Dos anos 50 até a década de 1960
circularam clandestinamente, por todo o Brasil, os chamados
catecismos,
pequenas revistas de 32 páginas que cabiam no bolso e contavam histórias de
sacanagem. O principal autor desse gênero, e também o melhor, assinava como
Carlos Zéfiro e durante mais de trinta anos sua identidade foi mantida em mais
absoluto segredo. As cobiçadas histórias em quadrinhos de cunho erótico que
ficaram conhecidas por "revistinhas" ou "catecismos",
fizeram a cabeça e as fantasias sexuais dos adolescentes dos anos 50 e 60. Os
"catecismos" eram desenhados diretamente sobre papel vegetal,
eliminando assim a necessidade do fotolito, e impresso em diferentes gráficas
em diferentes Estados, gerando, inclusive, diversos imitadores.
O pacato funcionário do Departamento
Nacional de Imigração, de nome Alcides Caminha, realizava, nas horas vagas,
diversos desenhos quando um colega lhe apareceu com duas revistinhas italianas
e, sabendo do talento do amigo para o desenho, lhe pediu que ampliasse os
desenhos. Alcides tomou gosto pela coisa, e a partir daí passou a criar suas
próprias histórias, utilizando-se diversas vezes do artifício de copiar
desenhos e posições de outras revistas e fotonovelas eróticas. Temendo perder o
emprego - e, depois de aposentado, sua humilde pensão - caso se envolvesse em
escândalos (em função da antiga Lei 7.967, que regia o funcionalismo público),
Alcides adotou o nome fictício de Carlos Zéfiro, e passou a produzir inúmeras
historinhas na clandestinidade.
Alcides também tinha dotes musicais:
amigo de Guilherme de Brito e Nelson Cavaquinho, compôs quatro sambas com o
último, entre eles o clássico "A Flor e o Espinho". Mas foi mesmo com
sua identidade secreta que Caminha conheceu o sucesso, mesmo que sem retorno
financeiro. Ele iluminou o imaginário libidinoso do contido e conservador
Brasil das décadas de 50 a 70. Um artista de desenhos toscos e sem técnica que
foi durante anos a fio tachado de pornográfico, e manteve-se na clandestinidade
até os setenta anos, quando sua identidade foi finalmente revelada.
Durante quase toda a década de 60 essa
era praticamente a única literatura visual erótico-pornográfica disponível, já
que ainda não havia revistas de mulher nua (a não ser a Playboy americana
importada) nem vídeos-pornô. A decadência dos catecismos ocorreu porque
começaram a aparecer revistas de fotonovelas suecas e dinamarquesas coloridas e
o interesse do público se desviou. Outro motivo era a paranóia gerada pela
ditadura militar brasileira, então no seu auge. Hélio Brandão chegou a ser
preso em meados da década de 70 (durante a Copa do Mundo) e passou alguns dias
na cadeia, mas nunca entregou a verdadeira identidade de Zéfiro. Depois disso,
resolveu parar com a editora clandestina, pois estava tendo mais dor de cabeça
do que qualquer outra coisa. As vendas tinham caído, era difícil arranjar os
esquemas de impressão e distribuição devido à vigilância e paranóia que se
intensificavam, e simplesmente pararam.
Inspirados nos notórios Tijuana Bibles
publicados nos EUA nas décadas de 30 e 40, esses gibis quase artesanais eram
distribuídos através de uma ampla rede clandestina que cobria todo o país e
fizeram enorme sucesso. Naqueles tempos, não havia revistas eróticas vendidas
livremente como hoje. Todas eram clandestinas. Elas eram vendidas por baixo do
pano, de mão em mão e também nas bancas normais, só que às escondidas. Para
comprar os catecismos era necessário ser da confiança do jornaleiro.
Carlos Zéfiro (o mestre dos quadrinhos
pornôs brasileiros) soube como ninguém retratar o sexo como ele o é na vida
real, sem falsos pudores, sem hipocrisia, com tesão, com poesia, não
respeitando nenhum tabu e desvendando-nos todas as fantasias. Ele dizia-se
honrado por fazer parte da história do Brasil. Mas não se importa muito. Afinal,
"tudo na vida é muito efêmero. Hoje se está no apogeu, amanhã no
ostracismo".
Em 1970, durante a ditadura militar, foi
realizada em Brasília uma investigação para descobrir o autor daquelas obras
pornográficas que chegou a prender por três dias o editor Hélio Brandão, amigo
do artista, mas que terminou inconclusa. Em 1992 recebeu o prêmio HQMix, pela
importância de sua obra. Após sua morte teve um trabalho publicado como
homenagem póstuma em 1997 na capa e no encarte do cd "Barulhinho Bom"
da cantora Marisa Monte.
Utilizando uma linguagem chula, Zéfiro
permeou todo o imaginário popular. Por suas páginas, desfilaram as grandes
musas da garotada: viúvas sedentas, desquitadas carentes, padres devassos,
freiras pecaminosas, refletindo a realidade provinciana e reprimida do nosso
velho Brasil. “Acho que ele foi o único artista de quadrinhos que possuiu um
substrato popular. Seu estilo era genial. E inconfundível. Sua narração era
muito bem conduzida, de uma forma que jamais vi novamente, mesmo nas revistas
internacionais”, declarou o desenhista Luis Gê. Octacílio D´Assumpção, autor de
“O Quadrinho Erótico de Carlos Zéfiro” declarou que Zéfiro desconhecia a
dimensão de seu trabalho: “Ele nunca teve a consciência de sua importância.
Sempre foi muito simples!”.
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