27 maio 2010

Revolta dos Malês: o dia em que os escravos tentaram dominar a Bahia

Tudo foi “contido” em menos de quatro horas. Mas tudo que se passou antes e depois da Revolta dos Malês, em 1835, deu provas concretas do poder de articulação dos escravos, apavorando a elite branca baiana e repercutindo em todo o Brasil, e até mesmo no exterior. Vinte e cinco de janeiro, esta foi a data escolhida pelos rebeldes para tomar de assalto a cidade de Salvador e libertar os demais escravos africanos.


A ideia da Revolta dos Malês era aproveitar o domingo de festa, no qual se comemorava o dia de Nossa Senhora da Guia, parte do ciclo de festas do Bonfim, quando os senhores relaxavam a vigilância. O grupo, dominado por negros muçulmanos de origem nagô, partiria para o confronto, mas o plano foi deletado por um casal de negros libertos. Rapidamente a política entrou em ação e o saldo foi um total de 70 negros mortos durante o levante, fora as punições posteriores, que ia da pena de morte até a expulsão do país.


Planejada por escravos que possuíam experiência anterior de combate na África, de maneira geral, os malês propunham o fim do catolicismo (religião que lhes era imposta), o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantação de uma monarquia islâmica, com a escravidão dos não muçulmanos. Durante as primeiras décadas do século XIX várias rebeliões de escravos explodiram na província da Bahia, mas a mais importante delas foi a dos Malês. Nessa época, a cidade de Salvador tinha cerca de metade de sua população composta por negros escravos ou libertos, das mais variadas culturas e procedências africanas, dentre as quais a islâmica, como os haussas e os nagôs.


REBELIÃO - Foram eles que protagonizaram a rebelião, conhecida como dos “malês”, pois este termo designava os negros muçulmanos que sabiam ler e escrever o árabe. Sendo a maioria deles composta por negros de ganho, tinham mais liberdade que os negros das fazendas, podendo circular por toda a cidade com certa facilidade, embora tratados com desprezo e violência. Alguns, economizando a pequena parte dos ganhos que seus donos lhes deixavam, conseguiam comprar a alforria.

Cerca de 1.500 negros, liderados pelos muçulmanos Manuel Calafate, Aprígio, Pai Inácio, dentre outros, arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em árabe. Apesar da denúncia, eles conseguiram atacar o quartel que controlava a cidade, todavia, devido à inferioridade numérica e de armamentos, acabaram massacrados pelas tropas da Guarda Nacional, pela polícia e por civis armados que estavam apavorados ante a possibilidade do sucesso da rebelião negra.


Na época, os africanos foram proibidos de circular à noite pelas ruas da capital e de praticar as suas cerimônias religiosas típicas. Apesar de rapidamente controlada, a Revolta dos Malês serviu para demonstrar às autoridades e às elites o potencial de contestação e rebelião que envolvia a manutenção do regime escravocrata - ameaça que esteve sempre presente durante todo o Período Regencial e se estendeu pelo Governo pessoal de D. Pedro II.


TRADIÇÃO - O Levante dos Malês, livro do professor João José Reis, apresenta ao longo da obra os aspectos mais relevantes da revolta. Mostra que, apesar de o Levante dos Malês se situar num período especialmente conturbado da vida nacional e geralmente ser classificado como mais uma “revolta do Período Regencial”, essa ligação existe mas é secundária. O Levante pertence, antes de tudo, à tradição de rebeliões escravas na Bahia. Nessa época ocorreram várias, sendo a Rebelião Malê a mais grave e a última delas. Ela possui uma outra singularidade em relação às demais: a presença majoritária de muçulmanos (daí o nome de Malê, como os negros muçulmanos eram chamados na Bahia). Reis aponta ainda como fator significativo a forte presença em Salvador da escravidão de ganho (escravos que passavam o dia vagando pela cidade, prestando algum serviço ou vendendo mercadorias e obrigados a entregar a seus senhores um certo valor ao final do dia, podendo ficar com o excedente). É inegável a maior “liberdade” que esse tipo de escravidão oferecia para os contatos pessoais, os cultos religiosos e também para a organização de revoltas. Por isso, em geral, a rebeldia escrava nas cidades assumia a forma da revolta, ao passo que nas fazendas do interior ela se expressava como fuga para os quilombos.


O autor dedica um capítulo à descrição da revolta e o faz de forma tão viva que transporta o leitor para as vielas da cidade de Salvador de 1835. Mostra que a rebelião durou apenas algumas horas, nas quais os revoltosos se tornaram senhores das ruas de Salvador. Revela também que ela repercutiu em todo o Império e no exterior, permanecendo por longo tempo na memória das classes dominantes da Bahia e mesmo da Corte, que tomaram diversas medidas para impedir que outro movimento similar ocorresse.


Para Reis, o Levante pode ser explicado através de um tripé: religião, etnia e escravidão. Como influência secundária, ele alude ao período conturbado no Brasil (e especialmente na Bahia) no qual a revolta se deu. Reis afirma que nunca teve dúvidas acerca da inspiração religiosa do movimento. Para ele, a ideologia da Revolta de 1835 foi o islã e seu núcleo dirigente era malê. Mas a importante presença muçulmana que o distingue dos demais movimentos de africanos não pode ocultar outros fatores que mobilizaram os participantes do Levante, percebidos por Reis em depoimentos de época, principalmente dos seus envolvidos. Ao mesmo tempo que muitos participaram motivados pela fé muçulmana, outros o fizeram por serem nagôs fundamentalmente.

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