O homem que se escondeu durante trinta anos por trás do pseudônimo de Carlos Zéfiro era Alcides Aguiar
Caminha. Alcides era funcionário público (e compositor nas horas vagas, sendo co-autor de A Flor e o Espinho, de parceria com Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito). Ele desenhava os catecismos como um biscate para complementar o orçamento. Começou meio de brincadeira. Estimulado pelo amigo Hélio Brandão (também já falecido), dono de um sebo na Praça Tiradentes (Rio de Janeiro), Alcides produziu os primeiros catecismos, no final dos anos 50. Hélio se encarregava de providenciar a impressão e distribuição clandestinas dos catecismos, que chegaram a te mais de 2 mil edições diferentes (sendo cerca de 800 produzidas por Carlos Zéfiro).
O mistério sobre a identidade de Zéfiro
durou muitos anos, pois o segredo foi muito bem guardado. O medo maior de
Alcides era que, se fosse descoberto, poderia ser demitido por justa causa do
serviço público. Somente em 1991 ele topou revelar sua identidade, e mesmo assim
por uma circunstância estranha. Sabendo que um outro colega seu, o desenhista
Eduardo Barbosa, estava dando uma entrevista para a revista Playboy se dizendo
o verdadeiro Zéfiro, Alcides decidiu "se entregar" e desmascarar a
farsa. Na realidade, Eduardo Barbosa desenhou vários catecismos, mas ele não
era Zéfiro. Essa revelação coincidiu com a I Bienal de Quadrinhos, em novembro
de 1991, quando foi realizada uma homenagem a Alcides e sua identidade veio a
público. Nesse pouco tempo de vida que lhe restava, Alcides teve a justa
homenagem e reconhecimento por seu trabalho. Alcides morreu em 3 de julho de
1992, de derrame, um dia após de ter sido homenageado com banda de música e
tudo numa solenidade onde recebeu um troféu HQ-MIX.
Outro autor que se destacou nesse
período assinava Chang, mas não era tão conhecido mas nem é mais lembrado.
Muitos desenhistas de quadrinhos profissionais também disfarçaram seus traços e
produziram catecismos, publicados no mesmo esquema por outras
"editoras" clandestinas. Os melhores eram os produzidos por Carlos
Zéfiro que, apesar das deficiências do traço, escrevi as melhores histórias. A
história de um catecismo padrão geralmente começava, nas primeiras páginas, o
personagem conhecendo uma moça, seduzindo-a mais ou menos até a página 15, e
daí até a página 32 era sacanagem pura.
O curioso é que Zéfiro não era
desenhista, mas sabia manipular os materiais de desenho, e era capaz de fazer
uma história de quadrinhos decalcando, em papel vegetal , posições de revistas
de fotonovelas e de revistas publicadas pela Editormex (onde baseou o seu
estilo) e fotos eróticas fornecidas por Hélio. Por isso, a irregularidade entre
os desenhos de uma mesma história é muito grande, pois quando não havia
referências para decalcar os desenhos ficavam toscos. Ainda asim, comunicavam
muito e eram uma verdadeira febre entre adolescentes e adultos daquela época.
CLANDESTINO
"De fato, vendido de modo
clandestino, produzido de forma artesanal, desenhado com técnicas bisonhas e
relatando histórias que tinham (e ainda têm) um enorme apelo, os livrinhos de
Zéfiro faziam a ponte perfeita entre as conversas na roda de amigos e aquilo
que se suspeitava que ocorria nas alcovas. Quer dizer: os livros de sacanagem
apresentavam um pouco essa possibilidade de ter o sexo e a sexualidade como
algo destacado e individualizado, alguma coisa que poderia ser vista quando se
desejava e que era guardada numa gaveta e não na igreja, prostíbulo ou quarto
de dormir como era o caso do sexo da vida real. Neste sentido, é também claro
que parte do sucesso desta literatura estava precisamente no seu desenho
igualmente ambíguo que, aliado a uma reprodução gráfica deficiente, criava uma
impressão estranha, exótica. Uma impressão, enfim, de desfamiliarização que era
precisamente o máximo que esse gênero de narrativa poderia esperar!",
escreveu Roberto DaMatta em “Para uma teoria da sacanagem: uma reflexão sobre a
obra de Carlos Zéfiro” (A Arte sacana de Carlos Zéfiro. Marco Zero, 1983).
"Um importante elemento nessas
narrativas é seu traço simples, descritivo, limitado a um mínimo de recursos
plásticos, como se estivesse restrito a apresentar o referente (acontecimentos
eróticos) de forma imediata. Em vez de índice de erotismo ingênuo, parece-me
que essa simplicidade é uma forma de integrar o leitor no universo desenhado,
onde ele se localiza como personagem de aventuras similares ou Autor de
desenhos com mesmo teor. Esse componente erótico se fez de forma direta e
rápida, que não dispensou rituais de desnudamento, exibição e contemplação (o
último passo exigia a inclusão do leitor). Seu universo masculino de leitura
não dispensou uma cuidadosa ênfase em aspectos didáticos da sexualidade - como
iniciar uma abordagem, quais as etapas de excitação a serem percorridas -
visando ao prazer masculino, sem desprezar minimamente seu correspondente
feminino" informou Marcos Antonio da Silva no artigo “Outros homens e
mulheres” (Prazer e poder do amigo da onça: 1943-1962. Paz e Terra, 1989)
Carlos Zéfiro nunca foi esquecido e
volta e meia seu nome vem à tona. Uma lona cultural em Anchieta (subúrbio do
Rio de Janeiro/RJ) tem o seu nome. A cantora Marisa Monte, em seu CD Barulhinho
Bom, usou desenhos de Zéfiro para ilustrar a capa e o folder do CD. As
histórias de Zéfiro têm sido reeditadas em edições fac-similares no mesmo
formato original. Na Internet é possível se encontrar muitas histórias de
Zéfiro compiladas no site www.carloszefiro.com, mantido sem fins lucrativos por
um fã.
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