funcionário público carioca cujo currículo, além das cerca de 800 historinhas pornográficas escritas entre o final dos anos 40 e os anos 80, também ostentava alguns dos maiores clássicos do samba brasileiro ¨C a maior parte dos quais composto em parceria com Nelson Cavaquinho.
 
Alcides Aguiar Caminha (1921-1992) era o nome do carioca que se escondia sob o pseudônimo de Zéfiro para publicar as revistinhas que fizeram a alegria dos adolescentes das décadas de 1950 e 1960. Somente um ano antes de sua morte é que foi revelada sua verdadeira identidade. Numa entrevista, ele disse que se escondia devido à Lei Federal nº 7.967, já extinta, que regia o funcionalismo público. “Eu perderia o emprego se me envolvesse em escândalos. Fazia este trabalho clandestinamente”, disse ele. O pacato funcionário do Departamento Nacional de Imigração, no Ministério do Trabalho, era também o autor das picantes histórias em quadrinhos com close em atos sexuais. “Na obra dele podia tudo: irmão com irmã, padre com beata, homossexuais. Acho que o que mais atrai é a simplicidade e a falta de preconceito. Era transgressor
na época e continua sendo”, diz Adda Di Guimarães da editora A Cena Muda, mesmo nome da banca carioca de revistas antigas.

Para o chargista Chico Caruso, 55 anos, “os desenhos eram eficientes, pois passavam erotismo com poucos recursos”. Chico lia as edições emprestadas por colegas de rua, em São Paulo. “Fazia a gente até perder a respiração. Era emocionante.” O desenhista Miguel Paiva, 55 anos, chegou a escrever um argumento de filme baseado em Zéfiro, que entregou ao cineasta Sílvio Tendler. “Fui um grande consumidor. Essas revistinhas tinham enorme rotatividade entre os garotos. A gente se masturbava com Zéfiro e fotonovelas italianas”, relembra ele. Mas por que eram chamadas de catecismo? Em entrevista dada no ano de sua morte, Caminha disse: “Nasceu em São Paulo, mas até hoje eu não sei por que os paulistas deram esse nome.”

CATECISMO


As célebres revistinhas recebiam o nome de “catecismos” pelo seu formato de bolso, semelhante ao das publicações de iniciação católica. Desde o final dos anos 80, quando Zéfiro deu o ponto final à sua produção por conta de um problema de vista, seus quadrinhos praticamente sumiram das bancas e passaram a ser disputados por saudosistas e colecionadores. Esse fato chamou a atenção da empresária Adda Guimarães, proprietária da banca A Cena Muda, no Rio de Janeiro especializada em edições raras. Desde março de 2005 os catecismos estão sendo republicados quinzenalmente em edições de até três mil exemplares. Todos no formato de bolso e com 32 páginas, o mesmo das edições feitas por Zéfiro. Serão lançados os 862 catecismos cuja autoria foi comprovada. As revistas têm projeto gráfico do designer Felipe Taborda, e apresentação do jornalista Joaquim Ferreira dos Santos.

Os catecismos eram vendidos clandestinamente em locais como barbearias e bancas de jornal. O formato fino das revistinhas facilitava a ocultação, sendo escondido em livros, cadernos e principalmente em outras revistas que eram compradas exclusivamente com este propósito, para a felicidade dos jornaleiros que sempre lucravam em dobro. As histórias de Carlos Zéfiro, na maioria das vezes, apresentavam mulheres e homens fogosos e viris. De vez em quando aparecia um jumento aqui, um corcunda ali, mas estes eram exceção à regra. Curiosamente, sua historinha mais vendida, a hilária "Aventura de João Cavalo" trazia como protagonista um nordestino atarracado e feioso que, digamos, possuía um dote peculiar que compensava sua falta de beleza e justificava tal denominação.

As revistinhas de Carlos Zéfiro eram um sucesso entre os adolescentes cheio de espinhas e tesão, encontrando público também entre os homens de outras faixas etárias. E coitado de quem desse mole de ser flagrado portando uma dessas obscenidades por aí: consideradas como uma total imoralidade pelas tradicionais famílias católicas da época, os catecismos também sofriam a fúria impiedosa das feministas, que se consideravam reduzidas à condição de reles prostitutas em suas histórias. Com todo esse arsenal moral apontado para sua cabeça, Alcides achou melhor manter sua identidade em segredo, mesmo depois de ter interrompido seus trabalhos em 1968, temendo a perseguição do regime militar, além de enfrentar dura concorrência das famosas revistinhas dinamarquesas e suecas, que traziam fotonovelas de sacanagem a cores, com closes de genitálias que não eram páreo para sua humilde "sacanarte".


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