17 março 2021

HQ baiana tem fôlego e má distribuição (02)

 

Em setembro de 1968, a Bahia começou a participar do movimento de estudo das histórias em quadrinhos com a fundação do Clube da Editora Juvenil, assim denominado em homenagem aos primeiros gibis juvenis. Junto com alguns jovens resolvemos difundir o hábito de ler e analisar os quadrinhos no Brasil. Lançamos nossas pesquisas no fanzine Na Era dos Quadrinhos. Foram publicados 37 números: de julho de 1970 a julho de 1973, na sua primeira fase em mimeógrafo. Outra atividade do Clube era realizar exposições, palestras, seminários e debates nas escolas e bibliotecas.

 


Foi com o Na Era que surgiram as primeiras manifestações conscientes no sentido de se construir HQ autenticamente nacional - e popular. O quadrinho baiano tomou fôlego com o surgimento do tablóide A Coisa, do jornal Tribuna da Bahia. A Coisa foi um seguimento natural do Na Era e tinha como meta principal “uma maior valorização do autor brasileiro e em particular baiano”. “Pretendemos também – dizia o editorial -, divulgar e abrir novas perspectivas aos humoristas e desenhistas que ainda não tiveram oportunidade de publicar seus trabalhos”. Em pouco tempo o suplemento revelou novos cartunistas e desenhistas de quadrinhos.

 


O suplemento da Tribuna, aberto para os novos desenhistas, aproveitou uma percentagem expressiva, com experiência que abriu novas possibilidades para a pesquisa temática ao nível gráfico. Seu lançamento serviu para aproveitar vários desenhistas que antes apenas trabalhavam em outros setores. Jorge Silva, Carlos Ferraz, Romilson Lopes e Péricles Calafange foram as revelações em termos de quadrinhos. Lessa e Aps (Anildson Pereira dos Santos) tinham base cartunística e colocaram de maneira implícita a relação quadrinho/cartum.

 


Jorge Silva de Oliveira vindo da publicidade e interessado pela figuração narrativa desde pequeno investiu no mais puro domínio do experimentalismo. Estruturalmente mais dinâmico (pelo que representam as imagens e a colocação dos planos numa página) o desenho de Silva nos parece mais inventivo, grandioso, em alguns momentos voltando ao clássico de uma maneira nova. O “travelling”, o contracampo cinematográfico e os cortes conduz psicologicamente o leitor para o desfecho, numa alta temperatura gráfico visual.

 


Enquanto Silva trabalha com uma surpresa formal, Carlos Ferraz reforça de maneira considerável o enriquecimento de certas cenas. Em termos narrativos e/ou criativos há uma rara beleza no interior dos planos quer seja na sua obra sobre a diluição da Terra, do garoto de surf ou do futuro. Tanto Silva como Ferraz trouxeram uma grande inovação formal. Antes a maioria dos desenhistas contentava-se em desenhar as cenas de frente. Silva e Ferraz introduziram o uso de tomadas de campo e contracampo, estudando o enquadramento, o que fez surgir a elaboração de um estilo narrativo mais denso. Péricles Calafange seguiu o caminho aberto pelos dois acima citados, mas com um sentido bastante apurado na visualização dos planos.

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