Na década
de 1970 surgia a Arte Ambiental (Land Art) onde os objetos de arte
estavam integrado essencialmente a vida cotidiana. No Brasil, nomes
como Frans Krajcber e o Grupo Etsedron se pautaram por intervenções
nas paisagens. O Projeto Etsedron - nordeste escrito de trás para a
frente - agregava artes plásticas, música, dança, fotografia,
literatura e cinema. Edson da Luz, seu idealizador, trabalhando em
colaboração com vários outros artistas, escritores e intelectuais
- entre eles Marcio Meirelles, Matilde Matos, Lia Robato, Clyde
Morgan e Almandrade - buscava produzir obras que, integrando-se à
natureza e à realidade social do povo brasileiro, estimulassem os
vínculos entre arte e vida.
O projeto
provocou polêmica no meio artístico, elogiado por uns e criticado
por muitos. Apesar disso, um de seus projetos chegou a receber o
maior prêmio da Bienal Nacional de São Paulo de 1973. O grupo
buscava a legitimação da identidade cultural sertaneja, que
acreditava menosprezada pelo
circuito oficial de arte, submisso aos modelos europeu e
norte-americano. Afastava-se da folclorização, ainda que, para
isso, mergulhasse profundamente nas especificidades do ambiente
regional.
E antes
que conceitos como globalização entrassem em voga, o grupo já
lidava com a dicotomia global-local, propondo interações que
resultaram em imagens sociais pertinentes ao nosso contexto social,
contrapondo-se às soluções estéticas importadas e desconectadas
da realidade brasileira, que eram e são predominantes.
Suas
obras ou projetos ambientais eram concebidos durante o convívio com
as comunidades, através do qual rompia-se a barreira que separa a
arte da vida, ao mesmo tempo, desmistificando a “obra de arte”
como bem de consumo para uma elite burguesa. O grupo retratava, nos
moldes de um Guimarães Rosa, um Brasil sertanejo, pobre e agreste,
distante da imagem litorânea, paradisíaca e estereotipada. O
resultado de tal empreitada era a criação de figuras orgânicas
antropomórficas compostas por cipós, palhas, couro, cabaças,
sementes, buchas, raízes e outros elementos naturais oriundos do
local escolhido. Tudo era feito coletivamente e apresentado em
ambientações acompanhadas por música e dança.
Esses
projetos provocaram enorme repercussão à época, participando de
Bienais em São Paulo e confrontando museus e autoridades que
compunham o circuito oficial de arte. O grupo acabou pagando caro por
sua atitude provocativa: depois de dez anos de atividade, acabou
dissolvendo-se melancolicamente por falta de apoio.
No dia 14
de fevereiro de 1979 o Correio da Bahia publicou em sua capa do
Caderno de Cultura (na época era editor desse caderno): “Denúncia:
deterioração do Etsedron no MAMB”, onde o artista baiano Edson da
Luz contava as dificuldades e lutas que enfrentou e enfrenta para
continuar existindo. Ele denunciava os artistas que faziam arte por
diletantismo e que viajavam para a Europa só para trazer estilos e
ideias importadas.
o início
o grupo ficou conhecido pelo lançamento do Espantalho (1971),
denuncia do nosso comportamento alienado e da falta de caráter do
brasileiro. O material era todo o lixo do Complexo Industrial de
Camaçari. Depois começou a burilar o cipó e não parou mais. Foi
exibido em várias cidades, mas a Bahia continuava fechando as portas
para esse movimento. Na época uma série de reportagens foi
publicada pelo Correio reforçando a força do movimento artístico.
O foco
principal era mostrar o Nordeste rural, ao interior, seguir pela
contra mão da cultura oficial. Como proposta inicial de ruptura e
confronto, partiram para uma crítica à sociedade de consumo e, por
extensão, à própria Pop Art, a corrente estética então no auge,
que percebiam como difusora de signos da cultura de massa e em
particular da cultura norte-americana.
Formado
inicialmente por alunos do curso regular e dos cursos livres da
Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, o Etsedron
teve ao longo de sua trajetória inúmeros integrantes e
simpatizantes que orbitavam em torno de um núcleo central encabeçado
pelo artista plástico Edison da Luz, onde também figuravam nomes
como Matilde Matos, Palmiro Cruz, Chico Diabo, Joel Estácio,
entre outros.
“(...)
é preciso parar. Parar e pensar. Mudar e construir. Construir
mergulhando – com sinceridade e sem demagogia ou falso ufanismo –
na nossa realidade cultural. Nos nossos problemas pessoais,
políticos, econômicos. No nosso folclore tão odiado;
incompreendido, desconhecido e mal amado. É preciso esquecer o
fascínio. O delírio também. É preciso ter a coragem da humildade
e ver o que somos. A arte brasileira só será respeitada e admirada
lá fora e por nós mesmos quando ela for uma extensão natural do
que somos. Caso contrário, ainda vão continuar sorrindo de nossos
trabalhos, de nosso número sempre maior de artistas expondo o
arremedo (subproduto) da arte do mundo” (KRÜSE, Olney. XIII Bienal
Internacional de São Paulo, 1975. p. 56. Catálogo de exposição).
O
Etsedron fazendo jus à sua proposta inicial de ir até o “avesso”
da condição nordestina, não apenas tangenciou os melindres
acadêmicos e artísticos, assim como também colocou em xeque a
percepção oficial que o Brasil tinha de si mesmo, provocando
celeumas nas Bienais paulistas, principais cenários das artes
plásticas no país.
O
Etsedron deve ser compreendido enquanto um fenômeno coletivo e
geracional. Partilhava de uma atitude rebelde encontrada também em
outros grupos de jovens artistas da época que viram na série de
correntes que emergiram no pós-guerra – happening, conceitualismo,
land art, optical art, performance, entre outras – questões como
autoria, unidade, originalidade e autenticidade da obra de arte serem
problematizadas assim como todas as regras da sociedade. Operando na
mesma frequência que o Etsedron, tivemos na Alemanha o grupo Fluxus,
na França, os Situacionistas, que elevaram o tom político a ponto
de influir na revolta estudantil de maio de 1968. Na Holanda, o
Movimento PROVOS (abreviatura de provocador) e na Itália, a Arte
Povera. Hoje, quatro décadas depois, obras como as
desenvolvidas pelo Etsedron continuam em foco, lutando cada vez mais
para sair da invisibilidade social que a cultura oficial dita
regras.
No dia 26
de novembro de 2012 o brilhante jornalista Chico Castro Jr publicou
na capa do Caderno 2 do jornal A Tarde uma reportagem “Outros tons
de luz” sobre o artista visual Edson da Luz, do lendário movimento
Etesedron. Para o jornalista, a Bahia “que nunca lidou bem com os
filhos mais rebeldes (…) aversos a onipresente política do tapinha
nas costas”. Edson é “praticamente desconhecido do grande
público, permanece, aos 72 anos, como um dos segredos mais bem
guardados de nossas artes visuiais'.
“A
Bahia (…) é o trampolim do atraso”, declarou o artista que mesmo
invisível em nossa sociedade, pretende criar ainda este ano o
Instituto Etsedron. A ideia é importante para o nosso Estado, mas
não espere nada das autoridades pois até hoje o Museu Glauber
Rocha, o de Frans Krajcberg e muitos outros estão em outras cidades
fora da Bahia. Afinal, a Bahia continua “eternamente imersa em sua
auto ilusão de paraíso cordial”.
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nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas),
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2 comentários:
Gostei de saber um pouco mais sobre Edson da Luz. Não sabia da existência do Etsedron. E olha que tenho formação em Artes. Esconderam bem o artista e o grupo. Obrigada por compartilhar! Um abraço das terras pernambucanas.
Bahia eterna vergonha
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