21 abril 2022

Erotismo e pornografia (04)

 

A pornografia e o erotismo transitam sempre em terreno marcado pelas contradições, um território não-determinado, uma fronteira entre situações opostas, a tensão entre polaridades. Ao se instalarem, o fazem sempre como uma transgressão das interdições que também são, por sua vez, parte de um conjunto de contradições. Essa impossibilidade de traçar limites preciso entre o erótico e o pornográfico é sinal de sensatez e um bom ponto de partida, tendo em vista as contradições, o jogo semântico que cerca o uso social dessas palavras, a forma dialética com a história tem tratado do assunto.

 


Como explicar as transformações os costumes, principalmente ao dissipar-se o que restava da afetada atitude de pudor herdada do século XIX. Desmoronava assim um obstáculo cuja força não deve ser subestimada. Quando eu era estudante, quase todos os meus mestres, tenho certeza, teriam sentido um tanto embaraçados em desenvolver diante de nós certos temas. Não parecia decente perder tempo com tais assunto. O que envergonhava nossas mães já não envergonha nossos filhos. Aí está a ruptura. Com uma violência que deixou atônito cada um e nós, desmoronaram debaixo de nossos olhos estruturas erguidas há séculos para ordenar as relações entre sexos. As proibições caíram. Os corpos se desnudaram. Acostumamo-nos a não mais enrubescer diante de certos temas. Certos comportamentos, outrora cuidadosamente dissimulados, começaram a ser alardeados, enquanto a conjugalidade se revestia de novas formas.

 

A revolução que, anulando disposições consagradas desde as origens da espécie humana, veio modificar de cima a baixo a divisão dos papeis e dos poderes entre os homens e as mulheres. Cada cultura, em consequência, guardou o erotismo e a pornografia forçosamente um lugar privilegiado em seu sistema, cada uma apresentando-os à sua maneira. Não é fácil estabelecer o limite entre erotismo e pornografia, na medida em que ele varia com as épocas e segundo os indivíduos.

 

Para o ensaísta, romancista e historiador de arte, Alexandrian, “a nova forma de hipocrisia consiste em dizer: se este romance ou este filme fosse erótico, eu me inclinaria diante de sua qualidade, mas é pornográfico, por isso eu o rejeito com indignação. Esse raciocínio é tanto mais inepto quanto ninguém consegue explicar a diferença entre um e outro. E com razão: não há diferença. A pornografia é a descrição pura e simples dos prazeres carnais; o erotismo é essa mesma descrição revalorizada em função de uma idéia do amor ou da vida social. Tudo o que é erótico é necessariamente pornográfico, com alguma coisa a mais. É muito mais importante estabelecer a diferença entre o erótico e o obsceno. Neste caso, considera-se que o erotismo é tudo o que torna a carne desejável, tudo o que a mostra em seu brilho ou em seu desabrochar, tudo o que desperta uma impressão de saúde, de beleza, de jogo deleitável; enquanto a obscenidade rebaixa a carne, associa a ela a sujeira, as doenças, as brincadeiras escatológicas, as palavras imundas”.

 


O erotismo e a pornografia reside na palavra escrita, não em representações desenhadas, pintadas ou esculpidas, e não em fotografias – ou seja, em nada do que está contido nas páginas do livro, mas sim na mente do observador. O erotismo e a pornografia têm muito a dizer-nos sobre a bossa própria natureza como seres humanos, sobre o contexto atual em que vivemos, e muito para agradar ao sentido estético. Podemos tapar os olhos e os ouvidos, que não desaparecem. O erotismo e a pornografia são parte entrelaçados da estrutura do mundo contemporâneo.

 

Nenhum comentário: