18 fevereiro 2013

Rock, reggae, funk, skate e surf movimentam as tribos urbanas

Filhos da sociedade industrial, onde sempre germina a contestação juvenil, punks, skinheads (carecas), metaleiros (headbangers), rastas, darks e muitas outras tribos continuam presentes nas grandes metrópoles. Mesmo com toda repressão social e familiar, eles marcaram os últimos anos do final do século XX com novas formas de expressar sua revolta contra um mundo difícil e culturalmente caótico. Usam métodos discutíveis, transformam-se, estão um pouco mais dispersos e hoje começam a ser assimilados por um sistema que transforma tudo em moda e comércio. Aqui, um pouco da trajetória, idéias e comportamento das tribos urbanas.

As tribos de Salvador estão se organizando, deixando os guetos e a clandestinidade, para respirar em novos espaços. Eles andam em bando e vivem à procura de seus iguais pela periferia e centro da cidade. São jovens em busca de uma identidade, alguma diversão que lhes dê um estilo de vida, um ideal. Som e manifesto. Música e comportamento. Uma maneira de se vestir, de pensar, eles querem é experimentar, mesmo que não tenha método, estrutura. As tribos essencialmente musicais invadiram alguns templos noturnos da cidade para a celebração de seus rituais. São dezenas de bandas que se espalham pelos cantos da cidade.

Muitos dos seus integrantes conciliam os estilos mais inusitados. O que antes não acontecia. É o chamado “crossover”. Reggae e rock, dance music e funk, tudo misturado no caldeirão da cultura pop. A comunhão cultural ser estendeu em Salvador e pode ser vista a qualquer hora nas ruas. Dê uma olhada em sua volta e tente identificar qual o estilo que certos garotos e garotas adotam. O cinto pode ser punk, as calças seguem o estilo trash, a camiseta traz a inscrição de um grupo hip hop (ou punk ou hard rock) e, enfeitando as cabeças, um boné, de preferência com a pala voltada para trás. Uma verdadeira salada visual. Através do som, da dança e da performance as tribos se revelam. Essas tribos dificilmente dividem o mesmo perímetro urbano em Salvador e trazem numa estética sempre importada. Ser componente de uma tribo musical é, às vezes, uma forma de suplantar a pobreza a que é confinado.

CALEIDOSCÓPIO – Punks, darks, metaleiros, yuppies, rasta. É a aldeia global padronizada e uniforme dos anos 70 que vai cedendo lugar às novas tribos urbanas, obrigadas a uma convivência nem sempre pacífica, de estilos e tendências de diversas épocas e origem que marcam a atual juventude das grandes metrópoles. Um passeio pelas ruas da cidade revela o caleidoscópio em que se transformaram as velhas turmas. São os cortes de cabelo à la moicanos identificando os punks, as roupas pretas aprontando um depressivo dark, as pulseiras com tachas e os longos cabelos mostrando um metaleiro de longe. Os músculos ressaltam os aeróbicos. Dos amplos salões dos blacks e os espaços apertados dos darks, dos escritórios clean e hitech dos jovens executivos (yuppies) às ruínas ocupadas pelos punks, o cenário pode mudar mas a procura é a mesma: fugir à padronização.

Contestação com muito barulho é a marca do grito adolescente dos metaleiros, os adeptos do rock pesado. Os cabelos compridos, o gosto pelas letras macabras e as pulseiras pontiagudas deram uma fama de violentos e mal humorados aos cultores dos decibéis e da velocidade como padrão musical. “O som do mais alto volume faz a cabeça de todo mundo”. A cabeça é, por sinal, o principal na dança dos metaleiros, conhecidos na Europa e nos EUA como head-bangers, por causa dos meneios de cabeça com que saúdam seus ídolos. Ainda na cabeça tem os violentos skinheads ou carecas cuja forma de protesto é a violência física. São os rambos da atualidade.

ALTERNATIVOS – Os darks vivem de preto, uma cor bem de acordo com sua curtição noturna. Enquanto os darks – cuja alcunha significa oculto, escuro, em inglês – prefere a noite, os aeróbicos, ao contrário, optam por uma saudável vida diurna. Tão solares quanto os aeróbicos, mas preferindo os movimentos sutis ao esforço dos exercícios, e a participação à força física, os alternativos se dividem entre as terapias orientalistas e hábitos naturalistas dos anos 70, e a vontade de mudar o mundo trazida dos 60. O Partido Verde, os defensores da natureza, o movimento ecológicos são os grupos que mais se destacam nesta tribo.

O sociólogo Michel Maffesoli, secretário geral do Centro de Pesquisas sobre o Imaginário e diretor do Centro de Estudos sobre o Atual e o Cotidiano na Universidade de Sorbone, reafirma suas teses sobre o fenômeno do tribalismo e a implosão da política na sociedade contemporânea em seu livro, “O Âmago das Aparências”. Para Maffesoli, “não vivemos mais na sociedade de consumo, mas numa sociedade de desperdício absoluto. Existe a massa, e dentro da massa as pequenas tribos que consomem conforme a moda, num processo acelerado de obsolescência planejada dos objetos”. Seu trabalho aponta a megalópole moderna como habitat desse novo tribalismo. “O mundo que se desenha pode ser um mundo sinestésico – um termo que pego emprestado da Medicina para falar de uma sociedade como um corpo que atinge seu equilíbrio interno, entre função e disfunção, entre ordem e desordem. Eu proponho esse conceito para o corpo social, essa é minha hipótese: na heterogeneidade total, alcançaremos o equilíbrio”. Autor de “Conhecimento Comum”, “O Tempo das Tribos” e “A Conquista do Presente”, entre outros livros, Michel Maffesoli propõe um saber “plural, interdisciplinar, dionisíaco, carnal, passional e orgiástico”, em oposição aos grandes sistemas explicativos como o marxismo e o freudismo.

Tribos urbanas 1 (Reportagem publicada originalmente no jornal A Tarde, 16/06/1991.Texto: Gutemberg Cruz)

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