Um
panorama da história da escravidão entre diversas sociedades. Este
é o panorama traçado pelo livro Terror e Aventura –
Tráfico de Africanos e Cotidiano na Bahia (Corrupio,
124 pags), escrito pela antropóloga Goli Guerreiro em parceria com
Elizabeth Rodrigues e ilustrado por Athos Sampaio. Desta vez os
acontecimentos não são escritos pela visão dos dominadores, e sim
pelos protagonistas da história. Em seis capítulos a obra aborda
desde os primórdios da escravidão na história da humanidade até a
abolição no Brasil.
“Acordei
de um longo sono, a intensa luz quase me cega
É
preciso revelar o que se nega
Se a
vida é uma escola toda escola tem seu quadro
Quadro
negro, formato quadrado
Nele
reescrevo a minha história, faço um diário
Na
minha lista negra só tem revolucionário
Marias
guerreiras das periferias você tem que ver
Os
guerreiros do passado e os atuais do MST
Os
homossexuais que resistem com dignidade
Crioulos
e indígenas que adentram as faculdades
Se o
escuro é feio minha poesia é imunda
Das
nuvens mais negras cai água límpida e fecunda
E por
falar em água, me vem na lembrança
O
quadro negro na verdade tem a cor da esperança
Que
caia um temporal sem pedir licença
A Lei 10.639, de 2003 que tornou obrigatório o ensino da História e
Cultura Afro Brasileira nas escolas agora tem uma ferramenta
importante. A obra apresenta a contribuição do povo negro na
formação político sócio econômica do Brasil. Poemas de Castro
Alves, textos do sacerdote Mestre Didi, do historiador Ubiratan
Castro e do rapper Jorge Hilton, da banda Simples Rap´ortagem estão
no livro e mostra visões múltiplas sobre o tema. A Corrupio que tem
uma marca de qualidade no mercado está de parabéns pelo lançamento,
assim como as autoras, Goli e Elizabeth e o excelente trabalho do
ilustrador Athos Sampaio. Um livro que merece ser lido e relido.
E faça
desabar essas velhas crenças
Visões
estúpidas, espalhadas pelo mundo
Que
associou a cor preta a tudo que é imundo
O
negro discrimina o próprio negro sim
Se
aquele que apontas como negro não se acha assim
Cresceu
aprendendo que ser negro é feio
Se é
tudo de ruim quem é que quer andar no meio?
Quem
escreveu a história do negro nesse país?
Basta
ver a cor do giz
Os
Reis Faraós do Egito hoje mumificados
Se
tirassem suas faixas pudessem ser ressuscitados
Quer
uma pista: Egito é um país africano
Não
adianta sabermos que não existe raça
Se o
conceito predomina e representa ameaça
O
hip-hop não nega a mestiçagem, porém
Sabe
que ela não trouxe igualdade pra ninguém
“Tá
vendo o que a herança racista ofereceu?
Se
existia escravidão entre africanos antes dos europeus
Era
com sentido diferente do que se viu
Não
eram vendidos, não tinha caráter mercantil
As
tribos guerreavam o grupo perdedor assume
Rendição
por questão de honra, de costume
Se há
uma cor do pecado ela chegou de mansinho
Espalhando
discórdia e ambição pelo caminho
Sua
ciência e religião assim disseram com toda calma
É
inferior! Pode escravizar que não tem alma
A cor
da paz cometeu holocausto aos judeus
Barbárie
na inquisição em nome de Deus
Nas
Américas, índios foram dizimados
Mas
quem sobreviveu está criando um novo quadro
Se na
prova der branco na memória
Vamos
denegrir a sua mente com a nossa história
A luz
do sol ofusca a visão
E a
beleza da lua só é possível com a escuridão
Tráfico de africanos e cotidiano na Bahia é parte de um amplo
projeto da Editora Corrupio, destinado à educação de crianças e
jovens, e vem suprir a necessidade urgente de uma bibliografia
adequada para atender escolas e professores no cumprimento da Lei
10.639 – que determina o ensino da História e Cultura da África,
nas escolas do país.
“A
luta pelas cotas não anula a luta pela melhora
Da
qualidade de ensino público, tu ignora
Pelo
contrário, quanto mais negros na academia
Muito
mais força pra se lutar por um novo dia
Racismo,
o que mais me causa espanto
Não
se encara como problema do branco
Mas
entre esses, há os que lutam pelo seu fim
“ah
se todo branco fosse assim”
Branquitude,
pouco se ouve falar
O que
explica o privilégio que sua etnia pode conquistar?
Pra
quem nasceu em berço de ouro é difícil entender
Que
não é só porque seus pais fizeram por merecer
Foram
anos de exploração no passado pra que um dia
A
sociedade fosse estruturada a favor de uma minoria
Há os
que não admitem cotas julgando serem injustas
Outros
julgando serem esmolas, tudo isso me assusta
Pergunto
quanto custa superar o engano?
Quanto
custa ignorar os direitos humanos?
Muita
coisa bonita garante a Constituição
Se
esquecida ou ignorada precisa de afirmação
Pretos
e brancos são iguais, e daí? Se a norma
Nem no
cemitério são tratados da mesma forma
Entenda
agora o que são ações afirmativas
Medidas
pontuais, alternativas
Medidas
passageiras que vem afirmar
Pra
sociedade, que há, desigualdades, a reparar
“A escravidão é um tema delicado e tivemos cuidado especial para
falar com jovens”, explica Goli Guerreiro. O tema complexo ganha
abordagem instigante na introdução, com a apresentação de dois
argumentos. Um deles é a ideia de que a escravidão existiu em
várias civilizações, “mas com características muito
diferentes”, como especificam Goli e Elizabeth. O outro pensamento
provocador anunciado na introdução diz respeito à crença de que a
escravidão racial tem origens ocidentais. “Este tipo de escravidão
que atingiu povos negros surgiu no século 9, no mundo árabe. A
noção de escravidão racial não é uma invenção do Ocidente”,
afirma Goli Guerreiro.
“Dos
que vivem abaixo da linha da pobreza
70%
são negros, que beleza!
Do
total de universitários brasileiros
97%
são brancos e herdeiros
De uma
política que patrocinou para embranquecer a raça
A
vinda de 4 milhões de estrangeiros, o tempo passa!
Tudo
isso, em 30 anos irmão
Foi o
que se trouxe de negros, em 3 séculos de escravidão
Patrocínio
com recurso público, o negativo
Para
os escravos libertos nenhum tipo de incentivo
Nos
mataram, exploraram e depois largaram a toa
Sem
emprego, casa, comida, só disseram: vai, voa!
Sem
asas e quem sobreviveu tá por um triz
Amontoados
nas favelas de todo país
Quantos
brancos moram lá? Cê conta no dedos
Agora
entenda porque cotas para negros
Refrão
Empresários,
juízes, modelos, doutores pretos e pretas
Se
querer é uma faceta
Eu
quero, desejo, uma elite preta
Uma
coisa é pedir outra é conquistar respeito
O
fruto de uma conquista dá-se o nome de direito
Olhe
pra minha cor, olhe pra nossa luta
Nem
esmola nem favor se desigual é a disputa
Entre
quem sempre teve privilégio de estudar
Com
ensino de qualidade em escola particular
E
querer comparar com ensino público e a situação
Tele-aula,
aceleração
Vestibular
pra faculdade pública o esquema é raro
Com
cotas ou não só entra quem tem preparo
Não
serão as cotas que terão o privilégio de inaugurar
A
presenças de alunos educados pra manguear
Vestibular
das particulares tomou a frente, foi mais ligeiro
Frequentemente
só basta ter dinheiro
Quem
concorrer pelas cotas vai se deparar legal
Com
uma concorrência enorme mas não desleal
Desleal
é a condição que o jovem negro encara
Fusca
para ele, Ferrari para os de pele clara
Competirem
com as mesmas regras, maldade
É
isso que eles chamam de igualdade
Engraçada
essa gente da estética
Ter
instrução em excesso nunca foi sinal de ética
O mundo negro que era praticamente invisível na linha editorial
brasileira (ou quando aparecia era simplesmente estereotipado) agora
tem sua visibilidade destacada, importante para a reescrita da
história das culturas africanas e afro-brasileiras em pauta no novo
processo educacional do Brasil. O trabalho foi realizado por
especialistas:
Goli
Guerreiro é pós-doutora em antropologia pela UFBA, onde realizou
pesquisa sobre culturas negras no mundo atlântico e desenvolveu a
ideia de terceira diáspora. Ela também edita o blog
www.terceiradiaspora.blogspot.com. Baiana de Salvador, é viajante e
fotógrafa amadora, registra cenas do cotidiano em cidades atlânticas
sobre as quais escreve e realiza mostras audiovisuais. Dedica-se à
antropologia urbana desde 1987. Mestre e doutora pela USP, pesquisou
a juventude identificada com o rock produzido no Brasil; publicou o
livro Retratos de uma tribo urbana – rock brasileiro. O doutorado
foi base para o seu segundo livro A trama dos tambores – a música
afro-pop de Salvador. Atualmente é consultora editorial e curadora
da Coleção Cidades da Bahia da Editora Corrupio.
Elizabeth
Rodrigues é mestre em antropologia pela UFBA, coautora do livro
Ogum, rei de muitas faces e outras histórias dos orixás, da Cia das
Letras (2000) e coautora do livro Tutu no Murundu da Companhia das
Letrinhas, a ser lançado em fevereiro de 2013. Autora de diversos
contos publicados no Caderno Infantil da Folha de S. Paulo e do
jornal A Tarde e da editora Publifolha e etc. Foi co-roteirista no
documentário Marujada do programa Bahia Singular e Plural da TVE,
Bahia, Irdeb em 2001.
Será
mesmo a suposta elevação intelectual
Que
garantirá a formação, de um bom profissional?
Não
subestime a inteligência dos excluído desse milênio
A
faculdade do crime só tem gênio
A
elite é quem decide em âmbito nacional
Se
nossa inteligência será usada para o bem ou para o mal
Tanto
tempo buscando debate ninguém se importou
A cota
de tolerância do meu povo já se esgotou
A
Simples Rap´ortagem revela para o Brasil
Com
cotas ou não vestibular é funil
Com
cotas ou não vestibular é peneira
Quem
concorrer pelas cotas mas não for bom vai levar rasteira
Que
vença o melhor...chega a ser hilário
A
prova é uma só os concorrentes que são vários
Quem
se afirmou, como provar se é negro ou não?
De uma
vez por toda pra se resolver a questão
O
cassetete da PM tem dispositivo de elite
Nunca
erra quem é negro, acredite!
Refrão
Cuidado
quando alguém te incita
A ir a
um show onde só tem gente bonita
Olhe
sempre com reservas, pra mim o que interessa
É
saber que gente bonita é essa
Analise
os termos que deixaram pra gente
Entre
pardo e mulato qual o mais indecente?
Qual o
menos prejudicial?
Ter a
identidade de mula ou de pardal
Mas
pêra aê, veja que pirraça
Pardal
não é aquele passarinho que não tem raça?
Que
perambula pelas praças, dizem sem valor
Pássaro
sem vocação pra cantor
Vira-lata,
a mula é um animal
Mão
de obra barata, estéril, irracional
Só
serve para o trabalho mas não para produzir
E aí
cumpade, tu se encaixa mesmo aqui?
Nem
parda, nem mulata eu me defino politicamente
Sou
negra, ou se quiser afro-descendente
Cuidado,
que eu tô em pele de cordeiro
Do
tipo que da coice, afro-brasileiro
Deveria
ser executado com um tiro de bazuca
O
criador do personagem “negra maluca”
Eu sou
sério demais? Não vá se preocupar
Herdei
da minha gente o talento pra contrariar
Contrariando,
tu vai sim me ver sorrindo
Mas o
hip-hop superou o discurso do “negro é lindo!”
A quem
interessa? Eu digo a quem pensou
Que eu
seria só mais um com vocação pra tambor
Se
respeito é bom, não me leve a mal
Eis um
empresário, uma pedagoga e um cientista social
Da
Universidade Federal da Bahia
Detalhe,
quem diria, na terra do “é só alegria!”
Se
denegrir é tornar negro irmão
Vamos
denegrir a faculdade de comunicação
De
direito, medicina e muito mais
Vamos
denegrir os órgãos oficiais
Refrão
A
manchete da Simples Rap´ortagem estampa
Um
novo quadro negro se levanta
Há
muito a ser contado sobre os nossos ancestrais
Não
deixar passar em branco, tarefa nossa rapaz
Se
ligue, a muito a ser feito
O
importante nego é fazer do nosso jeito” (Quadro Negro, de Jorge
Hilton)
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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do
nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas),
Galeria do Livro (Espaço Cultural Itau
Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em
frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras, 28,
Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor
Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro
Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)
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