13 maio 2010

Morte anunciada de quadrinho baiano

Há mais de dez anos (ou quase 14 anos) que o quadrinista Luis Augusto vinha publicando no jornal A Tarde sua tira diária Fala Menino. Trata-se de uma história em quadrinhos que aborda uma turminha muito especial. Lucas é mudo, mas sempre consegue passar o seu recado. Caio é cadeirante e sabe lidar muito bem com a trajetória da vida. Rafael é deficiente visual que gosta de filosofar sobre tudo o que ainda não viu, mas enxerga o mundo de uma perspectiva lúcida. Mateus é autista e consegue entender o que está em sua volta. Leandro, o melhor amigo de Lucas, é um garoto judeu super ativo e cheio de imaginação.


Os personagens possuem necessidades especiais, mas os traços de Luis Augusto não caem no arquétipo da cartilha contra o preconceito. Mesmo com limitações físicas, as crianças não permitem que isso impeçam de realizar as ações típicas da infância como as brincadeiras, as paqueras, os sonhos. Tudo isso com uma dose de humor e otimismo. Uma turminha que tem que lidar com os dilemas da infância, dialogando com o mundo dos adultos de um jeito muito especial.


Os desenhos de Luis Augusto Gouveia foram premiados pela UNICEF, inclusive no Prêmio Ibero Americano de Comunicação pelos Direitos da Infância. Além da tira publicada no jornal A Tarde, vários livros foram editados e uma série de desenhos animados de 15 capítulos (de 45 segundos cada) que ficou no ar na programação das emissoras baianas. De repente, neste mês de maio, a tira do Fala Menino deixou de ser publicada no jornal A Tarde. O desenhista recebeu uma carta do jornal avisando que não mais publicaria a série e não explicou o motivo. As últimas tiras o artista explicitou para o leitor que a tira diária terminaria.

É assim que nossos artistas são descartados, simplesmente. No lugar, quadrinho estrangeiro bem mais barato (afinal eles possui uma grande distribuidora, os famosos syndicates). Na época em que fundei um clube de quadrinhos, realizamos diversas exposições em colégios, shoppings, galerias mostrando a importância dos quadrinhos como hábito de leitura para os jovens, publicávamos diversos artigos, debates e seminários. Foi a época (anos 70/80) que os jornais baianos mais publicaram tiras de desenhistas baianos. Hoje estamos observando toda uma estrutura diferencial: não importa se o trabalho tem qualidade, objetividade (além de muitos prêmios), o que importa é o preço, se for bem baixo, melhor ainda. Basta ver como a mídia daqui enaltece com exagero o axe music e esquece os outros gêneros musicais , isso sem falar em outras linguagens artísticas. Recentemente o jornal O Globo renovou as tiras diárias com mais personagens produzidos no Brasil, a Folha de S.Paulo, também, além de outros jornais nordestinos. Na Bahia é assim, difícil explicar....

DIFERENÇAS - Ao colocar luz sobre a infância e juventude da garotada, Luis Augusto desmistifica e dá dignidade ao personagem. Em termos de inclusão e exclusão, Augusto mostra como as crianças ouvem o som do mundo, sente os perfumes, o calor do toque, do abraço amigo e sugere a inclusão, onde todos se tratam de igual para igual. Se seus personagens possuem limitação visual e/ou auditiva, são crianças felizes e com capacidade de sentir o mundo. O objetivo é falar sobre diferenças e deficiências. As crianças não nascem com preconceito, mas vão adquirindo no decorrer da vida, então o artista trabalhar na infância para ter uma sociedade melhor. “O Fala Menino! nos conta de diferenças físicas ou sociais,de superação de limites, de inclusão, de responsabilidade social com a naturalidade doce e subversiva das lições que apenas a infância sabe dar”, revela o autor em seu blog: http://blogfalamenino.blogspot.com


Assim é o trabalho criativo de Luis Augusto, discute o relacionamento do mundo adulto com a infância apresentando a diversidade do universo infantil e contribuindo para que a criança tenha voz atuante na sociedade. Reflexivo, contemplativo e incisivo.“Com a honestidade da perspectiva infantil, falar da criança como o ser inteligente e crítico que é, capaz de discutir o comportamento adulto. E junto com o Lucas, discutir o relacionamento do mundo adulto com a infância, talvez o único momento da vida em que somos quem nascemos para ser, sem tantas máscaras sociais, sem tantos preconceitos”, diz o autor. O Fala Menino! nos conta de diferenças físicas ou sociais, de superação de limites, de inclusão, de responsabilidade social com a naturalidade das lições que apenas a infância sabe dar.

O que chama atenção nos quadrinhos de Luis Augusto é sua perspectiva nova em termos de linguagem, conteúdo e forma. Refletir e expressar o seu tempo é essencial para o desenhista. Ter consciência de sua época. Como expressar seu mundo, de que formas dispõe para a execução e que posições tomar frente à realidade do momento. Essas são perguntas que muitos desenhistas se fazem a todo instante, uns mais outros menos. Uma obra de arte significa sempre uma tomada de posição do artista perante a vida. Aqueles que procuram uma arte de consumo fácil, de puro ócio, dificilmente seu trabalho resistirá ao passar do tempo. O de Luis Augusto vai atravessar gerações, porque além de falar ao coração, chega junto na consciência, o que é essencial. Promove dignidade e emancipação das pessoas especiais.


Antes de se formar em Arquitetura e Urbanismo, em 1994, já trabalhava com arte educação em escolas da Bahia. Trabalhou com Ziraldo fazendo histórias para a revista O Menino Maluquinho, da Editora Abril. Em 1989, publicou a tira Liu e o Mágico do Sobaco, no Jornal A Tarde. Em 1995, recebeu Menção Honrosa no 1º Concurso Nacional de Histórias em Quadrinhos da Academia Brasileira de Artes, em São Paulo, com a história Hamlet na Varanda. Fez ilustrações em Nova York, desenho animado em São Paulo, e tem trabalhos publicados em todo o Brasil. Da sua experiência como Arte-Educador nasceu o “Fala Menino”, obra pela qual ganhou o Prêmio HQ Mix de Melhor Álbum Infantil (1997) e Menção Honrosa na Categoria Trabalhos Gráficos, outorgado pela Unicef (1999) e o Trofeu Bigorna de melhor cartunista do Brasil em 2008 com as tiras publicadas no jornal A Tarde.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves) e na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929

Um comentário:

Cathy disse...

Chefe, o que aconteceu com o 13 de maio? Dia da abolição da escravatura? Pouco se falou, ou nada - deste dia crucial na história brasileira...
Eu triste, porque nossa memória não é apenas curta: somos um povo com aminésia histórica-política-social...