Filhos da
sociedade industrial, onde sempre germina a contestação juvenil,
punks, skinheads (carecas), metaleiros (headbangers), rastas, darks e
muitas outras tribos continuam presentes nas grandes metrópoles.
Mesmo com toda repressão social e familiar, eles marcaram os últimos
anos do final do século XX com novas formas de expressar sua revolta
contra um mundo difícil e culturalmente caótico. Usam métodos
discutíveis, transformam-se, estão um pouco mais dispersos e hoje
começam a ser assimilados por um sistema que transforma tudo em moda
e comércio. Aqui, um pouco da trajetória, idéias e comportamento
das tribos urbanas.
As tribos
de Salvador estão se organizando, deixando os guetos e a
clandestinidade, para respirar em novos espaços. Eles andam em bando
e vivem à procura de seus iguais pela periferia e centro da cidade.
São jovens em busca de uma identidade, alguma diversão que lhes dê
um estilo de vida, um ideal. Som e manifesto. Música e
comportamento. Uma maneira de se vestir, de pensar, eles querem é
experimentar, mesmo que não tenha método, estrutura. As tribos
essencialmente musicais invadiram alguns templos noturnos da cidade
para a celebração de seus rituais. São dezenas de bandas que se
espalham pelos cantos da cidade.
Muitos
dos seus integrantes conciliam os estilos mais inusitados. O que
antes não acontecia. É o chamado “crossover”. Reggae e rock,
dance music e funk, tudo misturado no caldeirão da cultura pop. A
comunhão cultural ser estendeu em Salvador e pode ser vista a
qualquer hora nas ruas. Dê uma olhada em sua volta e tente
identificar qual o estilo que certos garotos e garotas adotam. O
cinto pode ser punk, as calças seguem o estilo trash, a camiseta
traz a inscrição de um grupo hip hop (ou punk ou hard rock) e,
enfeitando as cabeças, um boné, de preferência com a pala voltada
para trás. Uma verdadeira salada visual. Através do som, da dança
e da performance as tribos se revelam. Essas tribos dificilmente
dividem o mesmo perímetro urbano em Salvador e trazem numa estética
sempre importada. Ser componente de uma tribo musical é, às vezes,
uma forma de suplantar a pobreza a que é confinado.
CALEIDOSCÓPIO
– Punks, darks, metaleiros, yuppies, rasta. É a aldeia global
padronizada e uniforme dos anos 70 que vai cedendo lugar às novas
tribos urbanas, obrigadas a uma convivência nem sempre pacífica, de
estilos e tendências de diversas épocas e origem que marcam a atual
juventude das grandes metrópoles. Um passeio pelas ruas da cidade
revela o caleidoscópio em que se transformaram as velhas turmas. São
os cortes de cabelo à la moicanos identificando os punks, as roupas
pretas aprontando um depressivo dark, as pulseiras com tachas e os
longos cabelos mostrando um metaleiro de longe. Os músculos
ressaltam os aeróbicos. Dos amplos salões dos blacks e os espaços
apertados dos darks, dos escritórios clean e hitech dos jovens
executivos (yuppies) às ruínas ocupadas pelos punks, o cenário
pode mudar mas a procura é a mesma: fugir à padronização.
Contestação
com muito barulho é a marca do grito adolescente dos metaleiros, os
adeptos do rock pesado. Os cabelos compridos, o gosto pelas letras
macabras e as pulseiras pontiagudas deram uma fama de violentos e mal
humorados aos cultores dos decibéis e da velocidade como padrão
musical. “O som do mais alto volume faz a cabeça de todo mundo”.
A cabeça é, por sinal, o principal na dança dos metaleiros,
conhecidos na Europa e nos EUA como head-bangers, por causa dos
meneios de cabeça com que saúdam seus ídolos. Ainda na cabeça tem
os violentos skinheads ou carecas cuja forma de protesto é a
violência física. São os rambos da atualidade.
ALTERNATIVOS
– Os darks vivem de preto, uma cor bem de acordo com sua curtição
noturna. Enquanto os darks – cuja alcunha significa oculto, escuro,
em inglês – prefere a noite, os aeróbicos, ao contrário, optam
por uma saudável vida diurna. Tão solares quanto os aeróbicos, mas
preferindo os movimentos sutis ao esforço dos exercícios, e a
participação à força física, os alternativos se dividem entre as
terapias orientalistas e hábitos naturalistas dos anos 70, e a
vontade de mudar o mundo trazida dos 60. O Partido Verde, os
defensores da natureza, o movimento ecológicos são os grupos que
mais se destacam nesta tribo.
O
sociólogo Michel Maffesoli, secretário geral do Centro de Pesquisas
sobre o Imaginário e diretor do Centro de Estudos sobre o Atual e o
Cotidiano na Universidade de Sorbone, reafirma suas teses sobre o
fenômeno do tribalismo e a implosão da política na sociedade
contemporânea em seu livro, “O Âmago das Aparências”. Para
Maffesoli, “não vivemos mais na sociedade de consumo, mas numa
sociedade de desperdício absoluto. Existe a massa, e dentro da massa
as pequenas tribos que consomem conforme a moda, num processo
acelerado de obsolescência planejada dos objetos”. Seu trabalho
aponta a megalópole moderna como habitat desse novo tribalismo. “O
mundo que se desenha pode ser um mundo sinestésico – um termo que
pego emprestado da Medicina para falar de uma sociedade como um corpo
que atinge seu equilíbrio interno, entre função e disfunção,
entre ordem e desordem. Eu proponho esse conceito para o corpo
social, essa é minha hipótese: na heterogeneidade total,
alcançaremos o equilíbrio”. Autor de “Conhecimento Comum”, “O
Tempo das Tribos” e “A Conquista do Presente”, entre outros
livros, Michel Maffesoli propõe um saber “plural,
interdisciplinar, dionisíaco, carnal, passional e orgiástico”, em
oposição aos grandes sistemas explicativos como o marxismo e o
freudismo.
Tribos urbanas 1
(Reportagem publicada originalmente no jornal A Tarde, 16/06/1991.Texto: Gutemberg Cruz)
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