A pornografia e o erotismo transitam
sempre em terreno marcado pelas contradições, um território não-determinado,
uma fronteira entre situações opostas, a tensão entre polaridades. Ao se
instalarem, o fazem sempre como uma transgressão das interdições que também
são, por sua vez, parte de um conjunto de contradições. Essa impossibilidade de
traçar limites preciso entre o erótico e o pornográfico é sinal de sensatez e
um bom ponto de partida, tendo em vista as contradições, o jogo semântico que
cerca o uso social dessas palavras, a forma dialética com a história tem
tratado do assunto.
Como explicar as transformações os
costumes, principalmente ao dissipar-se o que restava da afetada atitude de
pudor herdada do século XIX. Desmoronava assim um obstáculo cuja força não deve
ser subestimada. Quando eu era estudante, quase todos os meus mestres, tenho
certeza, teriam sentido um tanto embaraçados em desenvolver diante de nós
certos temas. Não parecia decente perder tempo com tais assunto. O que
envergonhava nossas mães já não envergonha nossos filhos. Aí está a ruptura.
Com uma violência que deixou atônito cada um e nós, desmoronaram debaixo de
nossos olhos estruturas erguidas há séculos para ordenar as relações entre
sexos. As proibições caíram. Os corpos se desnudaram. Acostumamo-nos a não mais
enrubescer diante de certos temas. Certos comportamentos, outrora
cuidadosamente dissimulados, começaram a ser alardeados, enquanto a
conjugalidade se revestia de novas formas.
A revolução que, anulando disposições
consagradas desde as origens da espécie humana, veio modificar de cima a baixo
a divisão dos papeis e dos poderes entre os homens e as mulheres. Cada cultura,
em consequência, guardou o erotismo e a pornografia forçosamente um lugar privilegiado
em seu sistema, cada uma apresentando-os à sua maneira. Não é fácil estabelecer
o limite entre erotismo e pornografia, na medida em que ele varia com as épocas
e segundo os indivíduos.
Para o ensaísta, romancista e historiador
de arte, Alexandrian, “a nova forma de hipocrisia consiste em dizer: se este
romance ou este filme fosse erótico, eu me inclinaria diante de sua qualidade,
mas é pornográfico, por isso eu o rejeito com indignação. Esse raciocínio é
tanto mais inepto quanto ninguém consegue explicar a diferença entre um e
outro. E com razão: não há diferença. A pornografia é a descrição pura e
simples dos prazeres carnais; o erotismo é essa mesma descrição revalorizada em
função de uma idéia do amor ou da vida social. Tudo o que é erótico é
necessariamente pornográfico, com alguma coisa a mais. É muito mais importante
estabelecer a diferença entre o erótico e o obsceno. Neste caso, considera-se
que o erotismo é tudo o que torna a carne desejável, tudo o que a mostra em seu
brilho ou em seu desabrochar, tudo o que desperta uma impressão de saúde, de
beleza, de jogo deleitável; enquanto a obscenidade rebaixa a carne, associa a
ela a sujeira, as doenças, as brincadeiras escatológicas, as palavras imundas”.
O erotismo e a pornografia reside na palavra
escrita, não em representações desenhadas, pintadas ou esculpidas, e não em
fotografias – ou seja, em nada do que está contido nas páginas do livro, mas
sim na mente do observador. O erotismo e a pornografia têm muito a dizer-nos
sobre a bossa própria natureza como seres humanos, sobre o contexto atual em
que vivemos, e muito para agradar ao sentido estético. Podemos tapar os olhos e
os ouvidos, que não desaparecem. O erotismo e a pornografia são parte
entrelaçados da estrutura do mundo contemporâneo.
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